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ESTADO. Isolamento e repressão: como a ditadura militar afetou escolas rurais do Rio Grande do Sul

Estudo da UFSM relembra o impacto do golpe em comunidades afastadas

Artigo é chamado “Histórias e Narrativas de Professores de Uma Escola Rural no Contexto da Ditadura Civil-militar Brasileira”

Por Clarisse Amaral (Com arte de Daniel de Carli) / Da Agência de Notícias da UFSM

Na madrugada do dia 31 de março de 1964, foi deflagrado o golpe militar contra o governo legalmente constituído do presidente João Goulart. A iniciativa contou com apoio de parte da população, sobretudo aquela que participou da Marcha da Família com Deus Pela Liberdade, passeatas que ocorreram entre março e junho do mesmo ano. Se é possível visualizar no imaginário coletivo a imagem de violência e resistência do período ditatorial, nas cidades de interior, e, ainda mais, nas localidades rurais, a falta de acesso à informação e o isolamento destas comunidades fez com que os efeitos do período fossem outros.

É sobre isso que o artigo “Histórias e Narrativas de Professores de Uma Escola Rural no Contexto da Ditadura Civil-militar Brasileira, de autoria de Darciel Pacinato, Jorge Luiz da Cunha e Rosângela Fritsch. Ao entrevistar professores que atuavam na escola Escola Frei Anselmo, situada na comunidade de Linha Floresta, no interior de Selbach, um município do norte do Rio Grande do Sul, o trabalho reflete como isolar essas pessoas, tanto das notícias quanto de conhecimento histórico e cultural, fazia parte do plano dos militares.

Professores mantidos em silêncio

Nesse contexto, os professores vivam em um ambiente de controle rígido e censura. Eles não tinham autonomia para abordar temas sociais, políticos ou econômicos em sala de aula, pois os conteúdos vinham pré-definidos pelo regime. Se não seguissem a cartilha do governo, os professores podiam ser perseguidos e demitidos, eram vistos como agitadores e afastados de suas funções. 

Darciel Pacinato, pós-doutor em Educação pela UFSM, destaca que outra dificuldade era o isolamento das comunidades nessa época, já que não existia energia elétrica em todas as casas e muito menos rádios e televisões. O pesquisador comenta que, para muitas comunidades rurais, a repressão e a violência registradas nos grandes centros era uma realidade muito distante. E esse isolamento contribui para um discurso utilizado até hoje, segundo o qual a repressão da ditadura foi invenção midiática.

Apesar dessas restrições, alguns professores conseguiram, de forma sutil, introduzir reflexões críticas em suas aulas. Eles utilizavam estratégias como o incentivo à leitura, redação e interpretação de textos, explorando questões que estimulavam o pensamento crítico sem confrontar diretamente o regime. Atividades culturais e artísticas, como canto e desenho, também eram empregadas para promover expressões criativas e interpretações do mundo, sem atrair a atenção das autoridades.

A relação dos professores com a comunidade local também era uma ferramenta importante. Muitos docentes viviam na mesma região que os alunos, o que facilitava a construção de vínculos de confiança. Esse envolvimento permitia que debates informais e discussões significativas ocorressem fora do ambiente controlado da sala de aula, o que promovia uma resistência silenciosa ao autoritarismo.

O físico e o esporte: preocupação fundamental dos militares

Enquanto disciplinas como artes, literatura e história eram suprimidas durante a ditadura, o regime investiu no desenvolvimento físico dos alunos, sobretudo incentivando a prática esportiva. Essa medida fazia parte de um esforço para moldar o comportamento dos jovens e afastá-los de possíveis protestos e atividades subversivas. No contexto da Escola Frei Anselmo, o esporte era uma atividade central, com eventos regionais que reuniam dezenas de escolas e centenas de alunos para competições em modalidades como futebol, vôlei, atletismo, handebol e basquete.

Esse incentivo do regime não era simplesmente uma preocupação com a saúde dos alunos, mas reflete a estratégia de utilizar atividades físicas para promover disciplina, ordem e integração social, para, assim, desviar a atenção dos jovens de questões políticas. Além disso, uma das intenções da ditadura para a política internacional do Brasil era destacar o país como uma potência esportiva.

Esse objetivo foi, em parte, alcançado com o Brasil se consagrando tricampeão da Copa do Mundo em 1970. Essa vitória foi amplamente utilizada pelo então presidente da ditadura militar, Emílio Médici, para promover o regime e ocultar a repressão. Campanhas como “Brasil, ame-o ou deixe-o” ganharam mais força ainda com a vitória da seleção. Entretanto, dentro de campo, os jogadores eram inibidos a se envolver com questões políticas e, muitos deles, tiveram noção do que realmente significava a ditadura militar depois da Copa de 1970.

UFSM e os estudos em história da educação

Um dos autores do artigo tema desta matéria é o professor e pesquisador Jorge Luiz da Cunha, que faleceu em agosto de 2024, aos 65 anos. Jorge tinha centenas de trabalhos publicados e era reconhecido pela contribuição aos estudos sobre a história da imigração e colonização alemã, mas também teve sua trajetória marcada pelo comprometimento com o ensino, pesquisa, extensão e gestão.

Jorge foi orientador de Darciel em seu pós-doutorado na UFSM. O ex-aluno lembra do professor com muito carinho e destaca que o contato com Jorge o influenciou a produzir estudos que conversam com diversas áreas da sociedade e não fiquem restritos ao âmbito acadêmico. A outra autora do artigo, Rosângela Fritsch, é professora na Unisinos.

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