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Fugas – por Orlando Fonseca

A fuga de dois presidiários da Penitenciária de Mossoró, no Rio Grande do Norte, independente da recaptura dos fugitivos, indicia o tamanho do desmonte estatal produzido ao longo dos últimos anos. O prejuízo causado por uma política de corte de gastos e desvios de toda ordem, desde o impeachment de Dilma, até o final do governo de Bolsonaro, abre estas brechas por onde escapam, não apenas bandidos, mas oportunidades de tirar o país do poço. Por um buraco no teto, os fugitivos burlaram a vigilância de uma unidade prisional de segurança máxima, e viraram furo de reportagem país afora, gerando críticas ao governo, como se uma crise pela falta de cuidados fosse um descuido do atual. Ainda que o Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, recém-empossado, tenha agilizado uma ação de busca, e anunciado medidas para mitigar a precariedade do sistema, o buraco orçamentário é mais embaixo. O teto de gastos não é uma boa medida quando se deve pensar em manutenção de políticas públicas fundamentais, e para isso, governo federal e unidades da Federação, juntamente com o Congresso, precisam estar mais vigilantes com a coisa pública do que preocupados com mandatos, reeleições e, eventualmente, escapulidos.

Pelo que se observa, sem muita acuidade, prestando atenção apenas no noticiário, é possível afirmar que essa fuga não tem como ter se dado sem ajuda, conivência ou descuido. Trata-se da primeira, desde que o sistema federal de segurança máxima foi implantado, em 2006. As investigações em curso vão apontar, sem dúvida, o que realmente contribuiu para que a dupla se evadisse com facilidade, e isso envolve agentes, funcionários e o sistema todo. Um relatório feito na véspera da fuga aponta que o Presídio – de segurança máxima – tem câmeras inoperantes e pontos cegos. Só cego mesmo pra não ver aí os indícios de uma condução equivocada dos programas de segurança, em que o mínimo é usado para justificar a inversão dos investimentos. O Ministro da Justiça se reuniu com responsáveis, no final de semana, para acompanhar os trabalhos de 300 agentes envolvidos na operação de recaptura dos dois criminosos, cujos nomes, inclusive, foram inscritos na lista vermelha da Interpol. Segundo informes do Ministério da Justiça, duas investigações foram abertas a respeito do fato. Em uma delas, a pasta apura, de forma administrativa, eventuais responsáveis pelo episódio. A Polícia Federal conduz a segunda, que apura eventuais crimes cometidos por agentes na escapada dos criminosos.

Observando a lista de providências que Lewandowski anunciou, é possível observar o que deve ser consertado no sistema, mais do que o serviço para tapar o buraco no teto da penitenciária de Mossoró. E então se pode ver o quanto se depreciou o sistema, pois as providências são simples: ampliação do sistema de alarmes; reforço de agentes de segurança; aperfeiçoamento do sistema de entradas nos presídios, com implantação de reconhecimento facial e a construção de muralhas. Tais providências, em se tratando de uma instalação, parecem realmente pequenas, mas é preciso olhar o todo, envolvendo estados e municípios, em uma política que vai além dos presídios. E isso avoluma a necessidade de um aporte maior de recursos em segurança, uma prioridade quando se trata de gestão pública. E não precisamos ir muito longe: Santa Maria está entre as cidades mais violentas do Estado, numa crescente que só nos deixa estarrecidos. Homicídios violentos estão se tornando comuns, à luz do dia, em ruas do centro da cidade. É preciso que o país se desenvolva, que haja trabalho, emprego e renda, para que a população carente não afunde na miséria, com políticas sociais eficazes para tirar crianças e jovens do risco de serem seduzidos pelo tráfico. Tais investimentos são fundamentais e não podem estar contingenciados por um teto de gastos ou preterido por fundos eleitorais escandalosos. Caso contrário, vamos continuar a ver nos noticiosos a fuga das oportunidades de recuperar o país para a dignidade de uma cidadania plena, com justiça social, igualdade de oportunidades e o fim da miséria.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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3 Comentários

  1. ‘[…] políticas sociais eficazes para tirar crianças e jovens do risco de serem seduzidos pelo tráfico.’ Sempre vitimas que serão ‘salvas’ pela atuação estatal. A ‘estrutura’ vai ‘orientar’ a decisão individual. Pela qualidade dos serviços publicos no Brasil já se sabe que não vai rolar. Alas, como o crime nunca será zero, ‘atuação estatal vai ter que ser aumentada indefinidamente’.

  2. Cascata para livrar a cara de Lewandowski. Só que o antecessor, as obras estavam ocontecendo, era Sapo Dino. Papinho ‘a culpa é dos outros’ não cola.

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