O Auto da Compadecida 2 – Um Auto de Fé na Vida – por Amarildo Luiz Trevisan
“O Brasil profundo, com suas contradições, reaparece como pano de fundo...”
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O que um filme ambientado em um sertão nordestino distópico pode revelar sobre o Brasil contemporâneo? “O Auto da Compadecida 2”, que chega agora às telonas, resgata o universo lúdico e crítico da obra de Ariano Suassuna, ampliando sua sátira social e seu mergulho na tradição popular. Como já indicava o título do primeiro filme, “O Auto da Compadecida” (2000), o termo “auto” não é apenas um artifício literário, mas uma herança do teatro medieval ibérico, marcada pelo tom moralizante e pela crítica aos dilemas humanos.
Aqui, como na peça original, o “auto” se faz entre a redenção e a comicidade, entre a ingenuidade dos protagonistas e a dureza do mundo. A sequência acompanha o retorno de João Grilo, dado como morto ao final do primeiro filme, agora inserido em um sertão onde há seis anos não chove. O cenário, recriado com recursos de computação gráfica, reforça a aridez e o desespero daquele ambiente, enquanto flashbacks granulosos do primeiro filme surgem como um choque estético que evidencia tanto a passagem do tempo quanto a artificialidade inerente à narrativa cinematográfica.
A nova trama mantém a essência do primeiro filme: João Grilo e Chicó, mais uma vez, se envolvem em uma confusão que expõe a estrutura social desigual e os mecanismos de sobrevivência dos mais pobres. O sertão seco, dominado por um latifundiário que controla a água subterrânea e a distribui através de carros-pipa regados à corrupção, é o espelho de um país onde a abundância e a escassez convivem lado a lado. Essa alegoria do poder reforça um tema já presente na obra original, mas que, agora, adquire contornos ainda mais críticos. O Brasil profundo, com suas contradições, reaparece como pano de fundo de uma narrativa que poderia se passar em qualquer tempo, pois suas injustiças continuam as mesmas.
No entanto, é na simplicidade de uma história contada por Chicó que reside o cerne da mensagem do filme. Ele narra a trajetória de uma cabra que, acostumada à fome, morre de tanto comer quando encontra fartura. Essa anedota, aparentemente ingênua, encontra ecos ao longo da narrativa: no banquete da feira onde os candidatos a prefeito oferecem comida farta, na visão idílica de João Grilo sobre um paraíso onde os milharais dão pamonhas prontas, e na própria exploração da água, que deveria ser um bem comum, mas se transforma em moeda de troca política.
O filme nos lembra que o Brasil oscila entre a abundância e a privação, entre o excesso e a carência, e que essa falta de equilíbrio se reflete não apenas na economia e na política, mas também na cultura. Chicó, analfabeto no papel, mas um mestre da oralidade e do improviso, simboliza essa contradição. Ele transforma tragédia em comédia, revelando que a grande ironia do filme não está apenas no sertão ficcional, mas no próprio país, que ainda não encontrou seu caminho entre os extremos.
E talvez aí resida a chave da história: se Deus e o Diabo caminham juntos na terra do sol, Maria, a Compadecida, é quem oferece o caminho do meio. Na cena do segundo julgamento de João Grilo no céu, ele se vê novamente diante de duas forças opostas: Cristo, que representa a possibilidade da salvação, e o Diabo, que clama por sua condenação. Mas é Maria quem, intervindo com misericórdia, garante que João tenha uma nova chance na Terra, reafirmando seu papel de mediadora entre o rigor da justiça e a compaixão.
Será que essa cena não pode ser vista como uma metáfora para algo maior? A ideia de equilíbrio, tão presente na ética aristotélica, nos faz pensar: e se a virtude realmente estiver no meio do caminho, entre a falta e o excesso? Aristóteles dizia que tanto a privação quanto a indulgência podem levar ao desequilíbrio, mas será que conseguimos enxergar isso no dia a dia? Quando olhamos para o Brasil, não parece que estamos sempre oscilando entre extremos — entre a miséria e a ostentação, entre a repressão e a permissividade, entre a injustiça e a tentativa de redenção?
E o que será que “O Auto da Compadecida 2” ainda pode dizer sobre tudo isso? Os dilemas que João Grilo e Chicó enfrentam continuam tão atuais como eram na época que Ariano Suassuna os apresentou pela primeira vez. Mas será que, em meio a tantas incertezas, ainda há espaço para acreditar em uma nova chance? Se o Brasil tem seus desafios na política, na economia e na sociedade, talvez a questão não seja apenas sobreviver às desigualdades, mas encontrar um jeito de caminhar entre os extremos — reconhecendo o outro, cultivando a compaixão e, quem sabe, buscando um pouco mais de equilíbrio e justiça social. Será esse o verdadeiro auto de fé na vida?
(*) Amarildo Luiz Trevisan é professor do curso de Ciências da Religião e do PPGE/UFSM.
O óbvio ulalante. Ariano Suassuna não tem nada a ver com a historia. Reaproveitaram os personagens para fazer propaganda comunista (em politicamente correto, ‘critica social’). Maioria não assiste, a bolha aplaude e afirma que é o maximo e não uma chatice. Vida que segue.