Aumento da violência doméstica e sexual no Brasil: algumas reflexões – por Maria Celeste Landerdahl
“Sei que é ‘chover no molhado’, mas é urgente que se pense em nova cultura”
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é um documento amplo que retrata a segurança pública no nosso país. Seus dados são fornecidos pelas secretarias de segurança pública dos estados, pelas polícias federal, civis e militares, dentre outras fontes igualmente oficiais. É importante instrumento de conhecimento sobre a realidade brasileira na área da segurança pública, fornecendo subsídios para debates, avaliações e promoção de políticas públicas para a área,
Os dados que o Anuário número 18 publicado em 2024 apresenta sobre a violência doméstica e sexual são no mínimo preocupantes, com o crescimento de todas as modalidades de violência contra as mulheres registradas, em relação ao ano de 2023. Vejamos alguns números:
– agressão decorrente de violência doméstica aumentou 9.8%; violência psicológica 33.8%; perseguição 34.5%; ameaças 16.5%; importunação sexual 48.7%; assédio sexual 28.5%; divulgação de cenas de estupro/sexo/pornografia 47.8%; tentativa de feminicídio 7.1%, feminicídio 0,8% (63.6% são negras); medidas protetivas de urgência concedidas 26.7%. Aponta, ainda, que o parceiro íntimo continua sendo o principal agressor, com uma percentagem de 65% do total de agressores e o ex–parceiro íntimo corresponde a 21.2% dos agressores.
E, pasmem, os estupros aumentaram 6.5%, ou seja, o Brasil vive um estupro a cada seis minutos; sendo que de 2011 a 2023 houve um crescimento de 91.5%.
Essa escalada assustadora, sobretudo porque não leva em conta as subnotificações, precisa sensibilizar a sociedade. É urgente que se pare de naturalizar essa realidade injusta que impacta a vida não só de mulheres, mas de quem vive em seu entorno, marcando negativamente o desenvolvimento do país.
Sei que é ‘chover no molhado’, mas é urgente que se pense em uma nova cultura. Na medida que leis e atitudes punitivas por parte das forças de segurança e da justiça não parecem inibir/limitar/coibir, sozinhas, esse quadro devastador, há que se pensar em estratégias de transformação cultural. Uma cultura que pare de tratar as mulheres como seres de segunda categoria, sem vontade própria e sem condições de gerirem sua vida sem um homem do lado a lhes dizer o que pensar e fazer.
Neste contexto, a cultura patriarcal precisa ser superada. É preciso questionar o poder masculino, branco e de classe social média/alta como o padrão. Sua superação precisa levar em conta novos pilares de masculinidades que se fortaleçam mediante uma educação formal e não formal inclusiva, não sexista e não racista.
O modo de produção capitalista precisa rever os benefícios que obtém com a força do trabalho invisível e não remunerado das mulheres; para tanto uma nova política de cuidados deve ser cultivada, na qual as tarefas sejam divididas entre homens e mulheres. Uma cultura que considere, por exemplo, a possibilidade de que a licença gestante seja compartilhada de forma igual entre seus pares.
Uma cultura que considere a cor da pele apenas uma diferença entre as pessoas e não a marca da inferioridade, da submissão e do medo no caso das mulheres negras. Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista; afirmações que devem fazer parte dos bancos escolares desde cedo como forma de mudar posturas e ações.
Penso que essas reflexões precisem fazer parte de nosso cotidiano nos encaminhando para transformações urgentes e necessárias; do contrário, seguiremos, indefinidamente, enfrentando um inimigo que se fortalece nas próprias ações violentas.
Por isso o dia 25 de novembro – Dia Internacional pelo fim da violência contra as mulheres existe como um marco simbólico a nos convocar e mobilizar no engajamento de todo e qualquer movimento que lute pelo fim da violência contra as mulheres.
(* Integrante do Fórum de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres).
(*) Maria Celeste Landerdahl é professora aposentada do Departamento de Enfermagem da UFSM. O artigo acima foi publicado originalmente no site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (AQUI) e reproduzido com a autorização da autora.
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