Trump ressuscita a fama da Tríplice Fronteira de Santuário do Terrorismo – por Carlos Wagner

Confesso que logo que ouvi a notícia no rádio, no final da madrugada de terça-feira (20), pensei que estava sonhado. Mas não estava. Vou contar a história. Escutei que o governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, está oferecendo uma recompensa de 10 milhões de dólares (R$ 56,5 milhões) por informações que levem à descoberta de redes financeiras que arrecadam dinheiro na Tríplice Fronteira, no oeste do Paraná, entre Brasil (Foz do Iguaçu), Argentina (Puerto Iguazú) e Paraguai (Ciudad del Este), usado por financiadores e facilitadores do Hezbollah, que é descrito pelos americanos como uma organização política formada por paramilitares fundamentalistas islâmicos xiitas durante a Guerra Civil do Líbano, em 1980. O Hezbollah não é a única organização fundamentalista com interesses na região. Consta que passaram por Ciudad del Este e Foz do Iguaçu os responsáveis por dois atentados a bomba em Buenos Aires, capital da Argentina.
Oprimeiro atentado ocorreu em 1992. Um ataque suicida à Embaixada de Israel matou 29 civis e feriu 242. O segundo foi em 1994. A explosão matou 85 pessoas na Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA). Também se sabe que em 1995 Osama Bin Laden (1957–2011) passou três dias na Tríplice Fronteira. Ele era líder da Al-Qaeda, poderosa organização terrorista que, em 11 de setembro de 2011, sequestrou quatro aviões nos Estados Unidos, jogou dois contra as Torres Gêmeas, em Nova York, e um contra o Pentágono, em Washington, D.C. O último caiu e espatifou-se devido a uma briga a bordo entre os sequestradores, a tripulação e os passageiros. No total, foram mortas 2.977 pessoas nestes atentados – há filmes, livros, centenas de reportagens e inúmeras pesquisas disponíveis sobre os três episódios que citei, especialmente o 11 de setembro, que foi um divisor de águas na luta contra o terrorismo. Pelo fato dos envolvidos nestes três atentados terem passado pela Tríplice Fronteira, o Departamento de Estado americano chamou a região de “Santuário do Terrorismo” em um dos seus relatórios anuais, em que fornece informações sobre ações terroristas e medidas de contraterrorismo em diversos países. Por uma destas coincidências da vida, em 11 de setembro de 2011 eu estava envolvido com uma reportagem sobre terrorismo nas fronteiras do Brasil, em especial com a do Paraguai. O objetivo da matéria era lançar luzes sobre um bate-boca entre as autoridades brasileiras e americanas. Os Estados Unidos acusavam o Brasil de não dar atenção à presença de terroristas nas suas fronteiras. Os brasileiros rebatiam as acusações negando a existência de terroristas nestas regiões. Fui escolhido para fazer a matéria não porque entendesse de terrorismo. Mas porque era especializado em crime organizado nas fronteiras. Portanto, sabia quem era quem no rolo. Um conhecimento fundamental para não escrever bobagem. Aconselhado por uma fonte ligada ao Serviço de Inteligência da Polícia Federal (PF), viajei para Buenos Aires, onde conversei com os investigadores dos casos da embaixada e da AMIA. Falei com muita gente, incluindo agentes de Israel.
Fiquei quase dois anos envolvido com reportagens a respeito dos reflexos do 11 de setembro na Tríplice Fronteira. E também na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. Ficaram muitos símbolos desta época. Vou citar dois que têm ligações com a nossa conversa. O primeiro é os presídios clandestinos instalados pelos americanos em vários cantos do mundo para interrogar suspeitos de terem ligações com Bin Laden. Ganhou fama a prisão da base militar americana na Baía de Guantánamo, em Cuba. Há muitos documentos sobre estes presídios. O segundo símbolo que vou citar é o tremendo volume de informações acumulado pelos serviços de inteligência dos Estados Unidos e seus aliados, incluindo o Brasil, sobre a movimentação de terroristas fundamentalistas ao redor do planeta. Não existem mais segredos sobre quem é quem na Tríplice Fronteira. Então, vem a pergunta que me fiz quando ouvi no rádio a conversa da recompensa. Por que o governo Trump ressuscitou a prática de pagar por informações a respeito de financiadores de movimentos terroristas na Tríplice Fronteira? Antes de responder vou dar uma informação que considero importante. Em primeiro lugar, os americanos sabem que depois do 11 de setembro os cartéis de traficantes, quadrilhas de lavadores de dinheiro e outros criminosos tiveram o cuidado de não incluir em suas fileiras pessoas suspeitas de terem ligações com movimentos terroristas porque elas atraem a atenção das autoridades. E o mais importante: uma coisa é ser preso por tráfico de drogas. Outra, por terrorismo. A conversa é bem diferente.
Agora, respondendo à pergunta. O presidente americano é um “homem da mídia”, o que significa que tudo que faz é pensando nas manchetes dos jornais. Uma coisa é afirmar que irá combater os cartéis de droga ao redor do mundo. Não é novidade. Outra coisa é o que ele fez nos primeiros 100 dias do seu governo, declarando seis cartéis de varejistas de droga mexicanos como organizações terroristas. Na ocasião, circulou a notícia de que os brasileiros Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, também poderiam ser declarados organizações terroristas por Trump. Liguei para fontes que tenho nas fronteiras com o Paraguai, a Argentina, o Uruguai e a Bolívia para conversar sobre a história do presidente americano colocar no mesmo saco terroristas, traficantes, lavadores de dinheiro e outros criminosos comuns. Um deles lembrou um detalhe que considerei importante. Disse que isso vai dificultar o trabalho dos agentes em campo, porque os chefes das organizações criminosas vão mandar todos os seus capangas calarem a boca. Conheci esta fonte na década de 80 e tenho um enorme respeito pela qualidade das suas análises, que têm como característica serem “pé no chão”, uma gíria entre os investigadores para definir realista. Aprendi no primeiro mandato de Trump (2017–2021) que tudo que for manchete de jornal o interessa. Ou seja, ele não está nem aí para as dificuldades que os agentes vão ter no seu trabalho em campo.
PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.
(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Resumo da opera. Toca Raul! ‘Eu prefiro ser/essa fraude ambulante/ do que ter alguma noção/formada sobre tudo’.
‘[…] que têm como característica serem “pé no chão”, uma gíria entre os investigadores para definir realista.’ Puxa, não conhecia este jargão dos investigadores, ‘pé no chão’ como ‘realista’. Kuakuakuakuakuakuakua!
‘Disse que isso vai dificultar o trabalho dos agentes em campo, porque os chefes das organizações criminosas vão mandar todos os seus capangas calarem a boca.’ Sim, são uns simplorios. Contam qualquer coisa para qualquer um ‘de boa’. Agora não vão falar mais por culpa do Agente Laranja. Kuakuakuakuakuakua!
‘[…] outros criminosos tiveram o cuidado de não incluir em suas fileiras pessoas suspeitas de terem ligações com movimentos terroristas […]’. Na Colombia dissidentes das FARC e outros movimentos ‘revolucionarios’ continuam lidando com trafico e garimpo ilegal. Precisam de armas. Nem se menciona a produção de opio pelo Talibã. O busilis da recompensa (ficou de fora) é que o sapato apertou no oriente médio e muitos membros do Hezbollah estão se refugiando no Equador, Brasil, Colombia e Venezuela. Esta ultima tem ligações com a Russia e a China, donde se entra no conceito de guerra hibrida. https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/05/24/entenda-o-avanco-do-hezbollah-na-america-latina-e-a-presenca-do-grupo-no-brasil-apos-enfraquecimento-no-oriente-medio.ghtml
‘Não existem mais segredos sobre quem é quem na Tríplice Fronteira.’ Ou seja, o numero de terroristas é fixo e não recrutam ninguem? Não existem novos atores?
‘Há muitos documentos sobre estes presídios.’ Mas só citou Guantanamo que todos já ouviram falar. Fato é que se fossem conhecidos haveria protestos na frente da galera dos direitos dos manos. Fato é que aconteceu um programa alcunhado de ‘extraordinary rendition’. Lei ianque proibe tortura ou ‘tecnicas avançadas de interrogatorio’. Paga-se uns pilas para outro governo e o pessoal de outro pais faz o ‘interrogatorio’.
‘[…] viajei para Buenos Aires, onde conversei com os investigadores dos casos da embaixada e da AMIA. Falei com muita gente, incluindo agentes de Israel.’ Ninguém mentiu, ninguem estava interessado em ‘narrativas’. Mariana Van Zeller, jornalista portuguesa com cidadania ianque (tem um filho chamado Vasco), tinha programa no NatGeo. Conseguia acesso ao crime organizado entrevistando gente na ponta. Logo é possivel. Jornalismo de gabinete qualquer um faz.
‘Os Estados Unidos acusavam o Brasil de não dar atenção à presença de terroristas nas suas fronteiras.’ Mimimi diplomatico. Terroristas (que para o outro lado são ‘guerreiros da liberdade’) estão acostumados a se esquivar do Mossad israelense, terão dificuldades com a PF? Que tem 14 mil agentes para todo o territorio nacional? Nesta hora algum(a) imbecil vai sair com um ‘contratar mais para resolver o problema’. Obviamente não cabe no bolso, é o que a casa tem para oferecer.
A ordem executiva que o Agente Laranja assinou no começo do ano designa os cartéis (e outras organizações transnacionais) como organizações terroristas. Documento posterior explicitou os cartéis mexicanos. Mas existem na Colombia também. Dentre as organizações criminosas transnacionais está o Trem de Aragua originado na Venezuela. Segundo os ianques têm celulas na Colombia, Peru e Chile. Mas ja andaram sondando Bolivia, Equador e Brazil.
Não é ‘fama’ de ‘santuario do terrorismo’. De lá passam armas e drogas em direção ao Brasil e parte chega as portos onde são ‘exportados’. Também não é ‘ressucitar’, só porque um assunto saem das manchetes não significa que as coisas deixam de acontecer.
Triplice Fronteira também teria celulas do Hamas. Porém há que se ter cuidado. Há quem doe recursos para fins humanitarios por la e os mesmos são desviados para outros destinos no meio do caminho. O que não exime de uma acusação criminal depois.
Por partes como diria Elize Matsunaga. Canal bom sobre crime organizado é o Iconografia da Historia. Joel Paviotti.