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Por Júlia Weber (com foto de Ana Alicia Flores) / Da Agência de Notícias da UFSM
Em janeiro deste ano, Átila Da-Rosa, docente do Departamento de Geociências da UFSM, recebeu uma homenagem inesperada: um fóssil descoberto pela equipe do Laboratório de Paleobiologia do Campus São Gabriel da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) recebeu o seu nome.
O fóssil Kwatisuchus rosai, encontrado em 2022 em uma fazenda no município de Rosário do Sul, apresenta características inusitadas. O anfíbio possui semelhanças com fósseis encontrados na região que hoje é conhecida como Rússia, o que desafia os limites do conhecimento sobre a Pangeia (o supercontinente, que existiu há cerca de 300 milhões de anos) já que, mesmo com a ligação das regiões, barreiras como cadeias montanhosas bloqueariam o acesso das espécies.
O nome do bicho faz referência ao termo tupi “Kwati”, que significa “focinho comprido”, e “rosai”, em homenagem a Átila. O professor da Unipampa e líder do grupo responsável pela descoberta, Felipe Pinheiro, conta que a ideia da homenagem surgiu de forma natural, pois o trabalho de Átila abriu caminho para que chegassem a esse resultado.
“O Átila pavimentou a estrada que seguimos em nossas pesquisas desde 2015. Em anos anteriores, ele foi protagonista no reconhecimento, descrição e coleta de fósseis em sítios fossilíferos do início do Triássico. Seu trabalho permitiu a descoberta do Kwatisuchus e de inúmeros outros fósseis que a equipe da Unipampa recuperou e estudou nos últimos anos”.
O encontro de Felipe com Átila aconteceu em meados de 2008, ano em que Felipe finalizou a graduação na Universidade Federal do Ceará (UFC), mas ele conta que já admirava a relevância do professor da UFSM para a Paleontologia antes disso: “Suas contribuições sobre a geologia e Paleontologia do Rio Grande do Sul já eram familiares para mim antes de conhecê-lo pessoalmente”.
Outros integrantes do grupo da Unipampa também foram impactados pelo trabalho dele, como Arielli Machado, pesquisadora da Unipampa, que foi aluna de Átila na UFSM, e os pesquisadores Voltaire Paes Neto e Estevan Eltink, que já colaboraram com ele em outros projetos.
Em 25 anos de atuação como docente na UFSM, Átila continua a construir seu legado na pesquisa, mas já se consolidou como um dos grandes nomes da Paleontologia por meio de sua contribuição nos estudos voltados, principalmente, ao Rio Grande do Sul. “Poucos contribuíram como o Átila na compreensão holística de como era a região onde hoje fica Santa Maria durante o período Triássico.
Isto é, na integração da informação obtida pelos fósseis e aquela proveniente das rochas. Sua pesquisa paleontológica com um forte viés geológico nos ensina a jamais ignorar as pistas deixadas pelas rochas, as únicas testemunhas dos ambientes do passado”, destaca Felipe.
Em homenagem ao dia do paleontólogo, a equipe da Arco conversou com Átila sobre questões que vão desde os desafios encontrados em mais de duas décadas de dedicação à pesquisa até sua percepção sobre a área de atuação e a motivação para continuar formando novos cientistas. Confira o que ele disse:
Arco – O que o motivou a escolher a Paleontologia como carreira?
Átila Da-Rosa – Na infância, queria ser astronauta ou piloto de Fórmula 1. Na cidade onde eu morava, Bagé, vi uma “pedra da Lua” (meteorito) em exposição, doada pela Nasa, e aquilo me fascinou, tanto pela parte científica quanto pela exploração do espaço.
Já na adolescência, sabia que não queria seguir a área do Direito, em que toda a família trabalhava. Queria um trabalho no campo. Um dia, um geólogo deu uma palestra no meu colégio, e eu me encantei pelo assunto. Feito o vestibular para geologia, no primeiro semestre já sabia que faria isso pelo resto da vida. No final do curso, já tentava me espelhar nos grandes professores que tive, e escolhi ser um professor/pesquisador, na interface entre a Geologia e a Paleontologia. Assim, fiz mestrado e doutorado na área, e depois concurso público para a UFSM, onde trabalho há 25 anos.
Arco – Como você descreveria o papel da Paleontologia para a sociedade?
Átila Da-Rosa – Essa é uma pergunta difícil, e não corriqueira, mas importante. Em primeiro lugar, penso que a ciência deve sempre procurar a evolução da Humanidade, para que possamos aprender com o passado e melhorar nossas previsões para o futuro. Em segundo lugar, a Paleontologia, por si só, já atrai a atenção da população, que tem muita curiosidade pela vida no passado. Nosso papel então está em promover a tradução dessas informações, para que saibam que nosso planeta é único em Biodiversidade, e que sua manutenção depende de uma série de fatores, positivos ou negativos para nós, ao longo do tempo geológico.
Penso que o paleontólogo, como qualquer cientista, deve buscar não apenas a excelência em sua área de atuação, mas incluir nisso a extensão, como uma forma de retorno do conhecimento às comunidades envolvidas.
Arco- Qual a melhor e a pior parte de ser um pesquisador e atuar na área?
Átila Da-Rosa – Fazer ciência no Brasil ainda é difícil, apesar dos anos de ouro em investimentos na Educação, Ciência e Tecnologia nos anos 2000. Nossos pesquisadores são bem reconhecidos em diversas partes do mundo, para onde geralmente vão quando não há vagas, bolsas ou recursos por aqui. Essa “fuga de cérebros” é talvez a coisa mais frustrante para um pesquisador.
Na Paleontologia, a melhor parte é poder acompanhar todo o processo, desde a coleta em campo ao preparo em laboratório, e posterior publicação em um periódico científico e também a repercussão na mídia local.
Arco – Recentemente, você recebeu uma homenagem com a nomenclatura do fóssil anfíbio encontrado no Rio Grande do Sul. O que isso representou para você?
Átila Da-Rosa – Uma grande honra! Diz o poeta cubano José Martí que uma pessoa deveria plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro para se sentir completa. Receber uma homenagem dessas é muito mais do que isso! É ser eternizado na ciência por colegas muito queridos.
Eles pediram uma reunião online comigo, alegando que precisavam conversar sobre um artigo. Achei que queriam ajuda na parte geológica. Comecei a ler atentamente, então perguntaram se eu tinha gostado do nome. “Nome?!”, pensei, e corri para a descrição do fóssil. Fiquei tão emocionado, que comecei a chorar. E só consegui dizer, “muito, muito, muito obrigado, me deixaram sem palavras!…”
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Ciencia envolve explicações falsificaveis e ‘predições’, não só conhecimento organizado.