Artigos

Pepita de ouro de Costa Neto liga o garimpo aos atos terroristas de 8 de janeiro? – por Carlos Wagner

Pode virar um grande problema para os bolsonaristas a pepita de ouro encontrada pela Polícia Federal (PF) na casa de Valdemar Costa Neto, 74 anos, ex-deputado federal por São Paulo (1991 a 2005) e presidente do Partido Liberal (PL), o partido do ex-presidente da República Jair Bolsonaro. É sobre isso que vamos conversar. Mas antes vamos seguir o manual do bom jornalismo e contextualizar o assunto. Na quinta-feira (08/02), agentes da PF trabalharam na Operação Tempus Veritatis, hora da verdade em latim, que tem como foco chegar aos mandantes intelectuais da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). Foram cumpridos, em vários estados, 33 mandados de busca e apreensão, quatro de prisão preventiva e 48 medidas cautelares (recolhimento de passaportes). Bolsonaro teve o seu passaporte recolhido e não pode deixar o país. Na casa de Costa Neto os policiais foram cumprir mandados de busca e apreensão e acabaram decretando a prisão preventiva do ex-deputado por terem encontrado uma arma sem registro e uma pepita de ouro. Na sexta-feira (09/02), o ministro do STF Alexandre de Moraes concedeu liberdade vigiada para o presidente do PL.

A explicação dada à Justiça pelos advogados de Costa Neto é que a arma pertence ao irmão dele, que a esqueceu lá, e a pepita de ouro é de baixo valor, em torno de R$ 11,7 mil – há dezenas de matérias na internet sobre o assunto. Termino aqui a contextualização. Vamos aos fatos. O Instituto Nacional de Criminalística (INC) atestou que o ouro é ilegal. Como chegaram a essa conclusão? Simples. Todas as minas legalizadas têm o que os geólogos chamam de “assinatura do ouro”, que sãos informações técnicas sobre o perfil do minério que produzem. Quando não encontram a assinatura do ouro significa que ele é ilegal, de garimpo. Mas de qual? É possível determinar a localização do garimpo. Mas o processo é longo e demorado. No caso dessa pepita, que pesa 39,18 gramas, os agentes federais vão percorrer dois caminhos. Um deles é nos laboratórios, onde tentarão determinar o local de origem da pepita. O outro caminho é seguir a trilha das relações comerciais de Costa Neto. O ex-deputado é sócio de Francisco Jonivaldo Mota Campos, que é coordenador do movimento Garimpo Livre no Amazonas. Joni, como é conhecido, tem uma longa ficha na polícia que o envolve em grilagem de terras, exploração de madeira ilegal, pirâmide financeira e outros crimes. O perfil do sócio de Costa Neto é muito comum naquela região. Sei disso porque trabalhei por lá fazendo reportagens. Na década de 70, a família do ex-deputado se envolveu com mineração de caulim da Floresta Amazônica. Atuava na cidade de Itacoatiara, a 100 quilômetros de Manaus (AM).

Há outro fato. Na última década, em especial durante o governo Bolsonaro (2019 a 2022), a desestruturação dos serviços de fiscalização ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), acelerou a entrada ilegal de garimpeiros nas reservas indígenas, em especial na terra dos yanomami, um vasto território situado na fronteira do estado de Roraima (RR) com a Venezuela. Existe uma estimativa de que mais de 70% do ouro ilegal que circula na Amazônia vem da reserva yanomami. Portanto, se a pepita chegou às mãos do ex-deputado nos últimos 10 anos existe a chance real de que sua procedência seja os garimpos ilegais nas terras dos yanomami. A invasão da reserva por garimpeiros resultou na morte de centenas de indígenas de fome e doenças. Há uma vastidão de imagens de índios reduzidos a pele e ossos circulando o mundo. Uma coisa é escrever que toda a desgraça da tribo foi gerada pela política ambiental do governo Bolsonaro. Outra é mostrar uma pepita extraída na terra indígena em posse do presidente do partido de Bolsonaro. É como encontrar uma digital do bolsonarismo na tragédia do povo yanomami.

Há pouco mais de um mês virou manchete nos jornais a volta dos garimpeiros para as terras dos yanomami, de onde tinham sido expulsos no ano passado. A volta deles significa que os agentes federais não conseguiram desmontar a rede de investidores que sustenta o garimpo nas reservas indígenas, uma das atividades ilegais mais caras do país. Nos últimos dois anos, dois grandes investidores estão colocando o seu dinheiro nos garimpos: o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. A chegada dessas duas organizações criminosas ao garimpo vai acelerar a mudança no perfil dos investidores. Até agora, a maioria deles é de comerciantes e madeireiros ilegais. Lembro que por longos anos os garimpos ilegais foram a saída encontrada pelos plantadores de soja e criadores de gado quando aconteciam frustrações de safra. As novas tecnologias, somadas ao seguro da produção, afastaram os agropecuaristas dos garimpos. É fato que a investigação da trilha percorrida pela pepita encontrada com Costa Neto ajudará os agentes federais a entender melhor como funciona essa rede de investidores. Também é fato que é a operação Tempus Veritatis levantou a tampa de um imenso reservatório de informações sobre os bastidores do 8 de janeiro. Vamos levar algumas semanas ainda falando sobre o assunto. Como descrevi, a investigação sobre o local de onde foi extraída a pepita de Costa Neto é longa. Não tem como encurtar o caminho. Enquanto isso, o assunto permanece como pé de página. Mas isso não significa que os repórteres devam esquecê-lo. Até porque, se existiu dinheiro dos garimpos financiando os atos terroristas de 8 de janeiro, é uma notícia globalizada. Isso quer dizer que devemos ficar atentos.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

5 Comentários

  1. ‘[…] se existiu dinheiro dos garimpos financiando os atos terroristas de 8 de janeiro, é uma notícia globalizada. Isso quer dizer que devemos ficar atentos.’ Se eu tivesse quatro pernas e quatro braços seria um aracnideo. Bota ‘jornalismo’ nisto, insinuações e ficção.

  2. Alguns dias atras prenderam a viuva de um ex-membro do PCC. Acusação é lavagem de dinheiro da organização. No apartamento dela foram aprendidos 50 mil dolares em notas de 100 e 1 milhão de reais.

  3. ‘Pepita de ouro de Costa Neto liga o garimpo aos atos terroristas de 8 de janeiro?’. Patetico. Uma insinuação em forma de questionamento.

  4. Impressiona a quantidade de propaganda atualmente nos ‘meios de comunicação’. Objetivo não é informar, é utilizar até tecnicas de publicidade (ou jornalisticas na aparencia) para persuadir a opinião publica e/ou fazer avançar certas pautas politicas.

  5. ‘Mas antes vamos seguir o manual do bom jornalismo […]’. A edição da decada de 70 já esta ultrapassada. Não adianta comprar a nova, não vai entender.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo