Artigos

Narrativas – por Orlando Fonseca

Semana passada aconteceu nos EUA uma decisão histórica, que ainda terá desdobramentos nos próximos dias. Pela primeira vez, na história republicana naquele país, um ex-presidente é condenado criminalmente por um júri. Por unanimidade, Donald Trump foi considerado culpado em todas as 34 acusações do caso, envolvendo falsificações para encobrir um escândalo sexual que podia prejudicá-lo na campanha presidencial em 2016. Embora Trump tente desconstituir os jurados, o juiz, e até mesmo seus advogados, a decisão foi legítima. O que demonstra um expediente típico do ex-presidente, pois tentou criar narrativas para justificar sua derrota para Biden. Tal caráter manifesto pela extrema direita, não apenas na política norte-americana, mas também na conjuntura brasileira e algo que vai se alastrando em países europeus. O que exige atenção, para além das bizarrices de políticos, pois o que está em risco é a própria democracia.

O veredicto que coloca o topete de Trump de molho não foi uma decisão do magistrado Merchan, mas sim de um júri popular formado por 12 nova-iorquinos que analisaram uma montanha de documentos do processo. O falcatrua americano pode ser condenado a quatro anos de prisão (pode ficar em liberdade condicional, por ser primário), e a sentença está prevista para 11 de julho. Joe Biden, em sua primeira reação à decisão do júri, fez uma declaração contundente: “É imprudente, perigoso, irresponsável, alguém dizer que [o julgamento] foi fraudado só porque não gosta do veredicto.” E isso vem ao encontro do que procuro demonstrar nesta crônica, a respeito da construção de narrativas para se dar bem na política. Biden, que tenta a reeleição contra o republicano em novembro, criticou Trump, reiterando a segurança jurídica do processo válido para qualquer cidadão. E aí reside um dos pilares da democracia: ninguém está acima da lei.

Lembro que o presidente Lula foi criticado por considerar que a política tem sido marcada pela “construção de narrativas”. Porém é o que temos visto no mundo político, diplomático ou comercial. Sintoma de que a extrema direita tem ocupado o espaço que o esgotamento da ação dos progressistas (a esquerda em um amplo espectro) deixou um vácuo. Putin constrói a sua para se manter no poder e ainda levar avante a sua guerra particular; aqui na vizinhança sul-americana, Javier Milei que abusou de histórias na eleição (e o pior é que conseguiu) continua a fazer das suas, até mesmo em território alheio (vide manifestação recente na Espanha). Por isso é preciso ficar atento e forte, haja vista a derrubada das punições de fake news nas eleições pelo Congresso brasileiro. O risco é imenso, uma vez que, por aqui os seguidores do ex-presidente derrotado comportam-se como os seguidores do Trump, os quais ignoram os fatos e preferem as versões. Quanto mais problemas o americano enfrenta na Justiça, mais seus apoiadores o reverenciam, o que os mostra como “conservadores hipócritas”. Trump faz afirmações sem provas para se defender, e ainda conta com jornalistas comprometidos para ratificar suas inverdades, revelando um sistema de mídia de direita ajustado para criar e fazer circular desinformação a fim de prejudicar os democratas e impulsionar os políticos favoritos.

Vivemos tempos difíceis, com mudanças climáticas bruscas, portanto a pauta urgente seria alcançar harmonia entre os povos para cuidarmos melhor da nossa casa. No entanto, o que estamos percebendo é um desentendimento cada vez maior, e a cultura do ódio pela força de fake news, do negacionismo, em favor do ganho imediato, da lucratividade a qualquer preço. Estressar as relações internacionais só vai esgotar as fontes naturais do Planeta, com evidente derrota e falência para toda a raça humana. Não é hora de criar narrativas falsas, mas de colocar a história da civilização nos eixos outra vez, para salvar o que ainda resta da beleza natural e da dignidade humana.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

18 Comentários

  1. Se até os states, o País das oportunidades, da liberdade, condenam aqueles que se acham acima da lei, porquê aqui se demora tanto pra enjaular um genocida golpista? Por lá, o tio patinhas, das “mãozinhas”, começou a pagar pelos crimes que cometeu. E por aqui?

  2. Resumo da opera. Democracia esta em crise porque não entrega e a ‘narrativa’ do ‘continuemos assim porque no futuro vai melhorar’, quando tudo piora, esta com prazo vencendo. Resta saber o quão humilde uma pessoa tem que ser para se auto-intitular sabedor dos ‘eixos corretos da historia da civilização’.

  3. ‘[…] mas de colocar a história da civilização nos eixos outra vez,[…]’. CF88 fala que ‘todo poder emana do povo’. Mas como são ‘um bando de ignorantes’ e ‘não sabe o que é melhor para eles’ na verdade o poder é exercido por uma ‘elite’ que ‘sabe melhor’ porque leu ‘muitos livros de filosofia’. O pôvú só tem que pagar a conta, ouvir o mimimi e não chiar. Vide os vinhos finos e lagostas dos ‘supremos’ com destaque dos ‘saraus culturais’ do Barroso. Não é possivel criticar os figurões da Republica também, se forem critica-los o que sobra para os simulacros de ‘gente importante’ da aldeia?

  4. ‘[…] a cultura do ódio pela força de fake news, do negacionismo, em favor do ganho imediato, da lucratividade a qualquer preço.’ Sim, temos que imitar os vermelhos que não odeiam ninguém, só falam a verdade e só pensam no bem da humanidade desinteressadamente.

  5. ‘[…] portanto a pauta urgente seria alcançar harmonia entre os povos para cuidarmos melhor da nossa casa.’ Os teóricos da conspiração chamam isto de ‘globalismo’. Vermelho, óbvio.

  6. ‘[…] revelando um sistema de mídia de direita ajustado para criar e fazer circular desinformação a fim de prejudicar os democratas e impulsionar os políticos favoritos.’ Sim, os democratas são, como os vermelhos daqui, vestais. A ‘estoria’ de Trump como ‘agente russo’, o amorcegamento da historia do laptop do filho adicto de Slow Joe, a pressão governamental sobre as empresas de redes sociais, isto não aconteceu.

  7. ‘[…] a derrubada das punições de fake news nas eleições pelo Congresso brasileiro.’ Maioria dos congressistas tem presença nas redes sociais. Não iriam criar um problema para si mesmos. Se o PT é analogico problema dele.

  8. ‘[…] Javier Milei que abusou de histórias na eleição (e o pior é que conseguiu) continua a fazer das suas, até mesmo em território alheio (vide manifestação recente na Espanha).[…]’. Esposa do primeiro ministro espanhol foi investigada por trafico de influencia. Escreveu ‘cartas de recomendação’ para empresas que acabaram ganhando contratos do governo ou até mesmo recursos. Cogitou-se uma renuncia. Aparentemente não encontraram ‘evidencias’. Seria bom acompanhar o ‘diferido’, as relações entre estas empresas e o casal depois que deixarem o poder.

  9. ‘Putin constrói a sua para se manter no poder […]’. Russo não se mantem no poder com mimimi. Se perder o apoio do grupo que o apoia cai no dia seguinte.

  10. ‘[…] Lula foi criticado por considerar que a política tem sido marcada pela “construção de narrativas”’ Para quem acredita no Rato Rouco tenho um viaduto para vender na BR158. Baratinho, tem vista bacana e uma curva.

  11. ‘[…] o esgotamento da ação dos progressistas (a esquerda em um amplo espectro) deixou um vácuo.’ Que ações? É só marketagem e os problemas reais ficam ao Deus dará. Dudu Milk com o RS em frangalhos arrumou tempo para tirar foto anunciando ‘politica publica’ para os bichos recolhidos da enchente. Possochato faz um monte de anuncios, um monte de coisas secundárias, anuncia beneficios futuros (o Distrito Empulhativo) e o principal fica sem solução. Gente morando em areas de risco, centro de eventos pela metade, Casa de Cultura uma tapera, coleta seletiva de lixo sem solução depois de 8 anos, Caixeral uma tapera. E o Casarão com seu Elefante Branco.

  12. Trump esteve no Bronx noutro dia. Algo que, em termos de candidatos presidenciais, não acontecia há decadas segundo dizem. Uma entrevistada reclamou da violencia que prejudica a economia. Outro falou que é melhor votar num ‘asshole’ que diz que é do que num outro que só quer enganar para ganhar votos. Terceiro comentou que os negros viraram cidadãos de segunda categoria. Imigrantes ilegais entram no pais e ganham comida e teto, afrodescendentes que se virem mesmo passando dificuldades. Bronx é região de afrodescendentes e hispanicos.

  13. ‘E aí reside um dos pilares da democracia: ninguém está acima da lei.’ Xandão mandou prender dois ananás que ameaçavam sua familia (como e quais os fatos não se sabe, bota transparencia nisto). Depois se declarou impedido e manteve as prisões. No mesmo contexto fatico não se declarou impedido na suspeita de tentativa de abolição do Estado Democratico de Direito (a ‘narrativa’ do golpe). Ou seja, é que nem pizza, ‘meio’ impedido e ‘meio não’. Metade calabreza e metade quatro queijos.

  14. ‘E aí reside um dos pilares da democracia: ninguém está acima da lei.’ Zanin, ex-advogado do Rato Rouco, escreveu um livro chamado ‘Lawfare’. Uma defesa do cliente. O conceito segundo o autor: ‘”lawfare é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo”. Camara dos Deputados derrubou o veto da desoneração dos municipios. Governo aciona o Supremo. Caso cai na mão de Zanin. Que decide favoravelmente ao governo. Sem espanto, existe inconstitucionalidade, legislativo tirando receita do executivo sem apontar fonte para compensação. Aparece oportunidade para acordo entre executivo e legislativo. Ministro suspende a propria decisão. Ou seja, STF servindo como instrumento de barganha politica e a inconstitucionalidade foi parar na gaveta.

  15. ‘Tal caráter manifesto pela extrema direita,[…] mas também na conjuntura brasileira e algo que vai se alastrando em países europeus.’ Primeiro, só acredita neste papinho de ‘extrema direita’ quem é muito trouxa. Faz parte dos ‘elogios’ vermelhos: fascista, homofobico, misogino, etc. Semana passada Fabio Feldmann esteve no Jornal da Cultura e foi perguntado sobre os eleitores mundo afora. Resposta: ‘Há uma insatisfação generalizada’ mundo afora com as opções que são apresentadas. Sujeito foi PMDB, PSDB e PV.

  16. Fatos: promotor do caso (o district attorney), como muitos nos EUA, foi eleito pelo Partido Democrata. Juiz do caso fez doação para a campanha de Slow Jow. Pratica desaconselhada, como os valores eram pequenos ‘deixa para lá’. A filha do juiz trabalha com arrecadação de fundos para candidatos do Partido Democrata. Alas, juiz foi promotor antes de ir para a magistratura, descobrir por qual partido se elegeu é praticamente impossivel graças a imprensa. Area onde o juri foi selecionado é majoritariamente democrata. Alas, o mesmo juiz vai presidir um caso contra Steve Bannon também.

  17. Estranha a preocupação de muitos(as) por aqui tentarem influenciar a opinião publica a respeito de uma eleição que acontecerá noutro pais. Manchetes por aqui ‘Juri decide se Trump é culpado no caso de suborno de atriz porno’. Juri iria decidir se era culpado ou inocente. E o crime não é ‘suborno de atriz’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo