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Imprensa notou que a “taxa das blusinhas” virou uma novela muito popular? – por Carlos Wagner

Quem cunhou a expressão “taxa das blusinhas”, que se tornou um enredo de novela na disputa política nacional? Vamos aos bastidores dessa criação. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, 54 anos, (PP-AL), mostrou-se indignado com o apelido que foi dado ao projeto de lei que onera com impostos as importações de mercadorias com o valor de até 50 dólares em compras internacionais, e que atinge principalmente as lojas virtuais chinesas como a Shopy e a Shein. A intenção inicial do projeto era taxar essas importações em 50% do valor. O assunto vinha sendo discutido há quase um ano no Congresso e acabou caindo no esquecimento. Voltou à tona nas últimas semanas, quando foi inserido no projeto de lei Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que tem a intenção de descarbonizar a frota de veículos automotivos nacionais.

Os parlamentares chamam o procedimento de inserir um projeto em outro de jabuti, numa analogia à expressão “jabuti não sobe em árvore”, o que significa que se o animal, que é terrestre, aparecer em cima de uma árvore, é porque alguém o colocou lá. Ao se hospedar dentro do Mover, a proposta de taxar as importações renasceu. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) anunciou que vetaria a taxação, caso fosse aprovada pelo Congresso. Durante uma entrevista, Lula justificou a sua intenção de vetar a proposta alegando que principalmente os mais pobres têm o direito de comprar bugigangas da China. Dias depois da entrevista, a palavra “bugigangas” foi substituída nos noticiários por “blusinhas”. E logo foi parar nas manchetes como “taxa das blusinhas”. Aqui vou contar uma história que julgo relevante. É tradição nas redações os editores escolherem para os títulos das notícias palavras que sintetizam toda a história. Essa é uma regra do jornalismo que existe há muitos anos, creio que desde o tempo que se escrevia as reportagens molhando a ponta de uma pena em um tinteiro. Nos anos 50, quando a maioria das notícias dos jornais eram assuntos policiais, a venda dos exemplares dependia muito da capacidade dos jornaleiros gritarem a manchete nas esquinas das grandes cidades. Na época, os “bons de título” eram os caras na redação. Lembro-me que, quando comecei a trabalhar em redação, em 1979, a era dos jornais vendidos avulsos nas esquinas estava em extinção com a implantação, pelas empresas de comunicação, do sistema de assinaturas. Esse sistema garantia a venda antecipada do jornal. Consequentemente, a qualidade dos títulos e das próprias reportagens já não era mais tão importante para impulsionar as vendas e, com a ausência da competição nas esquinas, iniciou-se um processo de burocratização das redações. Mas a competição pela qualidade dos títulos renasceu com surgimento das novas tecnologias de comunicação que resultou na proliferação de sites, blogs e outras plataformas. Sei dessa história porque antes de ser repórter eu trabalhei na circulação do Coojornal, jornal alternativo da extinta Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre.

Voltando a nossa conversa. Quando ouvi Lula falar a palavra bugigangas pensei que os editores iriam usá-la nos títulos das reportagens. Não a escolheram porque, ao longo dos anos, a imprensa brasileira vem usando essa expressão como sinônimo dos equipamentos eletrônicos trazido ilegalmente de Ciudad del Este, cidade paraguaia conhecida como uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, vizinha à Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Fiz dezenas de matérias sobre o assunto. Inclusive, escrevi um livro sobre a região, chamado País Bandido. A respeito da compra de roupas pela internet, existe a tradição entre os brasileiros de adquirir vestuários da China, incluindo as famosas blusinhas. O motor dessa tradição são os preços baixos. A “taxa das blusinhas” sintetiza todos esses fatos. Como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações: entrou no jornal como uma luva na mão. Não sei quem articulou transformar a história de taxar os importados em jabuti. Mas todos os jornalistas sabem que Lira sempre se perfilou ao lado dos empresários brasileiros do varejo, que defendem a criação do imposto sobre a importação de mercadorias de até 50 dólares. Não foi por outro motivo que, quando ouviu o presidente falar que vetaria a taxação das importações caso fosse aprovada no Congresso, o presidente da Câmara correu para o Palácio do Planalto. Onde, depois de uma longa conversa com Lula e ministros, conseguiu fazer um acordo e concordo em baixar o imposto para 20%. Os deputados aprovaram a matéria na Câmara em uma votação simbólica, ou seja, não deixaram suas digitais num projeto extremamente impopular. A matéria foi então para o Senado. Onde o presidente, o senador Rodrigo Pacheco, 47 anos (PSD-MG), primeiro resmungou contra Lira, alegando que os senadores não eram carimbadores das decisões dos deputados. E depois colocou como relator da matéria o senador Rodrigo Cunha, 43 anos (Podemos-AL). Cunha chutou o balde. Desmanchou o arranjo feito por Lira, Lula e os ministros e separou os projetos da “taxa das blusinhas” e o Mover. Entre as dezenas de declarações que o presidente da Câmara fez para criticar o senador, uma delas merece atenção. Ele reclamou que era um absurdo tratar como “taxa das blusinhas” um assunto tão sério, que significava empregos na indústria brasileira. Cunha não deu bola para as reclamações do presidente da Câmara e colocou os projetos em votação separadamente. O Mover foi aprovado em votação nominal. O senador Jacques Wagner (PT-BA), líder do governo, fez uma manobra política e conseguiu que, assim como aconteceu com os deputados na Câmara, a “taxa das blusinhas” fosse aprovada em votação simbólica, sem as digitais dos senadores.

Por que os deputados e os senadores não deixaram as suas digitais na votação da “taxa das blusinhas”? Medo de serem retaliados pelos eleitores. E Lula vai vetar o projeto? Duvido, porque houve um acordo com Lira, de quem depende para aprovar projetos de interesse do governo, em especial os econômicos. Mas é bom esperar o último capítulo dessa novela. Muitas vezes os roteiristas surpreendem os telespectadores. Inclusive acrescentando novos capítulos à trama. Teremos que esperar para saber o final dessa história.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 73 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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5 Comentários

  1. Não importa o nome da taxa. Discutir semantica é bobagem. Era é das imagens. Andar de baixo comprava coisas da China via internet e pagava barato (que façam o L). Agora vai pagar caro. Importações agora irão passear no Paraguai e a economia informal vai cobrar mais barato que a direta com imposto. Não se sabe ainda o volume, obvio. As pessoas não se sujeitam, se adaptam.

  2. Andrade, o cabeça de Hadad, tirou uma MP da cartola e incomodou meio mundo. Sanha arrecadatoria do governo. Só querem gastar a moda louco e cortar gastos onde é possivel é coisa da Globo. Popularidade, só o que importa para Rato Rouco, esta baixa e a duvida que fica é a seguinte: vão impichar ou deixar acumular desgaste até o final do mandato para liquidar de vez?

  3. Ou seja, a narrativa é que irão cobrar mais tributos e Rato Rouco vai sancionar ‘ a contragosto’. Kuakuakuakuakuakua!

  4. ‘[…] quando foi inserido no projeto de lei Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), […]’, ou seja, um jabuti. Coisa de gente muito ‘séria’.

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