Memento mori (Lembre-se que você é mortal) – por José Renato Ferraz da Silveira
A questão russa, os desejos de Putin, a Ucrânia (e a Europa): novos tempos
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Embora muito citado por historiadores, não há comprovação de que o “memento mori” tenha ocorrido e que a frase usada pelos escravos era exatamente essa. Na Roma antiga, quando um comandante vencia uma batalha importante, percorria a cidade num ritual conhecido como “triunfo romano”. Durante todo o trajeto pelas ruas da cidade, em que era saudado pelos cidadãos, o comandante era seguido por um escravo que tinha um único papel: cochichar uma expressão no ouvido do comandante: “memento mori” (traduzindo: “Lembre-se que você morrerá”, ou, ainda, “Lembre-se que você é mortal”). A ideia por trás desse ritual era deixar claro para o comandante que ele era mortal e para que não se apegasse ao momento de triunfo e, por fim que se lembrasse que, cada período de ascensão, é seguido por uma possível de queda (afinal, a vida é cíclica).
Enquanto gozava dos louros de seu trunfo, o comandante era lembrado de sua finitude.
Desde que Vladimir Putin chegou à presidência da Rússia (1999) – ou Ieltsin deixou o poder – esse novo ator adentrou o palco das Relações Internacionais e lançou ao solo uma semente de hera que fez questão de adubar com paciência. Na esperança da Rússia performar entre as Grandes Potências do que insistimos em chamar de Relações Internacionais e que para muitos se passa naquilo que costumamos chamar de Sociedade Internacional.
Lembrando que a hera é uma “planta trepadeira, com raízes adventícias, que se mantém verde durante todo o ano”. A hera pode cobrir toda a parede e chegar ao mais alto muro do jardim.
Por que esse recurso à botânica para falar de Relações Internacionais? Porque “a imagem de hera no lugar de era é a que melhor permite se compreender o que temos diante dos nossos olhos”.
A Rússia, como a hera, fixou seu lugar – novamente – entre as grandes potências.
A vitória sobre a Ucrânia consolida o papel de protagonismo russo no mundo. Como afirmou Oliver Stuenkel: “o alinhamento de Trump com Putin – ao abraçar, sem hesitação, o discurso do Kremlin em relação à Ucrânia – é um triunfo diplomático de proporções históricas para a Rússia”. A situação da Ucrânia reafirma a força da Rússia e revela a intenção e o desejo secular dela ser a defensora dos povos eslavos e, eventualmente, dos cristãos ortodoxos que estão fora de suas fronteiras. O autor dissidente e ganhador do Prêmio Nobel Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008) diz que Putin há muito indica o desejo de restaurar o reino cristão ortodoxo da Rus – a base da civilização russa – construindo uma União Russa, que engloba a própria Rússia, Ucrânia, Bielo-Rússia e os países étnicos e as áreas russas do Cazaquistão.
Agora, resta-nos aguardar como os europeus reagirão perante essa Rússia empoderada. Não há dúvida de que o resultado da guerra na Ucrânia moldará a segurança da Europa. E justamente quando estamos diante de uma “nova certidão de óbito” da OTAN?
Um ponto a destacar é que Zelenski sabe que perderá território, mas ele quer garantias de que Putin não atacará novamente. Reino Unido e França propuseram uma força de paz com até 30 mil homens para ficar não nas linhas de frente congeladas, mas na retaguarda.
O Kremlin considera a ideia inaceitável, pois equivale na sua visão estratégica a ter a Otan, a aliança militar liderada pelos EUA, junto à sua fronteira mais importante a oeste. O presidente francês, Emmanuel Macron, e o premiê britânico, Keir Starmer, irão se encontrar com Trump na Casa Branca para discutir o assunto.
Uma nova era (sem h) está a caminho!
Referências
FOLHA DE SÃO PAULO. Zelenski é dispensável e atrapalha acordo com Putin, diz Trump. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2025/02/trump-diz-que-zelenski-e-dispensavel-e-atrapalha-acordo-com-putin.shtml. Acesso em 22/02/2025.
NASSER, Reginaldo Mattar. Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais. São Paulo: Editora UNESP, 2010.
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)
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