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Cuidar de quem cuida! – por Valdeci Oliveira

O articulista e o colegiado sobre o piso da enfermagem e profissionais da saúde

Sem entrar em detalhes ou exemplos antropológicos, dos animais que já pisaram na Terra, o gênero humano certamente ocupa uma posição privilegiada entre aqueles que mais facilmente se adaptam às condições postas. Tem inteligência suficiente para ver, analisar, aprender e, a partir daí, “tocar a vida”. Por outro lado, generalizando a questão, tire do ser humano as dificuldades que o forçaram a “evoluir” e ficaremos frente a alguém que também parece ter a tendência a esquecer de forma rápida – não necessariamente do fato em si, mas seu significado -, como se o passado fosse apenas o “acontecido” e não um aprendizado.

Um bom exemplo recente foi a pandemia da covid-19. Nela, logo após o medo e o desespero darem lugar à esperança, aprendemos algumas coisas que pareciam se tornar o “novo normal”, como a busca por locais mais arejados, a higiene das mãos e maior atenção a sintomas de problemas respiratórios, entre outros. E nesse rol, acredito que a solidariedade e o reconhecimento também acabaram por ganhar pontos naquela que parecia ser a gincana, a competição das nossas vidas.

Um bom exemplo disso, foram as figuras-símbolo daquele período, que saíram do anonimato para o mundo que era acompanhado ao vivo e a cores, 24 horas por dia, por aqueles que estavam isolados, em “lockdown”: as enfermeiras e enfermeiros. Eram elas e eles que apareciam nas imagens da TV e das redes sociais postados ao lado das camas dos doentes, paramentados como num filme de ficção científica, enfrentando o desconhecido e monitorando infectados equipamentos respiratórios, levando macas de um lado ao outro.

Exaustos e também indo a óbito justamente por conta da profissão, a enfermagem, fosse onde fosse, ganhava fãs e homenagens. Nas janelas de suas casas, a população pendurava lençóis brancos e os aplaudia. Com as vacinas, veio também a sensação de segurança. E com o tempo, tudo aquilo virou apenas “acontecido”, com a vida da maioria das pessoas voltando ao seu curso próximo ao normal, regressando ao anonimato que um dia estivera.

Um caso bem concreto disso, foi a categoria da enfermagem brasileira – composta 85% por mulheres -, que assim como seus pares mundo afora teve também aqui seus dias de fama. Passados menos de um ano do epicentro daquela que foi a maior crise sanitária mundial do último século, e com a memória ainda fresca pelo trauma experimentado, em 2022, deputados e senadores aprovaram um projeto de lei garantindo o piso salarial da categoria, luta que vinha desde a década de 1950, quando a profissão ganhou sua regulamentação.

Naquele momento, pelo menos, não seria de bom tom ficar contra aqueles que, por aqui, viram mais de 700 dos seus perderem a vida enquanto cuidavam das nossas. Afinal, quem teria coragem de ir contra palmas em uníssono e panos brancos a tremular nas casas e apartamentos?

Mas na esquina da vida estava o tempo, como que encostado numa parede qualquer a esperar que outras agendas e urgências ocupassem a opinião pública. E foi assim que aconteceu. Mesmo com a segurança jurídica garantida por uma Proposta de Emenda à Constituição e com o aporte inicial garantido pelo governo do presidente Lula em 2023, os profissionais da enfermagem brasileira não estão vendo – e isso vale para todo país – aquele reconhecimento se transformar em algo concreto, como o receber, ao final do mês, um simples piso salarial que lhes garanta um mínimo de dignidade.

A maior reclamação diz respeito a não integralidade do pagamento, tanto por parte das entidades privadas como públicas, além de diferentes entendimentos quanto à aplicação da lei. Foi o que vi na greve do Hospital Astrogildo de Azevedo, em dezembro do ano passado, em Santa Maria. E para dar uma resposta a esse falso imbróglio, apresentamos, no início do ano legislativo, um requerimento para a criação de uma Comissão Especial para nos debruçarmos sobre o tema. Aprovado por unanimidade, o colegiado foi empossado nesta semana.

O trabalho abordará também questões relativas a todas as categorias da saúde – sobrecarga de trabalho, falta de equipamentos, jornadas extensivas, entre outros problemas. E aqui cabe ressaltar um dado apresentado na pesquisa “Perfil da Enfermagem no Brasil”, iniciativa do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e da Fiocruz: um a cada cinco profissionais da categoria já sofreu agressões físicas, verbais ou psicológicas por parte da população que atende.

Nesse contexto, a Assembleia cumpre seu papel ao buscar que o tema não apenas seja debatido, mas que também sejam recolhidos elementos para a produção de um relatório a ser encaminhado às autoridades municipais, estaduais e à União. E, quem sabe, esse colegiado possa se tornar uma espécie de ferramenta propulsora de algum tipo de legislação que, de forma definitiva, estabeleça que “lei é lei” e que “o piso precisa ser cumprido”. As palmas e os lençóis brancos nas janelas não podem ser apenas meras lembranças de um tempo que desejamos esquecer. Temos que cuidar de quem cuida. Temos que valorizar quem cuida.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

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6 Comentários

  1. Resumo da opera. ‘Relatorio’ vai gerar mais umas fotos e mais ‘noticias’. Superlotação das emergencias em POA não é assunto. Problema em breve se espalha pelo RS. É a ‘emergencialização’ da saúde, filas de espera para procedimentos, exames e consultas. Resposta do energumenos: prevenção sem atacar o problema do ‘estoque’ de doentes e aumentar salarios. Resposta para tudo é jogar dinheiro no problema. Na educação é aumentar o salario dos professores.

  2. ‘[…] mas que também sejam recolhidos elementos para a produção de um relatório a ser encaminhado às autoridades municipais, estaduais e à União.’ Burocracia inutil que ninguém vai ler.

  3. ‘[…] no início do ano legislativo, um requerimento para a criação de uma Comissão Especial para nos debruçarmos sobre o tema […]’. Reuniões tosa de porco para gerar fotos e fatos pseudo-noticiosos. Depois leva ferro na eleição e não sabe o motivo.

  4. ‘A maior reclamação diz respeito a não integralidade do pagamento, tanto por parte das entidades privadas como públicas, além de diferentes entendimentos quanto à aplicação da lei.’ Canetaço não resolve problemas e ainda cria outros. Em todas as areas que acontece.

  5. ‘Um bom exemplo recente foi a pandemia da covid-19.’ Maioria da população está c@g@ndo para a pandemia. Ficou no passado.

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