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Democracia: 40 anos – por Orlando Fonseca

"Parodiando o filme brasileiro do Oscar, ainda estamos aqui"

Estamos falando de Brasil. Às vésperas da posse do primeiro presidente não escolhido dentre os membros de uma junta militar, depois de duas décadas de ditadura, o que o país inteiro aguardava era o paciente deixando a UTI. E não era o presidente eleito pelo Colégio eleitoral, no Congresso, o qual passava por uma cirurgia no Hospital de Base em Brasília. O que todos esperávamos era que desse alta e saísse para as ruas, lépido e faceiro, o regime democrático.

Após todos aqueles terríveis anos em que ele sofreu os maiores ataques, brasileiros e brasileiras aguardavam com enorme expectativa a volta ao estado de direito, que, em se tratando de governo federal, é como retomar a saúde. Já se passaram quarenta anos desde aquele dia (em março de 1985); passamos por uma longa convalescença, e ainda estamos nos recuperando de todos os traumas de 21 anos de exceção no Brasil. Parodiando o filme brasileiro do Oscar, ainda estamos aqui.

Muitos de nós, lembrando hoje aqueles dias, havíamos participado de um movimento nacional, a Campanha das Diretas Já. O povo reunido, que pretendia jamais ser vencido, pedia pela volta da eleição direta para presidente. Mas, não tendo sido vitoriosa a emenda de Dante de Oliveira, tivemos a posse de Sarney, pois Tancredo lutava pela vida – o que cobria tudo com um manto de apreensão. A noite anterior havia sido de negociações tensas, e foi crucial para o futuro do Brasil: os militares poderiam dar um golpe, impedindo a posse do vice (que ainda não era vice) ou de Ulysses Guimarães, presidente do Congresso, e assim prorrogar o mandato do último presidente militar, João Figueiredo.

Enfim, assim tinha início a Nova República, com os luminares do PMDB e da Frente Liberal (dissidência do PDS), que garantiu o vice e os votos para a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral. A redemocratização consolidou-se, em 1988, com a nova Constituição, elaborada por uma Assembleia Constituinte livremente eleita, convocada por Sarney.

O que se sucedeu na vida republicana, não foram anos fáceis: impeachment de Collor – advento do Real ( que venceu a hiperinflação, no final1980 e início dos anos 1990) – mazelas da cartilha neoliberal; depois, retomada da economia com justiça social, redução da pobreza e garantia de inclusão (Programas como o Bolsa Família e outras políticas públicas). Posse da primeira mulher na presidência seguida de um impeachment (pode-se dizer que foi um golpe, pois não cometeu crime de responsabilidade), e Michel Temer assumiu com sua “ponte para o futuro”, a qual ligou nada a coisa nenhuma, abrindo caminho para a chegada de um extremista, negacionista, cercado de uma horda de sem-noção; não bastasse isso, enfrentamos uma pandemia de dimensões globais, a Covid.

No interregno de 2016 a 2024 tivemos um colapso democrático, com o país governado por um presidente que herdou o mandato após um impeachment e a prisão do candidato favorito, condenado por um juiz parcial, em processo marcado por vícios e ilegalidades.

Nestes dois últimos anos, tivemos a volta de Lula, o primeiro dentre os presidentes eleitos, na redemocratização, a conquistar um terceiro mandato. A turma dos extremistas, para evitar a posse do vencedor em 2022, levou a cabo os ataques às sedes do Três Poderes em Brasília, no 8 de janeiro de 2023 (uma intentona fascista). Este grupo vinha se formando desde as jornadas de junho de 2016, ergueram cartazes, pedindo a intervenção militar na porta dos quartéis e a volta a volta do famigerado AI-5. Quarenta anos: hora da maturidade, hora de passar a limpo os resquícios de arbítrio, sem anistia para golpistas (teria sido diferente com uma transição como a da Argentina, condenando e prendendo os generais e torturadores).

Democrático, o Brasil que queremos espera que todos os golpistas sejam submetidos a um julgamento correto e justo, mas que os culpados paguem pelos crimes cometidos. Precisamente agora, quando, em vários países, a democracia demonstra fissuras, fadiga estrutural em seus pilares, pelo mundo, como a volta de Trump, o avanço do neofascismo na Europa e o estímulo à cultura dos discursos de ódio e fake news nas redes sociais. O slogan “ditadura nunca mais” é o tratamento profilático fundamental para a saúde da democracia, para que ganhe tônus muscular, e o país caminhe firme para a normalidade democrática.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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13 Comentários

  1. Resumo da opera. Governicho do Rato Rouco detonou tanto a economia que tirando a ‘defesa da democracia’ vermelhos não têm nada para se segurar. Simples assim. Lado positivo: grande maioria sabe que é cascata, empulhação.

  2. ‘[…] e o país caminhe firme para a normalidade democrática.’ Revezamento de oligarquias de esquerda e centro-esquerda no poder.

  3. ‘O slogan “ditadura nunca mais” é o tratamento profilático fundamental para a saúde da democracia, para que ganhe tônus muscular,[…]’. Profilatico é camisinha. Tonus é ainda mais ilustrativo. ‘Pôvú’ vai ser ‘democratizado’.

  4. ‘[…] o avanço do neofascismo na Europa e o estímulo à cultura dos discursos de ódio e fake news nas redes sociais.’ Quem é contra os vermelhos é ‘fascista’. ‘Gastaram’ a palavra. Pela repetição, obvio.

  5. ‘[…] , como a volta de Trump […]’. Eleito pelo voto popular, no colegio eleitoral e todos os ‘estados pendulo’. Democracia boa é só quando vermelhos são eleitos.

  6. ‘[…] a democracia demonstra fissuras, fadiga estrutural em seus pilares, pelo mundo,[…]’. Não de graça. Paciencia tem limite.

  7. ‘[…] sejam submetidos a um julgamento correto e justo, mas que os culpados paguem pelos crimes cometidos.’ Este bonde já saiu da estação e o resultado não foi bom. Devido processo legal foi para a conta. Enquanto traficantes pegos em flagrante com o material de trabalho são soltos na audiencia de custodia gente por pouco mais que nada pegam 17 anos de cana. Ex-presidente, todos sabem, vai ser preso, julgado e condenado a uns 30 anos mais inelegibilidade. Se todos sabem o resultado como é que fica?

  8. ‘[…] a prisão do candidato favorito, condenado por um juiz parcial, em processo marcado por vícios e ilegalidades.’ Processos anulados, prescrições, mas acusações ficaram.

  9. ‘[…] abrindo caminho para a chegada de um extremista, negacionista, cercado de uma horda de sem-noção;[…]’. Bobo, feio, chato, taxista, manobrista, esteticista. Baboseira de sempre. Conversa para quem idade mental de 5 anos, ou seja, militancia. E ‘iluminados’ burros.

  10. ‘[…] Michel Temer assumiu com sua “ponte para o futuro”, […]’. Engatilhou a reforma da previdencia, começou os estudos do pix, etc. Basta usar o Google e ver o que ele fez ou deixou de fazer. Sim, porque acreditar em vermelho é coisa de trouxa.

  11. ‘[…] (pode-se dizer que foi um golpe, pois não cometeu crime de responsabilidade),[…]’. Vermelhos com baixa capacidade cognitiva ficam repetindo. Tem mais efeito de encher os pacovas do que convencer alguém. Talvez eles mesmos.

  12. Presidente eleito no Colégio Eleitoral teve gravidade da doença escondida da população. Na impossibilidade do eleito havia duvida de quem tomaria posse. Quem sanou foi um General de quatro estrelas, Leonidas Pires Gonçalves, ‘Mas, qual é a dúvida? Os artigos 76 e 77 da Constituição de 1969 são bem claros: quem assume é o Sarney.’ Quem deejava tomar posse no lugar? Ulyssio Guimarães.

  13. ‘[…] e ainda estamos nos recuperando de todos os traumas de 21 anos de exceção no Brasil.’ Nos quem cara palida?

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