Bicheiros vão só assistir aos estrangeiros entrarem no mercado de apostas no Brasil? – por Carlos Wagner
Uma coisa é as casas de apostas esportivas e de jogos virtuais, como os cassinos online, terem suas atividades regulamentadas no Brasil. Outra coisa é essas empresas ganharem a confiança dos apostadores. Pelo menos 132 empresas já manifestaram interesse em pagar R$ 30 milhões para se regularizarem, conforme estabelece a lei aprovada pelo Congresso e sancionada no último dia 30 de dezembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A legislação estipula ainda uma tributação de 12% sobre o faturamento das empresas, além de uma taxa de 15% sobre o prêmio líquido que será paga pelos apostadores a título de imposto de renda, o que deverá garantir uma arrecadação estimada em R$ 12 bilhões anuais para o governo federal. É sobre isso que vamos conversar.
Não tem como escapar. Os brasileiros vão comparar a credibilidade das casas de apostas ao símbolo de confiança dos apostadores, que é o jogo do bicho. Considerado uma contravenção, um crime de menor potencial, o jogo do bicho foi criado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond com a finalidade de arrecadar recursos para o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro. A fama dos bicheiros de honrarem as apostas premiadas alastrou-se entre os apostadores com a rapidez de uma faísca em um monte de palha molhada com gasolina. O hábito de fazer uma fezinha no bicho contagiou a população com tamanha intensidade que, em 1946, o então presidente da República Eurico Gaspar Dutra assinou o Decreto-lei 9.215, proibindo no território nacional os jogos de azar, como são definidos na legislação aqueles cujo resultado é influenciado por um fator aleatório, como é o caso do bicho. A proibição não abalou a credibilidade dos bicheiros. Muito pelo contrário. Eles se organizaram e proliferaram pelo país. No início dos anos 90, fui um dos repórteres que mergulhou fundo na questão dos banqueiros do jogo do bicho e, em 1993, publiquei uma série de reportagens investigativas chamada O poder dos bicheiros gaúchos. Mostrei que a credibilidade dos bicheiros era questionável por vários motivos, sendo que o principal era o fato deles serem os donos das lotéricas que faziam o sorteio dos números. Também mostrei que eram os maiores corruptores de policiais do país. Tratei do assunto no meu post de março de 2023 Legalização dos jogos de azar no Brasil reduziria a corrupção policial? Na ocasião, depois de três décadas tramitando, havia sido aprovado na Câmara o Projeto de Lei 2234 (PL 2234/1991), do deputado federal Renato Vianna (MDB-SC), legalizando os jogos de azar no país. Atualmente, o projeto tramita no Senado, sem prazo para ser votado. Fato é o seguinte: o jogo do bicho foi a primeira estrutura do crime organizado no Brasil. Há livros, reportagens e muito material à disposição dos repórteres e demais interessados em se aprofundar no assunto. Há uma série documental que descreve com muita exatidão o mundo dos bicheiros: Vale o Escrito – A Guerra do Jogo do Bicho. Acrescento o seguinte. O modelo de organização dos bicheiros foi copiado por facções criminosas como o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo.
Apesar de todo esse imenso volume de informações que publicamos sobre os crimes cometidos pelos bicheiros, a crença dos apostadores na credibilidade do jogo do bicho segue em alta. Um exemplo do que estou falando. Há duas décadas, o governo federal vem lançando no mercado loterias populares com a intenção de tirar apostadores do bicho. Não conseguiu. A questão agora é: qual será a atitude dos bicheiros perante a legalização das casas de apostas esportivas e de jogos virtuais? Antes de responder à pergunta digo que o fato dessas empresas operarem de maneira legal é um bom começo. Até porque a maioria é formada por grupos estrangeiros que já operavam sem regulamentação no mercado de apostas do Brasil. A regulamentação coloca um ponto final na gandaia em que o setor se encontrava. Respondendo à pergunta. Tenho muitas fontes entre os banqueiros do jogo do bicho espalhados pelo Brasil. A conversa entre eles não diz respeito a se entrarão ou não no ramo das casas de apostas e dos cassinos online. Mas se farão isso de maneira legal ou clandestina. De certa maneira, eles já operam nesse mercado ilegalmente. Se decidirem continuar na clandestinidade vão apostar na credibilidade do jogo do bicho perante os apostadores e começar a espalhar fake news sobre as empresas legalizadas. Podemos ter uma guerra de informações. Porque as empresas estrangeiras que estão se legalizando há um bom tempo têm construído relações comerciais com jornalistas esportivos em todo o país, patrocinando programas de rádio, TV e sites especializados. Portanto, vão responder aos ataques dos bicheiros.
Se houver essa guerra de informações, os repórteres precisam ficar atentos ao fato de que, ao redor do mundo, os operadores das casas de apostas, legalizadas ou clandestinas, são pessoas experientes. Como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações: não tem otário nessa história. Não se trata de um filme de mocinho e bandido. É uma guerra suja que será travada na fronteira entre o legal e o ilegal, com o chão coberto de cascas de bananas à espera do pé de um jornalista desavisado. Para arrematar a nossa conversa. Caso tudo dê certo com a regulamentação das apostas esportivas e de jogos virtuais, o passo seguinte do governo pode ser a legalização dos demais jogos de azar? Tenho as minhas dúvidas. Através dos tempos temos escrito que a legalização não acontece devido à pressão dos evangélicos neopentecostais e de outros grupos conservadores. Os bicheiros já foram a favor da liberação. Hoje, os mais influentes não querem nem ouvir falar em liberação dos jogos de azar porque precisariam pagar impostos.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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