O Inglês do Bolsonaro: entre o pipocaço e o ice cream golpe – por Amarildo Luiz Trevisan
“A estética do grotesco aqui é ferramenta política - e não acidente de percurso”

Domingo de sol na Avenida Paulista. Bandeiras tremulando, gritos de “liberdade” (aquela com aspas) e o ex-presidente Jair Bolsonaro em cima de um trio elétrico, discursando… em inglês. Sim, senhoras e senhores, em inglês. Um inglês que faria Joel Santana parecer o novo professor da Cambridge University.
Antes de arriscar seu repertório linguístico, Bolsonaro alertou, em bom português:
“Eu não falo inglês, uma grande falha da minha formação.” E seguiu, com a confiança de quem vai atravessar a ponte sem olhar se tem rio embaixo, dizendo algo que, segundo especialistas em traduções do além, pretendia soar como:
“Popcorn and ice cream sellers sentenced for coup d’État in Brazil.”
Tradução livre (muito livre): “Vendedores de pipoca e sorvete condenados por golpe de Estado no Brasil.”
A frase ecoou como um remix político de “me chama que eu vou”, mas versão “macarrônica”. Não demorou para a internet fazer o que sabe melhor: transformar o inusitado em meme. Comparações surgiram imediatamente – o ex-presidente virou uma espécie de Joel Santana de terno patriótico, trocando os comentários de futebol pelo inglês dos palanques.
Mas antes que o riso nos desvie do absurdo, vale a pausa: o que está por trás desse uso tragicômico da língua estrangeira? Seria apenas despreparo? Ou há método nessa mistura de sotaque, erro e teatralidade? Spoiler: há.
Esse tipo de performance não é inédito. Donald Trump já havia dado pistas sobre a eficiência simbólica do grotesco ao explicar tarifas como se fossem tabelas de supermercado. Bolsonaro, que nunca escondeu sua admiração por Trump, aprendeu rápido: comunicar-se mal pode ser uma forma muito eficaz de “comunicar-se bem” com quem vê na formalidade uma ameaça, no saber um elitismo, e no inglês correto, uma afetação desnecessária.
A estética do grotesco aqui é ferramenta política – e não acidente de percurso. Trata-se da teatralização do homem simples, “gente como a gente”, que não precisa falar inglês fluentemente porque, afinal, quem precisa dessas frescuras globalistas quando se tem fé, camisa da seleção e uma pitada de indignação?
Muniz Sodré e Raquel Paiva já alertaram em O Império do Grotesco: há algo de muito sério no riso que se espalha pelo palco da política. O grotesco, longe de ser só caricatura, é uma chave de leitura de um tempo em que os limites entre o humano e o bizarro se confundem, e isso é explorado com precisão cirúrgica por estratégias de comunicação populista.
E nós, plateia desse teatro tropical, seguimos entre risos e hashtags, sem saber ao certo se estamos diante de um stand-up político ou de um ensaio geral para o próximo ato do absurdo.
Afinal, o tipo de atitude performática e descuidada com a linguagem – como a do ex-presidente tentando falar inglês de forma caricata e desinformada – não deve servir de exemplo educativo. A linguagem aqui é símbolo de algo maior: o descompromisso com a formação, o saber e o rigor no discurso político.
A frase que Bolsonaro tenta dizer em inglês mistura dois elementos que não têm relação lógica – “vendedores de pipoca e sorvete” e “golpe de Estado”. O que a frase sugere, de forma crítica, é: se aceitarmos esse tipo de narrativa confusa e desinformada como algo normal, corremos o risco de que, no futuro, absurdos como esse passem a ser compreendidos como verdades.
Ou seja, se continuarmos aceitando e repetindo esse tipo de discurso sem crítica, a confusão entre o trivial (como “pipoca”) e o gravíssimo (como um “golpe”) pode se naturalizar – o que é uma distorção perigosa da realidade.
Enfim, será que o absurdo já virou norma?
(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).
Hummm…. Não acompanhei o episodio e nem a fala do ingles macarronico. Porque não têm importancia. Lado positivo é que os vermelhos dão importancia a coisas que a maioria prefere ignorar. ‘Jornalistas’ cumpanheros(as) tentam propagandear o que é importante, mas sem sucesso. Resumo da opera: ingles macarronico ou não, vermelhos estão falando no assunto, no Cavalão. Quando convocam suas manifestações aparece meia duzia de capachos contados. Simples assim.