Artigos

Em alerta – por Orlando Fonseca

O relaxante som da chuva agora é como “trombeta do apocalipse ambiental”

Os alertas da Defesa Civil deveriam soar para nós como orientações de segurança, antecipando preparativos e cuidados contra possíveis acidentes naturais ou desastres. No entanto, após o maio chuvoso e tenebroso deste ano, ao lermos ou ouvirmos nos noticiários a manifestação da  Defesa Civil, tudo o que nos acode é apreensão, temor e pânico.

Como o próprio nome diz, a defesa deveria ser para ficarmos tranquilizados, mas o que nos assalta é o medo das enchentes, dos desmoronamentos, da falta de energia e água potável. Vêm-nos à mente as cenas chocantes das ruas inundadas na capital, as cidades ribeirinhas varridas do mapa, deixando apenas entulho e lama para os dias de sol.

E nos perguntamos abestalhados: o que é que fizemos para merecer tudo isso? Tudo. Infelizmente não precisamos que a Defesa Civil nos diga esta verdade incômoda, só não podemos ficar paralisados até que venha uma nova tempestade arrasadora.

Os alertas atuais nos põem em desassossego porque não prestamos atenção nos alertas de ecologistas, décadas atrás. E quando falo desse tempo remoto, volto a meados do século passado, quando se levantaram vozes de cientistas, pesquisadores e especialistas, em diversos lugares do planeta. Em 1972, houve a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo, impulso das Conferências das Partes (COPs) atuais.

Por aqui, em nosso bravo Brasil, vivíamos um estado de exceção, no qual vigia severa censura, e tal demanda internacional não era compatível com o avanço da destruição amazônica que estava em curso. Para o então ministro de planejamento, Reis Velloso, “a pobreza era a pior das poluições” e que “clima era problema de país rico”.

De modo que, precaver-se dos males que a industrialização traria era uma pauta e agenda da esquerda, era coisa de comunista. Nos anos subsequentes, já na redemocratização, os “ecochatos” eram tachados de inimigos do desenvolvimento. No entanto, havia quem se levantasse mesmo assim, como foi o caso do gaúcho José Antonio Lutzenberger.

Controvertido militante, Lutzenberger, filho de alemães, formou-se agrônomo, e no final dos anos 1960, desiludido com as políticas agrícolas, passou a dedicar-se à causa do ambientalismo. Pioneiro, fundou a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), uma das primeiras associações ecológicas do Brasil, ganhando fama nacional e internacional em inúmeras campanhas, conseguindo importantes conquistas em uma época em que o ambientalismo ainda era coisa desconhecida pela maioria.

Teve uma breve passagem pelo governo Collor, na Pasta do Meio Ambiente, deixando um legado de obras importantes, como a demarcação das terras ianomâmis. Foi demitido do cargo após denunciar a corrupção no Ibama, em 1992. E não foi a única voz a emitir alertas para que se tomassem providências preventivas, quanto às calamidades que hoje são a realidade.

O som da chuva figura entre os sons relaxantes, no entanto, agora é como uma sirene, trombeta do apocalipse ambiental. Todo alerta máximo da meteorologia imprime apreensão máxima em nossas mentes. É preciso prestar atenção mais nas ações do que nos avisos.A Cúpula do clima em 2025, no Pará, deve indicar os meios de implementação necessários para que todos os países possam anunciar medidas mais ambiciosas.

A emergência climática exige que os países redobrem seus esforços para implementar sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) já comprometida: metas e compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa assumidos pelos que assinaram o Acordo de Paris.

A expectativa é de que, em Belém, a floresta amazônica reforce o papel do Sul Global nas discussões climáticas. É urgente ouvir a voz dos especialistas e os apelos que a própria natureza emite, por vezes com serenidade, por vezes com severidade, reprimendas do tamanho de sua força desmedida.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

8 Comentários

  1. Essa batalha tá perdida e a guerra provavelmente também. O meio ambiente é refém da especulação e do lucro imediato. O agronegócio não tem limite, nem enxerga fronteiras pra própria expansão. Destroem o próprio País pra mandar commodities pro exterior. Os centros urbanos e os governos, de todas as matizes, fecham os olhos pra ocupação irregular, são lentos e alguns omissos, em proteger os rios e as pessoas.

  2. ‘ É urgente ouvir a voz dos especialistas […]’. Solução simples e, como quase sempre, errada. Sul Global, expressão cunhada pelos vermelhos, quer dimdim para preservar a Floresta. Paises desenvolvidos torcem o nariz, sabem que uma boa parte vai para em outros lugares. O que os cientistas desejam muitas vezes é utopico, existem serias repercussões economicas e politicas. Muitas medidas demandam tempo para serem implementadas, até decadas. Sem falar no pessoal ‘para salvar a natureza e combater as mudanças climaticas não tem jeito, temos que acabar com o capitalismo’.

  3. ‘[…] a floresta amazônica reforce o papel do Sul Global nas discussões climáticas.’ Pelo que se ve hoje nada vai mudar. A mera posse da floresta não aumenta o poder dos paises da região. ‘Ou fazem como queremos ou iremos devastar a floresta’? Governo divulga diminuição do desmatamento, mas instala gabinete para monitorar queimadas não só la, no cerrado também. Conta não fecha.

  4. ‘[…] metas e compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa assumidos pelos que assinaram o Acordo de Paris.’ Não aconteceu e não está no horizonte acontecer.

  5. ‘[…] agenda da esquerda, era coisa de comunista.’ Sim, e era. O Partido Comunista do Kampuchea durante o governo do Khmer Rouge no Cambodja matou 1,3 milhão de pessoas (1975-1979). Virou um filme na decada de 80, ‘Killing Fields’.

  6. Alerta mais famoso sobre o efeito estufa foi feito por Carl Sagan no Congresso Ianque em 1985. Aconteceu uma onda ambientalista no começo da decada de 70. Foco principal era os defensivos agricolas. Por aqui, muitos irão lembrar, não era incomum reutilizarem as embalagens dos produtos quimicos para outras coisas. Baldes, etc. Houve até campanha para ‘lavar tres vezes antes de usar’ para diminuir a concentração numa porcentagem alta. O que seria hoje ?

  7. Em 1972 até Santa Maria era o Cafundó do Judas. A BR290 foi liberada para o transito em 73. A 287 foi construida mais ou menos na mesma epoca, se lembro bem ficou pronta depois. Viaduto da Garganta do Diabo é de 61/62. Para os militares ser transferido para cá ou para Tabatinga no Amazonas não tinha muita diferença. O fantasma que assombra os milicos desde aquela epoca é perda de territorio nacional, a ‘internacionalização’ da Amazonia, assunto que volta e meia frequenta não só noticiarios, mas debates dos paises mais ricos. ‘Não sabem cuidar, deixem que a gente cuida’.

  8. ‘[…] só não podemos ficar paralisados até que venha uma nova tempestade arrasadora.’ Sim, burocratas que passam a vida esfregando a barriga na mesa numa sala com ar condicionado produzindo textos ‘atuam’ para K7. ‘Mutley! Faça alguma coisa!’

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo