Por Pedro Pereira
Desde 1977, o cronista Orlando Fonseca dispara ao mundo o conjunto de ideias e imaginações que sua mente consegue criar. Em dezembro, o escritor lançou o romance individual “Aqueles anos – sem dourados”, que narra a jornada de um jovem entre as décadas de 1950 e 1960 sobre as dificuldades pelas quais o Brasil passava na época.
Natural de Santa Maria, o autor da obra passou mais de 40 anos de sua vida lecionando, sendo aproximadamente 10 para crianças e 30 para jovens estudantes dos cursos de Letras e de Comunicação Social da UFSM. Entre outras atribuições, também foi Secretário Municipal da Cultura e Pró-Reitor de Graduação na Universidade. Conheça mais da história do santa-mariense que vive e promove a arte, Coração do Rio Grande afora.
A origem
Nascido em 1955, Fonseca teve uma infância pobre. Ele conta que, com exceção de seus primeiros cinco anos de vida, quando morou com os avós em uma região interiorana de Santa Maria, passou sua juventude inteira na Vila Carolina, Região Norte da cidade, com os pais. Entretanto, o escritor destaca: “hoje a gente fala em periferia e tem uma visão diferente do que a da época. Eram bairros muito tranquilos, não havia índices de violências”.
Os primeiros anos de estudo, no extinto “Primário”, foram na Escola Adventista Presidente Vargas e na Escola Euclides da Cunha. Depois, o santa-mariense fez o exame de admissão para avançar ao “Ginásio” e, no Cilon Rosa, ficou por dois anos. Como precisava trabalhar e, ao mesmo tempo, cumprir com seus compromissos de aluno de “Colegial” – que equivale ao Ensino Médio -, foi estudar à noite no Maria Rocha.
Pelas diversas dificuldades que sua família passava quando era jovem, Fonseca conta que seu pai acreditava já estar na hora de se envolver em atividades laborais, ainda com 12 anos de idade. Um de seus inúmeros empregos, que vão de ajudante de técnico de refrigeração a cargos em relojoarias, foi auxiliar de escritório, em virtude de já ter estudado datilografia – prática de digitar nas antigas máquinas de escrever -, que, futuramente, o ajudaria em sua profissão.
Prestou o vestibular somente aos 21 anos e ingressou no curso de Letras da UFSM em 1977, aos 22. Neste meio-tempo, o santa-mariense trabalhava na secretaria da Escola Adventista Presidente Vargas, onde havia estudado. Após 12 meses no setor, se tornou professor da disciplina de Língua Portuguesa de turmas da 5ª à 8ª série e ficou dez anos na função.
Docência na UFSM
Formado em 1983, Fonseca prestou concurso em 1984 e, então, passou a fazer parte do corpo docente do Centro de Artes e Letras da Universidade, onde permaneceu até fevereiro de 2016. O escritor revela que o desejo de trabalhar com o ensino sempre rondou seus pensamentos, ao longo de sua vida. “Na época de escola, eu gostava de conversar e estudar com os outros colegas e ensiná-los as coisas que eu sabia. Isso foi formulando a ideia de ser professor na minha cabeça”, disse o cronista.
Em 1991, se tornou mestre em Literatura Brasileira pela UFSM e, em 1997, garantiu o título de doutor em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Durante os 31 anos em que lecionou na Federal, o santa-mariense, além de ter ministrado aulas para alunos de Letras, curso o qual era formado, foi responsável pela disciplina de Leitura e Produção Textual para jovens acadêmicos de Comunicação Social.
Nesta última, Fonseca explica que tinha como objetivo fornecer aos estudantes o modo de produção do texto “para além do manual jornalístico”, o qual eles aprenderiam naturalmente no decorrer do curso. “Eu sempre dizia: ‘eu não vou ensinar a vocês como se escreve uma notícia, mas vou mostrar informações tiradas da literatura, que é uma experiência milenar’. O jornalismo tem 200 anos, mas a literatura tem 2 mil anos”, afirmou o então professor.
Quando o escritor passou a fazer parte do corpo docente da UFSM, o Brasil vivia os momentos finais da Ditadura Militar e se encaminhava para um processo de redemocratização. Para ele, o debate entre os jovens acadêmicos era muito maior e mais abrangente, na época. “Havia muito engajamento dos alunos, especialmente com livros relacionados à sociologia e filosofia. Eles tinham um conhecimento ‘letrado’ maior. Mas isso foi se perdendo”, lamentou.
Fonseca alega que, em 2015 – um ano antes de se aposentar -, percebeu o fim iminente de seu período lecionando na Universidade, dado que as turmas não apresentavam mais o mesmo interesse em aprender e dialogar. “Os alunos não eram mais leitores vorazes como antes, as argumentações já não fluíam mais. Ou seja, mesmo que eu colocasse questionamentos para fazer com que eles se manifestassem, não estava mais acontecendo. Eu entendi ao longo dos anos que ensinar não tem relação, necessariamente, com aprender. Há um abismo entre essas duas coisas”, declarou o cronista.
Cargos públicos
De qualquer forma, Fonseca viveu as mais diversas experiências concomitantemente ao período em que dava aulas na UFSM. Ele, por exemplo, foi Secretário da Cultura de Santa Maria de 2001 a 2004, durante o período em que Valdeci Oliveira era prefeito pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Sua relação com o político, o qual o indicou ao cargo, era antiga.
Filiado ao partido desde o fim dos anos 1970, quando era estudante na UFSM, o escritor conta que sempre esteve ligado às temáticas abordadas pelo PT, ajudando, inclusive, em campanhas eleitorais. Na medida em que participava de reuniões e se engajava com o movimento, foi ganhando espaço e auxiliando na formação de programas de cultura.
Fonseca acredita que a experiência o fez entender as carências da cidade na área mas, também, compreender que, com o orçamento destinado a Santa Maria para a pasta, é impossível fazer mais do que já é feito. De qualquer forma, ele viu melhorias do início de seu trabalho até o fim e se orgulha disso: “quando eu entrei era de um jeito e quando eu saí estava muito melhor”.
De 2010 a 2014, foi Pró-Reitor de Graduação na UFSM durante o período em que Felipe Müller era reitor da instituição. O escritor assumiu o cargo que, anteriormente, era ocupado pelo professor Jorge Luiz da Cunha, responsável por implantar o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). A iniciativa impulsionou a Universidade uma vez que teve impacto no número de ofertas de cursos ter dobrado na instituição.
À época, Fonseca não havia tido nenhum cargo administrativo “de peso”, então não tinha dimensão de como funcionava o trabalho. Sua nomeação aconteceu por conta da relação que tinha com Müller. Ele conta que precisou estudar para trabalhar na função e, no fim, define a experiência positiva pois, assim como na Secretaria de Cultura, acredita ter impactado positivamente a Pró-Reitoria de Graduação. “Quando eu entrei, o sistema de lançamento de notas era feito à mão. Quando saí, era digital”, destacou o santa-mariense.
Em sua carreira, o professor ainda acumula trabalhos como coordenador de redação da Comissão Permanente do Vestibular da UFSM, presidente do Conselho Municipal de Política Cultural de Santa Maria, e, onde atua até os dias de hoje, presidente do Coletivo Memória Ativa. Ainda, ele é cronista do site Claudemir Pereira, onde já produziu mais de 330 textos, e autor colaborador no site da Rede Sina.
Fomentando a leitura
Em dezembro, o escritor santa-mariense lançou seu 14º livro em produção individual, o romance “Aqueles anos – sem dourados. A última obra produzida pelo autor havia sido a novela juvenil “O estojo vazio”, em 2013. O autor não sabe dizer quando exatamente teve a ideia inicial. Contudo, revela que a produção inteira do projeto teve a duração de pelo menos dez anos, pois, sem amarras e padrões, vai escrevendo livremente de pouco em pouco, em sua própria casa.
Semanalmente e por 15 anos, teve a oportunidade de unir sua experiência lecionando para jovens com o amor pela escrita. Ao todo, de 2001 a 2015, ele conheceu 40 municípios do Rio Grande do Sul, de cidades maiores como Canoas a menores como Ijuí, para conversar com estudantes do ensino fundamental acerca de suas obras.
“Eu me apresentava como um escritor com as mesmas possibilidades que eles para que entendessem: com dedicação, também poderiam chegar à condição de escrever um livro que fosse lido por várias pessoas. Eu queria estimular a leitura, corroborando com o trabalho dos professores”, declarou.
Fonseca revela que a receptividade das crianças sempre foi positiva, levando em conta, principalmente, a curiosidade sobre os livros. “Eu sempre olhei os índices de leitura no Brasil. Os brasileiros leem enquanto estão no ensino fundamental. Depois, quando vão ao Ensino Médio e começam a se preparar para a faculdade, a leitura vai diminuindo até desaparecer. Portanto, o trabalho que os professores devem fazer é muito grande. Eu tinha esse compromisso de conversar com as crianças antes da palestra e com os professores para ver o que eles estavam fazendo”, comentou o autor.
“Alimento para a alma”
Aposentado há sete anos, o santa-mariense procurou utilizar seu tempo livre para, além de escrever, expandir seus conhecimentos artísticos. Outra função que exerce é a de baixista da banda “The Trippers” (em tradução literal, significa “Os Viajantes”), que homenageia a música “Day Tripper”, dos Beatles. Ele conta que foi para o caminho da música através de sua filha, Luísa, de 13 anos, tecladista.
Além da jovem, Fonseca também é pai de Orlando Jr, Nícholas e Vinícius. Para o futuro, o escritor afirma que vai continuar escrevendo. “Pode ser que eu não escreva mais romances, narrativas longas, porque é algo mais trabalhoso. Mas vou continuar me dedicando às causas da cidade. Enquanto eu ainda tiver energia, as pessoas vão me encontrar. Tenho muito interesse em fazer o que tiver ao meu alcance para que a cidade tenha condições boas a quem mora aqui e para quem vem visitar”, afirmou o autor.
Para ele, Santa Maria é uma cidade que tem um grande volume de qualidade em diferentes áreas, seja na música, na dança, nas artes visuais, entre outros. Passados pouco mais de 68 anos no Coração do Rio Grande, dos quais mais de 40 foram contribuindo para o meio artístico, o escritor vê o futuro com bons olhos no que diz respeito ao fomento à área. “A arte para mim é alimento para a alma”, concluiu o santa-mariense.
Parabéns ao professor Orlando pela bela e auspiciosa trajetória profissional e pessoal. Fecundas tanto na docência como na literatura! Merece todas as homenagens.
Vermelhos concordarão.
‘Para ele, Santa Maria é uma cidade que tem um grande volume de qualidade em diferentes áreas, seja na música, na dança, nas artes visuais, entre outros.’ Sim, é só mais um que acha que o proprio trabalho é de extrema qualidade. Tipico santamariense.
Pois é, a Casa de Cultura também está uma tapera. Tampouco há interessados.
MERECE MUITO RESPEITO PELA CIDADE E NA CIDADE.