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Alimento digital – por Orlando Fonseca

No meio pedagógico, existe uma polêmica em torno do emprego da palavra “aluno” para indicar estudante. Isso porque, erroneamente, há quem atribua ao termo uma origem etimológica que designaria um ser “sem luz”. No entanto, desde o latim, “alumnus” quer dizer, literalmente, lactente, ou seja, aquele que recebe como alimentação o leite materno (“alere”, por extensão, significa “alimentar, sustentar, nutrir”). Daí que aquela confusão do sujeito que chega à escola sem luz não faria sentido, pois a criança, em busca do aprendizado formal, já traz a sua “luz” da história de formação extraclasse, doméstica e comunitária. Faz todo sentido que “aluno” seja uma espécie de lactente intelectual, em busca do alimento cultural abastecido com outras substâncias nutritivas para além das que recebeu em casa e alhures.

Falei tudo isso para introduzir uma preocupação que os especialistas em educação vêm percebendo no mundo todo. Os efeitos colaterais na ocupação abusiva das telas de celular e tablets, das horas em redes sociais visitadas por crianças e adolescentes. Continuando no ambiente da alimentação, existe todo um cuidado para introdução de alimentos que complementem a dieta do aleitamento materno. É possível oferecer feijão para um bebê, antes dos 6 meses de vida (a partir de quando seria o mais indicado). A criança até pode se adaptar à dieta, mas os riscos são grandes, sem o devido cuidado para com o corpo em formação. O mesmo se dá com o uso do celular (e telas em geral). No entanto, no momento em que a criança necessita aprender as trocas com o ambiente em que se desenvolve, tanto intelectual como socialmente, esse não é o equipamento (ou conteúdo) mais indicado. Os sintomas estão aí, demonstrando o crescimento de depressão e ansiedade em adolescentes, cada vez mais precocemente, ampliando os casos de patologias em relação aos aspectos psicológicos.

Por toda parte, as autoridades estão se mobilizando para fazer algo a fim de salvar as atuais gerações dos graves problemas introduzidos pelas novas tecnologias. Recentemente o estado do Rio de Janeiro promulgou lei proibindo o uso de celulares nas escolas, sucedendo o que vem sendo feito nos Estados Unidos e Finlândia, por exemplo. Um relatório da Unesco aponta que um em cada quatro países do mundo tem políticas sobre o tema (Relatório Global de Monitoramento da Educação, que traz o inquietante título “A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?”). Por isso, além dos países citados, há legislação proibitiva também nos seguintes países, segundo pude apurar: Holanda, México, Portugal, Espanha, Suíça, Letônia, Escócia, Canadá, Uzbequistão, Guiné, Bangladesh. Na França, apesar da proibição, o aparelho pode ser usado por certos grupos de alunos, como os com deficiências, ou quando está claro o uso pedagógico. Países asiáticos e africanos são os que mais têm leis sobre o assunto, em Bangladesh, nem os professores podem usar o aparelho em sala de aula.

Da pré-escola ao ensino universitário os prejuízos são grandes. Entretanto, não há mais como fugir da tecnologia, ela veio para ficar, e estará ao alcance das crianças, mais cedo ou mais tarde. Mas nem tudo o que se pode fazer em qualquer lugar pode se fazer na escola. Por enquanto, o celular está atrapalhando o desenvolvimento da mente infantil (traumas psicológicos, dificuldade em se expressar, dificuldade em produzir associações, dificuldade em argumentar). Isso se resolverá com o tempo, quando se tiver um domínio maior sobre a tecnologia, e for possível produzir um método adequado de ensino. No entanto, agora está sendo muito prejudicial. Portanto, sou favorável a que a escola proíba celular em sala de aula. Estudos mostram que os alunos podem levar até 20 minutos para se concentrar novamente no que estavam aprendendo depois de usarem o celular para atividades não acadêmicas. Assim como uma dieta para além do leite materno carece de um tempo adequado às condições da criança, quando é possível introduzir legumes que são mais fáceis de digerir, o conteúdo programático das disciplinas deve ser a medida na escola e não os embalados em celular.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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6 Comentários

  1. ‘Portanto, sou favorável a que a escola proíba celular em sala de aula.’ Tanto faz, aposentado tem que se conscientizar que o tempo dele já passou. Os velhos morrem para que o mundo possa ir adiante. Slow Joe que o diga.

  2. ‘ Isso se resolverá com o tempo, quando se tiver um domínio maior sobre a tecnologia, e for possível produzir um método adequado de ensino.’ Ou seja, educadores estão presos na zona de conforto e não conseguem se adaptar as novas tecnologias em tempo habil. Hoje o celular, amanha outra coisa. Lembrando que em alguns paises os alunos e alunas tem acesso a telas com inteligencia artificial dentro da sala de aula. Papels dos/das docentes muda.

  3. Pesquisador(a) não pode ficar 24 horas por dia, sete dias por semana. Logo o uso não é medido, é por declaração. Por que não é o contrario, quem tem tendencia a depressão e sofre ansiedade tem maior propensão a usar o celular como ‘apoio’?

  4. ‘[…] as autoridades estão se mobilizando para fazer algo a fim de salvar as atuais gerações dos graves problemas introduzidos pelas novas tecnologias.’ ‘ Recentemente o estado do Rio de Janeiro promulgou lei proibindo o uso de celulares nas escolas,[…]’. De acordo que os estudantes passam a maior parte do tempo fora da escola? Que não se consegue evitar a entrada de celular nem nos presidios?

  5. ‘[…] na ocupação abusiva das telas de celular e tablets,[…]’. ‘Os sintomas estão aí, demonstrando o crescimento de depressão e ansiedade em adolescentes, […]’. Correlação não significa necessariamente causa e efeito. O maior inimigo das ‘ciencias’ humanas é a análise multivariada.

  6. ‘No meio pedagógico, existe uma polêmica em torno do emprego da palavra “aluno” para indicar estudante.’ Como se ve os debates na academia são bastante frutiferos e focados em questões fulcrais.

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