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Falta de educação – por Orlando Fonseca

“Sem um sistema, a educação deixará de ser indutora do progresso”

As imagens que os noticiários nos trazem não deixam dúvida, os EUA têm um presidente mal-educado. Marcado pela truculência no trato com a imprensa e adversários, pela estupidez de alguns  atos arbitrários, total falta de empatia (aliás, seu parceiro de gabinete, Elon Musk, considera a empatia uma fraqueza da civilização), Trump não apenas desdenha do estado de direito, mas também afronta juízes, ameaçando-os e desconsiderando as ordens judiciais.

Mas o pior de tudo isso, uma novidade na política internacional, sem precedentes, é que ele pretende fazer escola. Sabe para quem está dirigindo seu teatro e seus discursos, e que suas diatribes exercem influências poderosas, ao agradar simpatizantes conservadores e neofascistas pelo mundo. A última de suas ações para desmantelar o Estado e instituir uma nova concepção de sociedade é uma ordem executiva destinada a acabar com o Departamento Federal de Educação, cumprindo uma promessa de campanha e uma vontade antiga dos conservadores.

Desde a campanha, Trump tem-se demonstrado insensível quanto à inclusão social, programas de proteção às minorias e mitigação do desrespeito à diversidade. Uma vez que seus antecessores democratas entendiam o Estado como indutor de políticas públicas, agora pretende desfazer todos os programas e incentivos, o que agrada à visão conservadora dos republicanos, seus eleitores. A ordem foi elaborada para deixar a política escolar quase inteiramente nas mãos dos estados e conselhos locais. Esta perspectiva, no entanto, tem alarmado os defensores da educação. Mas o novo morador da Casa Branca, nesta segunda passagem por lá, também argumenta que o Departamento de Educação é um desperdício de dinheiro, pois as notas dos alunos continuam medíocres em testes, as taxas de alfabetização são decepcionantes e habilidades matemáticas precárias –  como se educação se resumisse apenas a investimentos de trilhões de dólares.

Embora seja vontade do presidente, fechar a agência completamente requer um ato do Congresso, e ele não tem os votos para isso. Como não está sozinho em sua cruzada, pretende tornar-se parte de um esforço generalizado contra o que os conservadores veem como doutrinação liberal nas escolas americanas. Ele já tentou, em seu mandato anterior, reformular o ensino superior nos Estados Unidos, reduzindo o financiamento e pressionando para eliminar políticas de diversidade, equidade e inclusão. Tal estratégia, segundo os parlamentares democratas, pode efetivamente destruir o departamento sem ação do Congresso. É o que ele está colocando em prática, demitindo todos os funcionários, e o resultado será devastador. Mas nem tudo são flores neste caminho: uma pesquisa Reuters/Ipsos descobriu que os entrevistados se opunham ao fechamento do Departamento de Educação em aproximadamente dois para um (65% a 30%).

No Brasil, o modelo de federação que adotamos, mantém um sistema solidário de políticas para a educação, entre os entes administrativos nos três níveis: municipal, estadual e federal. A lei de Diretrizes e Bases (LDB) orienta o sistema em todas as instâncias, estabelecendo uma equalização de ações entre os agentes. Observando o que se passa nos EUA, a partir da experiência brasileira, é maior o meu espanto com a decisão do presidente americano, e seu descaso com a educação (estratégia de sua visão extremista). Meu temor é de que isso sirva de modelo, partindo da maior potência econômica do planeta.

Não estou certo de que o sistema brasileiro possa garantir que não haja no Planalto um presidente mal-educado; sequer posso ir além da esperança de que os índices atuais possam melhorar (ainda que as ferramentas estejam aí, à disposição de quem tenha vontade política). No entanto, estou certo de que, sem um sistema, coordenado por um ministério específico, a educação deixará de ser indutora do progresso e da justiça social, metas da democracia em qualquer lugar, tanto nos EUA quanto em nosso país.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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15 Comentários

  1. Resumo da opera. Problemas dos ianques são dos ianques. Aqui o sistema educacional necessita uma reforma séria. Que não vai acontecer.

  2. Nos EUA o sistema é altamente descentralizado, só esta ficando mais. Alas, sistema por lá faz agua e não é de hoje. Vide documentario ‘Waiting for Superman’ de 2010. Sistema publico afundou e criaram chater schools, parcerias publico privadas. Por que afundaram? Sindicatos conseguiram tantos ‘direitos’ para os corpos docentes que inviabilizou o sistema. Raposas cuidando do galinheiro.

  3. ‘[…] a educação deixará de ser indutora do progresso e da justiça social, metas da democracia em qualquer lugar […]’. Defina progresso e justiça social, é o primeiro questionamento. ‘Democracia’ tem mais de um conceito. Obviamente tem a propaganda, ‘democracia quer tudo de bom, quem debate democracia só pode ser contra ela e quer tudo de ruim’. Bastante primário. Alas, no Brasil a democracia se resume a revezamento de oligarquias.

  4. ‘No entanto, estou certo de que, sem um sistema, coordenado por um ministério específico, […]’. Sovieticamente centralizado. Alguns sonham com um resultado educacional uniforme em todo o pais. Que é muito grande para isto acontecer. Mesmo na URSS existia uma hierarquia entre as instituições de ensino, uma ‘cadeia alimentar’. Melhores estudantes nas melhores escolas.

  5. ‘[…] esperança de que os índices atuais possam melhorar […]’. Não esta no horizonte. Raposas guardam o galinheiro. Um amontoado de ‘especialistas’ altamente defasados. O atraso se realimenta produzindo mais atraso.

  6. ‘Não estou certo de que o sistema brasileiro possa garantir que não haja no Planalto um presidente mal-educado […]’. O atual é um analfabeto funcional. Um apedeuta.

  7. ‘A lei de Diretrizes e Bases (LDB) orienta o sistema em todas as instâncias, estabelecendo uma equalização de ações entre os agentes.’ Exceções de praxe, sistema educacional tupiniquim é uma porcaria. Simples assim. Vide PISA. Não as provas de auto-avaliação.

  8. ‘[…] mantém um sistema solidário de políticas para a educação, entre os entes administrativos nos três níveis: municipal, estadual e federal.’ Cachorro que tem mais que um dono morre de fome.

  9. Outubro de 2024. Primeiro Ministro do Canada é Trudeau. Comuna. Colocou uma taxa suplementar de 100% na importação de carros eletricas chineses. E 25% no aço e aluminio provenientes da China. Que retaliou em março deste ano, 100% em oleo de Canola, sementes já processadas e ervilhas. Também 25% nos produtos aquaticos e carne de porco. So a guerra comercial do Agente Laranja ‘vale’? Porque é pouco noticiado?

  10. ‘[…] uma pesquisa Reuters/Ipsos descobriu que os entrevistados se opunham […]’. Só trouxa acredita nestas ‘pesquisas’. Os mesmos que diziam que a corrida presidencial por lá iria ser ‘apertada’ e não o passeio que foi.

  11. ‘[…] como se educação se resumisse apenas a investimentos de trilhões de dólares.’ Taxad que o diga, aumentou os gastos em educação durante seu periodo na Educação e o Brasil afundou no PISA.

  12. ‘[…] tem-se demonstrado insensível quanto à inclusão social, programas de proteção às minorias e mitigação do desrespeito à diversidade.’ Na pratica desmontou-se departamentos de ‘ciencias humanas’ nas universidades ianques. Escola de Frankfurt, teorias ‘criticas’ novas, minorias utilizadas como massa de manobra. Manifestantes pro-organizações terroristas impedindo o acesso de alunos(as) e professores(as) judeus(ias) aos campi.

  13. Nesta altura chega-se no problema de gestão. Distribuir grana para instituições privadas pagas com anuidades inflacionadas resultando em divida elevada do corpo discente. Diplomas vazios, muita gente fazendo cursos para os quais não há mercado de trabalho. Queda do sistema de ensino ianque nos rankings internacionais. Onde entra a gestão? Politica publica que não funciona, para pessoas racionais, tem que ser desativada. Para outros o negocio é ‘dobrar a aposta’.

  14. ‘[…] é uma ordem executiva destinada a acabar com o Departamento Federal de Educação, […]’. Que não é ‘equivalente’ ao Ministerio da Educação tupiniquim. Distribui recursos, coleta dados sobre escolas, faz recomendações, toma medidas para avançar as politicas ‘woke’ (onde a coisa foi pro brejo). Não tem poder para estabelecer curriculos, centralização é algo que os vermelhos de lá ainda não tinham conseguido.

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