A morte do economista do poder – por Leonardo da Rocha Botega
Era ligado ao poder, na ditadura; o que “não tem nada de neutro ou técnico”
No último dia 12 de agosto, faleceu, aos 96 anos, o ex-ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto. Há alguns anos, um colega historiador o entrevistou como fonte para a sua tese de doutorado. Em meio a conversa, ao usar o termo “Milagre Econômico”, foi cordialmente repreendido com uma frase mais ou menos assim: “não use o termo milagre, milagre é algo divino, o que fizemos foi por uma causa”.
A frase, pronunciada longe dos holofotes, contradiz a tentativa de neutralização de sua personalidade em inúmeras manifestações de condolências por sua morte. A trajetória do todo poderoso ministro da Fazenda dos governos Costa e Silva e Emílio Médici não pode ser separada da própria atuação da Ditadura Civil-Militar, sobretudo, no período em que a chamada “linha dura” esteve no poder.
Apesar de ter dito em 2013, numa entrevista à imprensa, que “não sabia” da prática de tortura nas instituições policiais e militares, os fatos revelam outra coisa. Delfim Netto não apenas esteve presente na fatídica reunião que aprovou o AI-5, como afirmou estar “plenamente de acordo com a proposição”, colocando sua assinatura no documento que impôs o ato. Em 2021, afirmou que assinaria novamente o AI-5, “se as condições fossem as mesmas”.
Estas duas afirmações, realizadas em diferentes contextos, seriam suficientes para descaracterizar sua suposta “neutralidade” de “economista técnico”. A sua atuação como economista-superministro também. O “Milagre Brasileiro” nada mais foi do que um instrumento econômico de consolidação das desiguais estruturas socioeconômicas do país e do aparelho repressivo e corrupto da Ditadura Civil-Militar.
Apesar do Produto Interno Bruto brasileiro ter crescido em média 11,2%, no período 1968-1973, a promessa de que o “bolo” seria repartido nunca aconteceu. Bem pelo contrário. O crescimento da desigualdade social, a urbanização caótica, a favelização, o arrocho salarial dos trabalhadores e o endividamento externo foram as grandes heranças socioeconômicas do período.
O “milagre” feito em nome de uma “causa” foi elitista, concentrador e excludente. Uma política econômica propulsora de um modelo de desenvolvimento periférico, associado e dependente. Criadora de uma “bomba relógio social” controlada e muito bem maquiada pela manipulação de dados, pela censura, pela corrupção e pelo fortalecimento de uma burguesia alheia a qualquer projeto de desenvolvimento nacional.
Esta mesma burguesia retribuía o apoio estatal com o financiamento do terrorismo de Estado propagado pela Operação Bandeirantes, uma ação coordenada de repressão, tortura e assassinato dos opositores da Ditadura. Delfim Netto, conforme a documentação revela, foi um dos principais responsáveis pela arrecadação junto aos empresários dos fundos destinados à montagem da Oban e a manutenção das casas de tortura.
Com a saída da “linha dura” do governo, Delfim Netto foi nomeado embaixador do Brasil na França. Sua passagem por Paris, entre 1975 e 1978, foi marcada por inúmeros escândalos. Retornou ao Brasil após um destes escândalos. Ocupou, entre 1979 e 1985, os cargos de Ministro da Agricultura e do Planejamento. Com o término da Ditadura Civil-Militar, foi deputado federal por São Paulo e se tornou uma espécie de “consultor informal” de vários presidentes.
Delfim Netto foi um homem do poder, um economista do poder. Em uma sociedade profundamente desigual e aristocraticamente autoritária como a brasileira, escolher a ligação com o poder como trajetória não tem nada de “neutro” ou “técnico”. É uma escolha pelo status quo. Apesar de suas críticas as amarras impostas à economia brasileira nas últimas décadas, Delfim Netto era parte do status quo e assim deve ser lembrado.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Nota do Editor: a foto de Delfim Netto, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.
Resumo da opera. Delfim Neto foi para a economia tupiniquim o que Kissinger foi para a politica ianque.
Delfim era desenvolvimentista. Economistas torcem o nariz para ele. Vai ser esquecido como todos.
Vermelhos vão para a luta armada e só os do outro lado devem morrer.
O escandalo foi a acusação de um adido militar contra assessores de Delfim. Estariam recebendo propina de fornecedores franceses de uma hidreletrica (Tucurui acho).
É o famoso ‘se’. Em 1973 o barril de petroleo foi de 3 dolares para perto de 12. Não tem como separar o que foi efeito das medidas economicas internas e o que corresponde ao choque externo.
‘Apesar de ter dito em 2013, numa entrevista à imprensa, que “não sabia” da prática de tortura nas instituições policiais e militares, os fatos revelam outra coisa.’ Como a reunião de assinatura do AI5 tem a ver com o conhecimento da pratica da tortura é um mistério. Falacia. Non sequitur.
‘A frase, pronunciada longe dos holofotes,[…]’. ‘“Eu voltaria a assinar o AI-5. Eu tenho dito isso sempre. Aquilo era um processo revolucionário, vocês têm que ler jornais daquele momento. As pessoas não conhecem a história, ficam julgando o passado, como se fosse o presente. Naquele instante foi correto, só que você não conhece o futuro”. Entrevista ao UOL em 2021. Não é algo inédito, repetida muitas vezes. A tese de doutorado, como muitas outras, irá para uma prateleira acumular pó, como inumeras no Brasil e no mundo.