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O silêncio não é opção para a democracia – por Leonardo da Rocha Botega

Carlos Alexandre tinha um ano e oito meses quando sua casa foi invadida pela polícia no dia 15 de janeiro de 1974. Juntamente com seu pai, o jornalista Dermi Azevedo, e sua mãe, a pedagoga Darcy Andozia, foi conduzido para a sede do Deops em São Paulo. Conforme a jornalista Rose Nogueira, também ex-presa política, “praticamente todos que passaram pelo Deops foram torturados”. Com Carlos não foi diferente.

O bebê Carlos ficou aproximadamente quinze horas sofrendo inúmeros tipos de violência. Sob o comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury, Carlos sofreu choques elétricos e recebeu tapas, um destes tapas chegou a cortar o seu lábio. Segundo os relatos de sua mãe, “Cacá apanhou porque estava chorando de fome. Os policiais falavam que, naquela idade, ele já era doutrinado e perigoso”.

Em 2010, em entrevista para a Revista Isto É, Darcy Andozia relatou que “meses depois de sair da prisão, soube que o meu filho tinha sido vítima de choques elétricos e outras sevícias. Ele foi jogado no chão e bateu a cabeça. Maltratar um bebê é o suprassumo da crueldade”. A mãe de Carlos ficou quarenta e cinco dias presas, o pai ficou seis meses. Entre uma sessão de tortura e outra, Carlos era levado até o casal por policiais e militares que ameaçavam matá-lo se os pais não entregassem os companheiros.

Na mesma reportagem da Revista, Carlos revelou que sua família nunca havia se recuperado totalmente dos abusos sofridos durante a Ditadura Civil-Militar. De sua parte, o que mais pesava era saber que havia sido usado para pressionar os pais e que por conta disso outras pessoas podem ter sido levadas para a tortura ou assassinadas. Mas estes não foram os únicos traumas que carregou.

Por conta de seu comportamento retraído, muitas vezes agressivo, Carlos foi diagnosticado na adolescência com fobia social. Passou o resto da vida tomando antidepressivos e antipsicóticos. Em 2010, Carlos foi declarado anistiado político. A reparação por parte do Estado Brasileiro, porém, não foi mais forte do que o seu trauma. Três anos depois, Carlos acabou tirando a própria vida.

O historiador Dominique LaCapra, partindo do diálogo entre a História e a Psicanálise, considera o trauma como um ponto de partida para entender os eventos históricos. Entender o trauma é um compromisso ético e político no sentido do resgate da memória, não apenas das vítimas dos traumas, mas, principalmente, do que resta dos traumas em nossa sociedade.

No que diz respeito à sociedade brasileira, resgatar a memória das vítimas da Ditadura Civil-Militar é um exercício de lutar contra um dos grandes traumas de nossa história: a fraca cultura democrática e o autoritarismo presente em setores significativos de nossa sociedade. Uma fraca cultura democrática que se evidenciou fortemente nos atos de 8 de janeiro de 2023, maior ataque sofrido pela democracia brasileira desde 1964, e nas tramas golpistas que envolveram instituições do Estado Brasileiro, aparelhadas pelas ideologias antidemocráticas da extrema-direita.

Por conta deste compromisso ético e político com a democracia é que o silêncio oficial sobre os 60 anos do Golpe Civil-Militar de 1964, proposto pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, não é uma opção. O esquecimento não foi uma opção para Carlos Alexandre. Assim como não foi também para Frei Tito Alencar, para Maria Auxiliadora Lara Barcelos e tantas outras vítimas do Terror de Estado que encontraram o fim da vida como única saída para os traumas da tortura e da covardia.

A memória e a justiça são as únicas opções para a garantia da democracia! Para que o “Nunca Mais” tenha sentido!  

 (*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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