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Farroupilhas – por Orlando Fonseca

Estamos em plena Semana Farroupilha, e tendo em conta os fatos havidos e acontecidos nos últimos dias, eu me pergunto: o que estamos celebrando mesmo? Tão acostumados a um ufanismo exagerado, nós, gaúchos, fomos obrigados a enfiar a viola no saco por alguns meses neste ano de tragédias. E no ano passado, também, obrigados a gritar com menos ênfase, pelos estádios do país: “ah, eu sou gaúcho”. Semana passada, às vésperas desses dias gloriosos (no imaginário gaudério) as cores de nosso céu, sempre azul na poesia campeira e na música regionalista, foi toldado de cinza. Literalmente, fuligem, trazida pelos ventos do norte, e que se derramaram sobre o solo rio-grandense em “chuva preta”. Não sendo por absoluta esperança, está um tanto difícil celebrar nossas façanhas. Segundo os meteorologistas e os estudiosos das correntes fluviais, o Rio Grande do Sul está na pior esquina do mundo para se viver em tempos de emergências climáticas do aquecimento global. É melhor reafirmar: somos gaúchos para enfrentar isso mesmo.

Vivemos em um dos últimos, senão o último, território sobre o planeta a ser colonizado. E tivemos, como povo, que lutar pelo desenho das fronteiras que deu ao mapa do Brasil esta ponta mediterrânea. Ao mesmo tempo, como povo, tivemos de lutar para nos afirmar com brasileiros, tendo enfrentado o colonizador espanhol, em lutas renhidas, para fazer prevalecer a formação portuguesa aqui no pedaço da pampa que defendemos. Tivemos também de enfrentar o Império, para forçar o caminho para a república, uma vez que a independência (em 1822) não deu às províncias a devida atenção. Junto com outras rebeliões, a Revolução Farroupilha pretendia maior autonomia para as províncias. Mas deu no que deu, e o Caxias veio passar pano, ao mesmo tempo dando-nos um recado: não se metam com a força imperial. E foi assim assinada a tal da Paz de Ponche Verde. Pois sim.

Não devemos esquecer, no entanto, que “farroupilha” vem de farrapo, porque era assim que o exército de valorosos gaúchos se apresentava para lutar, diante dos imperiais. Se antes da guerra, a disputa tinha como motivo a produção do charque, com o decorrer da refrega, passou à proposta republicana e separatista – pela ideologia trazida por Garibaldi, e pela teimosia de um Netto. Houve neste meio tempo, a promessa de libertação de escravos, que pagaram seu preço amargo na Batalha de Porongos. Logo, se antes da revolta a questão era econômica, antes de política, o enfretamento a uma força muito superior, em armas e em homens, colocou os esfarrapados guerreiros do sul em seu devido lugar. Caxias veio, deitou e rolou. Assim é que vejo tudo, sem a vontade de pensar numa ímpia e injusta guerra, nem em façanhas para nos colocar nos píncaros da glória por aí.

No entanto, eu tenho a satisfação de me dizer gaúcho, e até me orgulho de sê-lo. Não tanto por estes façanhudos feitos de farroupilhas. Há muitos outros emblemas entre a nossa gente, e até mesmo motivos em nossa paisagem, que ainda viceja maravilhosa. Contudo, é preciso entender os sinais que o tempo (meteorológico) e a natureza estão nos apontando: se continuarmos a maltratar o solo – que a gesta gauchesca anuncia sagrado na sua defesa com armas – as coisas só vão piorar. Ter havido chuvas torrenciais não foi a causa maior dos desastres, mas a ocupação irregular de espaços de várzea, o desmatamento, em especial as matas ciliares e o assoreamento das grandes bacias hidrográficas. Não teremos um Caxias para vir assinar uma Paz do Verde, verde este que se tem perdido pela ganância e pelo uso irresponsável. E o que restará após as sucessivas ações dos extremos climáticos serão farroupilhas sem rumo. Portanto, esta semana que nos tem servido para celebrar o passado, agora nos pede que olhemos para o futuro, que só será glorioso se houver uma revolução nos usos e costumes do povo gaúcho. E aí sim, poderemos dizer que tal façanha deve ser compartilhada com toda Terra.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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13 Comentários

  1. Em tempo. Existe um canal no Youtube chamado Tumultulos. Uma guria visita cemiterios e locais de crime. O mote é a morte, mas tem muita historia (gaucha e local) nos videos que são curtos. Alas, coisa que não sabia, existem cemitérios que não permitem filmagens no seu interior.

  2. Resumo da opera II. Muitas ‘soluções’ foram empurradas de cima para baixo com consequencias sociais e politicas. Mercado de carbono não decolou mundo afora. No Brasil tem tudo para virar picaretagem. Na Europa, Canada e outros lugares foi mote para aumentar a taxação da agricultura/pecuaria a beira da inviabilidade. O que gerou protestos e a propaganda do ‘crescimento da “extrema-direita”‘.

  3. Resumo da opera. Problema não é só a deturpação de eventos historicos por motivos ideologicos. Também o que tentam empurrar junto com a solução dos problemas climáticos. Vermelhos são, ideologicamente, cachorros que comeram ovelha. Pior, se acham tão espertos que enganam todo mundo.

  4. ‘[…] pede que olhemos para o futuro, que só será glorioso se houver uma revolução nos usos e costumes do povo gaúcho.’ Sim, vamos implantar o Bolivarianismo Chavista por aqui. ‘[…] poderemos dizer que tal façanha deve ser compartilhada com toda Terra.’ E depois ‘exportar’. Kuakuakuakuakua! Chance nenhuma disto acontecer! Kuakuakuakua!

  5. ‘[…] verde este que se tem perdido pela ganância e pelo uso irresponsável.’ Isto vamos transformar o estado todo, acabar com o agronegocio e mudar tudo para ‘agricultura familiar’ vivendo da mão para a boca com subsidio de não se sabe onde.

  6. ‘[…] e o assoreamento das grandes bacias hidrográficas.’ O curso natural dos cursos d’agua é o assoreamento, eles ‘mudam de caminho’. Atividade humana só acelera. Governo Ianque, por exemplo, no caso do Rio Mississipi. Até uma manta de material sintético instalaram em algumas margens (fixada no fundo). Não só replantio de matas ciliares.

  7. ‘[…] a maltratar o solo – que a gesta gauchesca anuncia sagrado na sua defesa com armas – as coisas só vão piorar.’ Muita ‘lenda’ neste assunto. Gente ‘adivinhando’ o mundo no ar condicionado. Plantio direto não existe. Falam em derrubada da mata ciliar, mas onde? Na cidade ou no campo?

  8. ‘[…] a promessa de libertação de escravos, que pagaram seu preço amargo na Batalha de Porongos.’ Historia distorcida por historiadores de esquerda e militantes. Existem varias ‘suposições’ em ‘teses academicas’ sem prova documental nenhuma. Eram mais de 400, morreram 100 em Porongos (não é pouco). Batalha de Porongos foi em 14 de novembro de 1844. Em 28 de novembro do mesmo ano travaram outro combate em Arroio Grande, fronteira com o Uruguai (não é o daqui). Restaram pouco mais de 120 que foram incorporados ao Exercito Imperial. Alas, tratado de Ponche Verde ‘São livres e como tais reconhecidos todos os cativos que serviram à República.’

  9. ‘[…] passou à proposta republicana e separatista – pela ideologia trazida por Garibaldi, e pela teimosia de um Netto.’ Garibaldi juntou-se a revolução lá por 38. Proclamação da Republica foi 36. Era marinheiro, ganhou uma carta de corso de Bento Gonçalves.

  10. ‘[…] “farroupilha” vem de farrapo, porque era assim que o exército de valorosos gaúchos se apresentava para lutar, diante dos imperiais.’ Isto era fato ou propaganda imperial? Vamos combinar que os farroupilhas não se auto-intitularam ‘Farrapos’. Já eram uma guerrilha que utilizava o Uruguay como refúgio, é verdade, mas todos aceitam o epiteto sem verificar a veracidade.

  11. ‘[…] o Caxias veio passar pano, ao mesmo tempo dando-nos um recado: não se metam com a força imperial.’ Revolta estourou em 35. A derrota começou em 40. Divisões internas ocorreram. Caxias se ocupou do conflito verdadeiramente depois de 42.

  12. ‘Vivemos em um dos últimos, senão o último, território sobre o planeta a ser colonizado.’ Informação retirada de um orificio que não o bolso. Chute.

  13. ‘[…] está um tanto difícil celebrar nossas façanhas.’ O que tem a ver nossas ‘façanhas’, que se referem aos Farrapos, com fumaça de queimadas vindas do norte?

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