Artigos

Trump vs. Harvard – por Orlando Fonseca                    

“O que está em jogo é o futuro da civilização, ao menos como a conhecemos”

Em meio à pandemia Covid-19, ouvimos falar em outra grande mazela humana: o negacionismo. Doença da razão em gente que, sem base alguma, ou metida a entendida, propaga saberes oriundos do senso-comum, para isso, anulando os tratados científicos de toda ordem. Nesse caso, falo da realidade brasileira, pouco afeita a um histórico secular do ensino universitário. No entanto, mesmo em outros países com tradição cultural, universidades de mil anos, ou quase, este modo de pensar e agir criou asas, trazendo à baila o terraplanismo, o discurso antivacina e ataques à ideologia sem fundamento.

Antes da pandemia, a imprensa inglesa já havia divulgado o termo “pós-verdade”, que sociólogos haviam cunhado para designar o fenômeno das fake news (outro mazela) nas redes sociais. No entanto, e para isso é que aponto nesta crônica, não imaginava a extensão que o negacionismo poderia atingir na maior potência econômica e bélica do planeta, os EUA.

Neste berço da democracia moderna (em nome da qual invadiu países, bloqueou outros e produziu tratados científicos e diplomáticos), a era Trump (em seu segundo mandato), tenta um método de impor o senso comum contra as ideologias que não estão em sua cartilha conservadora, atingindo o cerne da questão: as universidades.

Como nos atestam as manchetes, não são quaisquer universidades, senão as maiores, em termos de importância acadêmica no mundo contemporâneo: Harvard, MIT, Stanford. Sob falácias de toda ordem, pois este é o modo Trump de governar, criando narrativas sem o mínimo de fundamento (é a tal da pós-verdade, segundo a qual, se eu acho é porque é), ataca as instituições de ensino americanas, em especial as que estão no top dos rankings universais. São respeitadas por terem produzido estudos e pesquisas de ponta, por terem registrado o maior número de patentes de invenções, ou de terem legado ao mundo o maior número de prêmios Nobel, escritores, políticos e artistas.

Determinado a ir mais longe na tentativa de remodelar o ensino superior no país, congelou repasses de recursos para pesquisas e programas de inclusão (US$ 2 bilhões para Harvard; a Universidade da Pensilvânia já teve US$ 175 milhões suspensos por apoiar a participação de um atleta transgênero em competições esportivas). Para manter os financiamentos, Trump exige o fim de programas de diversidade, equidade e inclusão, admissão e contratações que levem em conta raça, cor, origem nacional ou critérios equivalentes.

O presidente acusa Harvard com expressões vagas e preconceituosas, afirmando que a instituição “perdeu o rumo”, por ter contratado “idiotas e radicais da esquerda” para seu corpo docente. Chega ao ridículo em dizer que “Harvard não pode mais nem mesmo ser considerada um lugar decente de aprendizado e não deveria estar em nenhuma lista das melhores universidades do mundo”, como se a boa colocação da universidade se deve a critérios sem base, como o são as suas falas, que só dimensionam o tom agressivo de sua retórica.

Para acentuar o paradoxo de sua manifestação, ele e muitos dos seus assessores são ex-alunos dessas mesmas instituições: Trump é formado pela Universidade da Pensilvânia, seu vice-presidente, JD Vance, pela faculdade de Direito de Yale, dois secretários de gabinete, Pete Hegseth (da Defesa) e Robert F. Kennedy (da Saúde) são ex-alunos de Harvard.

Por seu lado, Harvard mantém sua declaração feita no início da semana passada de que “não abrirá mão de sua independência nem renunciará a seus direitos constitucionais”, dando garantia de que cumprirá a lei. No documento em que recusa as determinações presidenciais, defende que as ordens violam seus direitos garantidos pela Primeira Emenda e outras leis de direitos civis.

Essa posição já influenciou a Universidade Columbia, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts e Universidades de Princeton e Illinois. Em Stanford, os dirigentes Jonathan Levin e Jenny Martinez uniram-se à defesa da autonomia universitária. Tal embate representa o primeiro grande obstáculo na tentativa de impor mudanças em instituições que, segundo republicanos, se tornaram centros de liberalismo e antissemitismo.

Qualquer semelhança com o que vimos no Brasil, ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, não é mera coincidência. O que agora só eleva o nível de nossas preocupações, porque não se trata apenas de uma briga entre direita e esquerda, capitalismo ou socialismo. O que está em jogo é o futuro da civilização, ao menos como a conhecemos, e convenhamos, não é possível jogar tudo na lata do lixo da história como material descartável. Os tempos estão muito estranhos.   

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

21 Comentários

  1. Resumo da opera II. Cortina de fumaça. Ataque superficial ao Agente Laranja. Tão raso que se fosse uma poça uma formiga não molharia as canelas. Cada um com sua capacidade. Bordão? Para fazer isto não precisa doutorado.

  2. Resumo da opera. Como serão a diversidade, equidade e inclusão nas universidades chinesas? Liberdade de cátedra? Autonomia universitaria? Com certeza ficarão muito atrasados sem DEI.

  3. ‘[…] convenhamos, não é possível jogar tudo na lata do lixo da história como material descartável.’ Carlos Marcio falou ‘tudo que é solido desmancha no ar’.

  4. ‘O que está em jogo é o futuro da civilização, […]’. Não. O futuro é uma caixa com 6 alças ou uma urna. A civilização continua. Não presisa de ‘opiniões’ de quem quer que seja.

  5. ‘O que está em jogo é o futuro da civilização, ao menos como a conhecemos, […]’. Os ‘humildes’ tinha um ‘plano para a humanidade’ e isto incluia ‘tudo ficar como está até tomarmos conta’.

  6. ‘Qualquer semelhança com o que vimos no Brasil, ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, não é mera coincidência.’ Sim, mas o problema aqui é bem maior. Independente de esquerda ou direita. Harvard cai da primeira posição do mundo la para a vigesima. UFSM comemora que é a milesima. Que vira a decima alguma coisa do Brasil e a terceira do RS. E a melhor do bairro Camobi. Bota cara de pau nisto.

  7. ‘[…] centros de liberalismo […]’. Liberalismo virou outra coisa por lá, ao menos para uma boa parte, algo psoliano.

  8. ‘[…] se tornaram centros de liberalismo e antissemitismo.’ O antissemitismo foi amplamente noticiado por la. Apoio ao Hamas que na Ianquelandia é considerada organização terrorista. Cantos e cartazes ‘from the river to the sea’ pregando o fim do Estado de Israel. Alas, protestos que além de inuteis interrompem as atividades academicas. Se estão protestando não assistem aula e não estudam. Obviamente todos(as) ‘aprovados’.

  9. ‘[…] uniram-se à defesa da autonomia universitária.’ Outra inverdade. Traz o debate para o Brasil. ‘Autonomia universtaria’ não significa que os vermelhos podem aparelhar as universitarias e ‘formar os revolucionarios de amanha’. Alas, não precisa fazer muita força por aqui para encontrar absurdos, ementas e programas de disciplinas escritas por militantes de esquerda.

  10. ‘[…] ‘“não abrirá mão de sua independência nem renunciará a seus direitos constitucionais” […]’. Problema nenhum. Ninguém planta sorgo e colhe soja.

  11. Em 2023 a Suprema Corte ianque acabou com as cotas raciais nas universidades. Cereja do bolo é que as ações afirmativas não deram todo o resultado que se esperava.

  12. Harvard caiu para a 15ª posição no ranking da Forbes de instituições ianques. No ranking de MBAs (master of business administration) produzido pela Financial Times caiu para o 13º lugar, o mais baixo da instituição na historia.

  13. ‘Sob falácias de toda ordem, pois este é o modo Trump de governar, criando narrativas sem o mínimo de fundamento […]’. Basicamente em algumas universidades americanas, Columbia é uma, os(as) professores e alunos(as) israelenses ou judeus(ias) foram impedidas de entrarem no campus. Amplamente noticiado por la. Também foram feitas contratações e admissões com base no DEI, diversidade, equidade e inclusão. Que não passam de criações de cotas com outros nomes. Independentemente do curriculo, das realizações e do mérito.

  14. Harvard tem um fundo de investimentos de 53 bilhões de dolares. MIT não tem fundo, mas recebe muito dinheiro do departamento de defesa ianque porque é uma das principais instituições de engenharia do mundo (não é direito, ciencias sociais, etc). Alas esta na frente na junção biologia-tecnologia. Princeton, que também tem cursos na area de tecnologia fortes, tem um fundo de 34 bilhões de dolares. Fica atras de Harvard e Yale que tem um fundo de 42 bilhões de dolares.

  15. ‘[…] para designar o fenômeno das fake news (outro mazela) nas redes sociais.’ Querem ‘regulamentar’ as redes sociais para promover o discurso unico e taxar. Bem simples. Ninguém falando em inflação, conta do supermercado, preço dos combustiveis. Todos falando do ‘desemprego’, do PIB, do bolsa não sei o que. Porque objetivo não é melhorar a vida da população, é fazer parecer que esta tudo bem para conseguir reeleição. Simples assim.

  16. Uma empresa ianque de midia chamada Jubillee tem uma serie chamada ‘Surrounded’. Uma pessoa sentada numa cadeira cercada por vinte ou vinte cinco opositores. Em março deste ano um medico ficou no meio, cercado por 20 manés antivacina. Objetivo, obvio, é esclarecer, não ter ganhos politico-eleitorais.

  17. ‘Doença da razão em gente que, sem base alguma, ou metida a entendida, propaga saberes oriundos do senso-comum,[…]’. Estes também são os anti-negacionistas. Sim, porque para ficar ‘chamando os outros de nomes’, vamos combinar, não precisa muito raciocinio. Basta colocar a cachorrada para ‘acoar’.

  18. “O que está em jogo é o futuro da civilização, ao menos como a conhecemos”. Sim, o mundo vai acabar. Kuakuakuakuakuakuakua!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo