De olhos bem abertos – por Orlando Fonseca
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Abrir o olho, foi o que me ocorreu recomendar às pessoas que estavam se apressando em vender a imagem da íris para uma empresa de tecnologia. O que poderia parecer uma novidade futurística, valendo ainda alguma grana extra, poderia se converter, com facilidade, em uma armadilha perigosa. A sensação da novidade poderia estar colocando uma venda nos olhos dos que se deixavam seduzir pelo inusitado e pelo dinheiro. Bom, de acordo com as notícias da semana passada, não deu outra: tem gente reclamando de que o pix não caiu na conta. Infelizmente, a segurança que algumas pessoas atribuem à tecnologia está fazendo mais estragos do que trazendo benefícios.
Ao final da semana passada, a imprensa trouxe a notícia de que muitos que tentaram acessar o World Apps, para resgatar valores e esclarecer dúvidas, enfrentaram dificuldades. Como já havia sido noticiado, a empresa está proibida de remunerar novas pessoas que aceitam escanear a íris. Agora ela informa que não tem como quantificar o número de participantes com problema. Como não fui o único a pensar que os doadores estavam entrando em fria, há especialistas afirmando que a empresa está violando direitos do consumidor. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) havia negado um recurso e proibido definitivamente a empresa de remunerar pessoas pela coleta dessa biometria. A World Apps não teve outra alternativa que não cessar o negócio de íris.
A novidade veio dar à praia ao final do ano passado e alcançou o espantoso número de 150 mil brasileiros; gente que permitiu que sua íris fosse escaneada em troca de criptomoedas (as quais podem render até R$ 600,00). A WorldCoin foi criada pelo cofundador da OpenAI (do ChatGPT), Sam Altman. E o projeto Tools for Humanity é definido como “rede que desenvolve uma identidade digital baseada na leitura da íris, capaz de distinguir humanos de robôs”. Rapidamente se expandiu pela periferia da cidade de São Paulo, sendo que a maioria dos “doadores” não soube explicar o objetivo do projeto e nem como seus dados seriam utilizados. A ANPD justifica a proibição do comércio porque os participantes ignoram “os riscos envolvidos e a própria finalidade da coleta”.
Ou seja, no fim das contas, o custo para o doador pode – aproveitando o trocadilho – sair-lhe “os olhos da cara”. As pessoas, desavisadas ou iludidas pela boa-fé do projeto (afinal “traria benefícios para a humanidade”), não percebem que a tal identidade digital pode se transformar em riscos de que a sua identidade se torne vulnerável. Se, por eventualidade, os dados vazarem (e o próprio contrato adverte não haver segurança absoluta de sigilo), no caso de um banco de dados para o qual se usou a imagem da íris como senha, não há como trocar (do modo como fazemos com caracteres de letras e números). Acrescentando um pouco mais de tragédia e ficção científica, quem garante que a imagem da íris não seja colocada em um robô, com a finalidade de que ele seja tomado como humano, no lugar do doador? Quanta ação (boa ou má) o uso indevido pode fazer.
A legislação brasileira quanto à proteção de dados é robusta, além do mais, desde a Constituição de 88 não se pode comercializar partes do corpo humano (ainda que uma imagem escaneada seja um avanço tecnológico a se levar em conta). A falta de conhecimento, as falhas na educação, ou mesmo, a ausência de simples hábito de buscar maiores informações estão provocando nesta geração uma crença cega na tecnologia. Esse pessoal não tem como lembrar, mas antigamente a doação de sangue era incentivada por remuneração. Ainda que as coisas, em termos econômicos, não estejam assim para se abrir mão de uma graninha extra, é prudente que não se entreguem os dedos e perder os anéis. Antes de permitir que o olho cresça (diante de uma pecúnia) é melhor fazer crescer a massa cinzenta dentro do crânio (por prudência).
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.
Resumo da opera. Elon Mushe disse que para brincar com IA hoje em dia são necessarias tres coisas. Talento, uns 200 milhões de dolares em computadores (minimo do minimo) e dados. Desconfio que o caso dos olhos tem a ver o ultimo quesito. O resto é preciosismo de classe média.
‘[…] é melhor fazer crescer a massa cinzenta dentro do crânio (por prudência).’ Ranço da classe ‘bem’, principalmente vermelhos, que se acham ‘muito inteligentes’ e os menos favorecidos só podem ser burros. Só que eles sabem que no pau da goiaba o maximo que vai acontecer se utilizarem a iris deles, se for no Brasil, é um cumprimento de sentença provisoriamente arquivado. Não tem que penhorar.
‘[…] mas antigamente a doação de sangue era incentivada por remuneração.’ Como estavam os bancos de sangue naquela epoca e como estão agora? Ja sei, ‘temos que colocar nos curriculos escolares’ e ‘fazer campanhas de conscientização’.
‘A falta de conhecimento, as falhas na educação, ou mesmo, a ausência de simples hábito de buscar maiores informações […]’. Vitimização de costume. O grande fator ‘não estou nem ai’ diria que é grande. E tem gente que pegou o dinheiro e foi jogar no Tigrinho. Com boletos atrasados sem pagar ainda por cima. Poderia apostar.
‘A legislação brasileira quanto à proteção de dados é robusta […]’. Legislação brasileira segundo o pessoal do juridico é ‘a melhor do mundo’ em quase tudo. Mas o pais é uma esculhambação. Burocratas vendem a idéia de que o Estado através de legislação e agencias vão ‘proteger o cidadão’. Quem já sofreu tentativa (ou foi vitima) de golpe sabe que os meliantes, que devem ser ‘recuperados para a sociedade’, tem os mesmos dados que muitos bancos e financeiras por ai. Endereço, CPF, nome dos pais, etc. A vaca já foi pro brejo com o terneiro de arrasto.
‘Se, por eventualidade, os dados vazarem […]’. Vai acontecer nada. Poucos lugares usam iris como identificação, geralmente no topo da ‘cadeia alimentar’. Inteligencia artificial não consegue criar imagens de iris. Todo o resto esta disponivel por ai.
‘[…] quem garante que a imagem da íris não seja colocada em um robô, com a finalidade de que ele seja tomado como humano, no lugar do doador?’ Isto é um chute para fingir sofisticação.
‘A novidade veio dar à praia ao final do ano passado e alcançou o espantoso número de […]’. Os numeros variam. Criticos no MIT Technology Review acusaram a empresa de tirar vantagem de estudantes e pessoas de baixa renda. Investigações foram abertas na Coréia do Sul, Reino Unido, França, Espanha e Alemanha. Rolo também no Kenia e na India.
‘A WorldCoin foi criada pelo cofundador da OpenAI (do ChatGPT), Sam Altman.’ Um picaretão. Mas tem outras pessoas envolvidas e capital de risco.
‘ A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) […]’, mais cabides, mais dinheiro jogado fora.
‘ Como não fui o único a pensar que os doadores estavam entrando em fria, há especialistas afirmando que a empresa está violando direitos do consumidor.’ O assunto é totalmente irrelevante. Adultos, voluntariamente entraram numa fila para vender a imagem da iris recebendo em shitcoin. Direito do consumidor, ‘policia do capitalismo’, é a solução que não resolve mas cria uma ‘industria paralela’. Advogados ‘especializados’, repartições publicas, cabides politicos, carreiras politicas (os Celso Russomano da vida).