Artigos

Voto na democracia – por Orlando Fonseca

“Fazer político é disputa por hegemonias. Em jogo, bens materiais e imateriais”

Para além da escolha de políticos para as vagas de executivo municipal e câmaras de vereadores, as eleições deste ano têm um uma missão cada vez mais urgente. Em vista do que temos observado nos últimos anos, não apenas em nosso país, o que está em risco é a democracia. Embora haja um ânimo alterado, e bélico, por parte de grandes potências mundiais em sua defesa, diante da ganância das grandes corporações, as democracias estão em risco, porque já não fundamentam o estado para todos.

Por um lado há os que querem diminuir o seu tamanho, para que não atrapalhe os negócios, por outro, diante das tragédias (especialmente agora, quando estamos vivendo as emergências de extremos climáticos), querem um estado forte, não para salvar a vida dos cidadãos mais necessitados, mas garantir a saúde da economia.

Por isso, o voto pode ser um importante instrumento democrático para garantia de direitos dos cidadãos, como eu e você, desde que praticado no modo consciente quanto aos efeitos desse ato.

Para que se realize o desejo maior do capitalismo, qual seja, a liberdade econômica, é preciso que o regime republicano tenha como base a democracia. Acontece que, com um mercado global, que alimentou a formação de grandes grupos bilionários e até mesmo trilionários, a virtude maior de uma democracia, qual seja, a promoção do bem comum, foi colocada em segundo plano, quando não abolida do escopo administrativo das nações desenvolvidas.

O estado do bem-estar social deu lugar ao ambiente dos grandes negócios. E assim, ao mesmo tempo em que se formou um clube fechadíssimo de magnatas, a fome, a violência urbana e as doenças se espalharam por países periféricos. Desse modo, mesmo que em sua aldeia o eleitor esteja escolhendo os seus representantes, também estará alimentando a grande roda que movimenta a economia mundial, que tem reflexos na sua vida cotidiana e na dos seus familiares e amigos.  

Compreendo que, de um modo geral, os programas partidários deixaram de ser claros e objetivos. Não apenas porque as mudanças são naturais, mas especialmente porque, para garantir a governabilidade, é preciso construir alianças, formar grupos, federações, as quais, em muitos casos, reúnem conceitos e práticas diversas em termos políticos.

Sabemos todos que o fazer político é uma disputa por hegemonias, na qual estão em jogo bens materiais e imateriais. No seu bojo, estão propósitos como a garantia de obras públicas que se efetivam em prédios e ruas, mas também concepções de mundo, o que envolve não apenas conceitos do espectro ideológico, mas também metafísico, místico e até mesmo esotérico. No entanto, para que a democracia se efetive, ainda é possível discernir nos discursos, que a campanha começa a colocar na rua esta semana, o que pode ser bom para mim e para todos ao mesmo tempo.

Temos falências para além dos bens materiais, não há dúvida. No último período, com as tragédias ambientais no nosso Estado, muita gente perdeu casas, comerciantes perderam seus negócios, cidades perderam espaços urbanos. Mas creio que as maiores perdas têm ocorrido ao longo de décadas, em que a ciência foi sendo desacreditada diante de crendices e senso comum, o estudo da história foi dando lugar às narrativas interesseiras de grupos, a realidade foi deixando espaço para fake news.

Isso tem atuado de modo avassalador na formação de consciência cidadã, de modo que alguns abandonaram o seu compromisso em participar da vida democrática, e outros aproveitaram para vender as suas panaceias enganadoras.

Para que a democracia saia fortalecida do pleito que ora se inicia, é importante a vigilância constante, a fim de que se instale na sua (nossa) cidade a oportunidade de trazer de volta aquela vocação originária, qual seja, construir uma sociedade fraterna, igualitária e justa para todos. 

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

21 Comentários

  1. ‘Por um lado há os que querem diminuir o seu tamanho, para que não atrapalhe os negócios, por outro,[…] querem um estado forte, não para salvar a vida dos cidadãos mais necessitados, mas garantir a saúde da economia.’ Recontando a historia de forma ‘conveniente’. Na hora de salvar vidas quem apareceu primeiro foi a sociedade civil. Estado brasileiro, independente do tamanho, é lento e ineficiente. Nunca vi o discurso ‘não de dinheiro aos necessitados, de para os empresarios’. Alas, burocracia foi aumentada para evitar a trampa. Não evitou a trampa e ainda prejudicou quem tinha que receber por direito.

  2. ‘[…] é importante a vigilância constante,[…]’. Sim, os militantes vão vigiar uns aos outros. Os demais estão ocupados com o Tik Tok ou trabalhando. Alguém tem que trabalhar.

  3. ‘[…] o estudo da história foi dando lugar às narrativas interesseiras de grupos, […]’. A grande maioria dos professores de historia são de vies marxista, de esquerda. Viva Gramsci. Quem for contra esta ‘utilizando narrativas’.

  4. ‘[…] o que pode ser bom para mim e para todos ao mesmo tempo.’ Sim, vira e mexe um ‘bacana’ da urb reclama numa concessão publica a respeito de um buraco na rua dele. E é atendido.

  5. ‘[…] a ciência foi sendo desacreditada diante de crendices e senso comum […]’. Academia se encastelou numa torre de marfim. Melhorar a qualidade do ensino não é prioridade, é mais ‘produtivo’ distribuir diplomas mesmo que valham nada, fabricas de analfabetos funcionais. Sem falar numa serie de escandalos de ‘resultados fabricados’ em pesquisas de universidades importantes, inclusive nos EUA. Senso comum? O que um professor de portugues entende de ‘ciencia’?

  6. Discursos são para ingles ver. Obras publicas são feitas conforme a casa pode ofertar e decididas sem levar em conta o que é prioritario para a população. Na pratica a teoria é outra.

  7. ‘Sabemos todos que o fazer político é uma disputa por hegemonias […]’. Isto é um chavão e uma simplificação. Hegemonia é supremacia e dominação. Pode ser obtida por convencimento ou coerção. Caminho para o totalitarismo. Poderia-se falar em ‘armadilha de Tucidides’ (outro chavão baseado em livro unico), Atenas ‘exportando’ democracia. OTAN batendo na porta do Putin. Para os mais lentos, busca da supremacia leva ao conflito. Democracia e politica deveriam servir para arbitra, construir soluções consensuais. Não gerar conflitos.

  8. ‘[…] os programas partidários deixaram de ser claros e objetivos […]’. Partidos não funcionam no Brasil, exceção a esquerda, talvez o Novo. Maioria dos filiados não conhece o estatuto e o programa. População majoritariamente vota na pessoa ou por exclusão. Não adianta fingir que ‘funciona’ citando teorias.

  9. ‘[…] a fome, a violência urbana e as doenças se espalharam por países periféricos.’ Sim, antes da ascenção dos bilionarios os paises perifericos eram um paraiso. Ridiculo.

  10. Quanto ao ‘bem comum’, deixando de lado o ‘terceiro culpado’ de costume, o que tem a ver bilionarios com o estado geral de coisas no pais? No indice da revista ‘The Economist’ que avalia democracias a nota para o funcionamento do governo no pais é 5. Independente de quem esteja lá, é sempre ‘meia boca’. Enquanto isto corre subterraneamente uma reforma tributaria que vai aumentar a carga tributaria e centralizar recursos em BSB ainda mais. Alas, o que tem a ver bilionarios com o pessoal acordar de madrugada em SM para ir tirar ficha e encontrar um papel escrito ‘Hoje não o dentista não vai atender’. Democraticamente, obvio.

  11. ‘[…] a formação de grandes grupos bilionários e até mesmo trilionários, a virtude maior de uma democracia, qual seja, a promoção do bem comum, foi colocada em segundo plano, quando não abolida do escopo administrativo das nações desenvolvidas.’ Isto é uma maneira de dizer que Elon Musk é ‘chato, bobo, feio, extrema direita, misogino, racista, homofobico e fascista. Inutil diga-se de passagem, caso Xandão já bateu no noticiario externo.

  12. ‘[…] o voto pode ser um importante instrumento democrático para garantia de direitos dos cidadãos […]’. Para quem acredita nesta lorota tenho um viaduto em curva para vender na BR158. Esta peça já passou no teatro mil vezes. População vai comparecer as urnas, até porque é obrigada, vai escolher seus ‘representantes’ e tudo vai continuar, democraticamente, como sempre foi. Otimisticamente acontecerão melhorias marginais.

  13. ‘[…] ganância das grandes corporações, as democracias estão em risco, […]’. Grande corporação que não se alinha com o governo de esquerda é ‘gananciosa’. Quem marcha no passo certo não.

  14. Governador da California aumentou o salário minimo das empresas de fast food para 20 dolares por hora. Muitas demissões, funcionarios substituidos por totems eletronicos. Enquanto isto o salário no restaurante de propriedade do governador é 16 dolares a hora.

  15. Enquanto isto os problemas mais prementes não são atacados. SUS é o que a casa tem para oferecer. NHS que serviu de inspiração está muito parecido com o SUS. Solução do governo trabalhista? ‘Vamos jogar dinheiro em cima’, problema é ‘só financiamento’. Em muitos lugares dos EUA colocam migrantes ilegais em hotéis com tudo pago. Pessoal desvalido adorou, se quebrando na periferia e não ganham nada apesar de serem cidadãos.

  16. Do outro lado os ‘crentes’. São contra o aborto sob qualquer hipotese e defendem a familia tradicional (estrutura da sociedade). Servem de espantalho via ‘separação Igreja-Estado’. Desindustrialização foi consequencia da migração da manufatura para a Asia. Classe média encolheu (aumentando a ‘desigualdade’). Também tem o pessoal que já não acredita mais no ‘continuem votando, pagando impostos e envolvam-se na politica que um dia melhora’. Data que nunca chega.

  17. Esquerda utiliza o ‘politicamente correto’ para censurar o resto da sociedade. Dominam as redações dos jornais. Querem controlar as redes sociais porque a ‘verdade’ tem que vir de cima para baixo via canais oficiais ou via midia tradicional. Redes sociais só tem ‘fake news’ e midia tradicional ‘só fala a mais pura verdade’. Outras iniciativas também estão em campo: teoria racial critica, racismo estrutural, lugar de fala, feminismo critico, criminologia critica. Escola de Frankfurt na cabeça. E Gramsci.

  18. No ‘ocidente’, Ianquelandia e Europa Ocidental, a ‘narrativa’ é utilizada por dois polos. De um lado uma esquerda inconsequente aliada com uma centro esquerda, uma classe média burguesa mediocre que se acha ‘elite’, ‘iluministas’. Do outro lado um balaio de gatos, ‘crentes’ incomodados com a pauta de costumes, espoliados pela globalização, céticos, vitimas da migração desordenada em massa, descontentes com o sistema e descontentes em geral (pessoal ‘se continuar assim vai dar m.’).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo