A banana e o mercado – por Orlando Fonseca
“Enquanto isso, o G20 lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza”
Bem entendido que o mercado do título é o chamado “mercado de capitais”. Esse mesmo que, em meio a medidas de austeridade, ou até em crises financeiras trágicas, como o foi a de 2008, faz uma banana para o povo (povo, no sentido de nós, os mortais que apenas temos nossas contas-salário). Mas a banana em questão é de uma “obra de arte”, arrematada em leilão por um magnata chinês pela bagatela de R$ 37 milhões.
Já não fosse o suficiente para causar espanto, esse mesmo operador bilionário de criptomoedas simplesmente comeu a banana. No entanto, e para isso tomo a notícia como tema desta despretensiosa crônica, não considerando aquele ato como um deboche ao combate da fome no planeta, a performance (ou happening) poderia ser considerada tão “artística” quanto a tal “banana-colada-à-parede-com-fita-adesiva”. E aí é que entra em cena o cronista, atônito, confuso quanto aos rumos que toma a humanidade.
Na antiguidade grega, pelo que podemos ler nos tratados filosóficos, a arte tinha parte com o sublime, pela beleza, e como elevação do humano, ao ser tomada como verdade. Na obscuridade medieval (falo em termos culturais), a arte esteve a serviço da fé, para o bem e para o mal dos poderosos senhores feudais e autoridades eclesiásticas (com suas vaidades e suas fogueiras).
Por isso o Renascimento, para além do misticismo religioso, trouxe de volta os padrões estéticos pré-cristãos (portanto pagãos), e assim é que voltamos à arte da elevação do humano. Com a evolução pendular que os conceitos adquirem ao longo dos séculos, entre o idealismo, o realismo, o abstracionismo e todos os “ismos” que a modernidade inventou, chegamos aos dias atuais (seria a pós-modernidade?) e a pergunta, diante da “banana-colada-à-parede-com-fita- adesiva” que nos assalta: isso ainda tem valor de arte? Ou estamos diante, apenas, de um produto mercadológico, contaminado, portanto, pelo valor de mercado?
Além deste questionamento básico, o que nos deixa mais bestificados é a pergunta (de um brasileiro, como eu, distante 16.622 km da China): como é que há um magnata em um país comunista (ao menos é assim que se depreende de sua denominação) capaz de torrar milhões de dólares só por farra (porque, por exibição estética, é que não foi)?
Somos obrigados a voltar à pergunta (polêmica) de Monteiro Lobato: isso é paranoia ou mistificação? Não tenho dúvidas (hoje, bem entendido) quanto à arte da nossa conterrânea Anita Malfatti, mas sou obrigado a pôr em dúvida o que está no entorno desta “bananalização” estética. Arte ou mistificação, sem que esteja em causa a busca por um ideal de beleza, não posso escapar às considerações dos que criticam a arte conceitual, quando comprometida com os valores monetários do processo.
O magnata chinês das criptomoedas, Justin Sun, devorou a fruta em um evento em Hong Kong, no luxuoso hotel Peninsula, diante de dezenas de jornalistas e influenciadores digitais. A banana, antes exposta na Art Basel de Miami Beach, em 2019, serviu como elemento para mais polêmica. Sun declarou: “Comê-la em uma coletiva de imprensa também pode se tornar parte da história da obra de arte”, reforçando o caráter efêmero e performático da criação.
Sob o título “Comedian”, a peça do artista Cattelan não se limita à banana física, pois o comprador recebe um certificado de autenticidade que permite a substituição da fruta sempre que ela apodrecer, mantendo o conceito original intacto. O chinês digeriu a coisa de outro modo. Seria cômico, se não fosse trágico, em um mundo que convive com 29% de sua população passando fome.
Enquanto isso, o G20 lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, um pacto com o objetivo de erradicar a fome e seus males. Pretende alcançar a meta de 500 milhões de pessoas com programas de proteção social e transferências de renda até 2030. Para isso, pretende formar um fundo para expandir as merendas escolares, ampliar os cuidados com a saúde materna e primeira infância.
A aliança conta com o apoio de instituições financeiras como o Banco Mundial, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o Banco Africano de Desenvolvimento e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Os dólares aplicados na aquisição da famigerada banana poderiam engrossar as cifras para dar eficácia a esse programa. Mas, assim como em nosso país, quando medidas sociais são anunciadas, o mercado dá uma “banana” para os que passam fome. Assim caminha a humanidade, nem sempre em linha reta, um passo para frente e outro para trás.
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.
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