Pelos teus inimigos, os conhecereis? – por Amarildo Luiz Trevisan
“E quando a política se ajoelha diante da fé... as bombas já não demoram”

Existe um velho ditado que diz: “Diga-me com quem andas, e eu te direi quem és.” Mas talvez, nos tempos de agora, valha mais perguntar: “Diga-me quem são teus inimigos, e eu saberei o que temes – ou em quem te transformaste.”
O Irã, esse país de desertos, petróleo, bons filmes e poesia, de antigas civilizações e tapeçarias ricas de saberes, hoje aparece nas manchetes do mundo como epicentro de ameaças, conflitos e discursos inflamados. Mas, por trás das bombas e dos nomes difíceis de pronunciar, há uma história. E história, como bem sabemos, é sempre feita de gente, de escolhas – e de desvios.
Desde o reino de Elam, lá em 2800 a.C., o território que hoje chamamos Irã conheceu reis, impérios, sábios, místicos e revoluções. O reino de Elam foi uma das primeiras civilizações do atual território iraniano, fundada no sudoeste do Irã. Elam foi um dos grandes impérios do Crescente Fértil e teve importância estratégica, política e cultural na Antiguidade.
E o Irã também conheceu algo que o Ocidente lutou séculos para aprender: que fé e poder, quando se misturam sem cuidado, podem incendiar mais do que iluminar.
A Revolução Iraniana – na qual a separação entre religião e Estado foi definitivamente abolida -, aconteceu em 1979 e foi um dos acontecimentos mais marcantes do século XX. Não apenas para o Oriente Médio, mas para o mundo inteiro. Foi um movimento popular e multifacetado que derrubou a monarquia do xá Mohammad Reza Pahlavi – então aliado do Ocidente e símbolo da modernização ocidentalizante – e instaurou uma República Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini, figura central da revolução. A Constituição de 1979, que governa o país até hoje, é um retrato dessa fusão: uma democracia controlada por uma teocracia. Ou, dito de forma mais direta, um parlamento cujos limites são impostos por turbantes.
E é aí que a fé, que deveria unir, torna-se arma. Em vez de “re-ligare”, de reconectar o humano ao divino, ao outro e à terra, passa a servir como régua para medir purezas, para apontar hereges e nomear demônios. Assim, os Estados Unidos viram o “Grande Satã” e Israel, o “Pequeno Satã”. Quando o outro vira o Mal absoluto, não há diálogo possível. Só resta o míssil.
O Irã, que já foi berço de Rumi, o poeta e místico sufi do século XIII, conhecido por sua poesia espiritual que transcende religiões e culturas, hoje é padrinho de milícias. Financia o Hamas, apoia o Hezbollah, empurra os Houthis para o campo de batalha. E, no jogo geopolítico das sombras, tenta construir sua própria bomba para, quem sabe, tornar-se intocável – mesmo que, para isso, precise sacrificar a paz do mundo.
Enquanto isso, Israel responde com fúria. E a Faixa de Gaza sangra. O céu, que poderia ser lugar de estrelas, vira rota de drones. E a música – aquela que tocava no festival de música eletrônica que ocorria no sul de Israel, próximo à Faixa de Gaza, e que foi brutalmente atacado por membros do Hamas em 7 de outubro de 2023 – é silenciada por tiros e gritos. Ao menos 260 jovens foram assassinados nesse massacre, o que desencadeou a ofensiva israelense contra Gaza.
Aí voltamos à nossa pergunta: pelos teus inimigos, os conhecereis?
Sim. Porque quando um país chama o outro de Satã, não está apenas descrevendo o outro. Está revelando o modo como vê o mundo: como uma guerra entre luz e trevas, entre os puros e os impuros, entre os salvos e os condenados. Isso não é política – é cruzada.
Mas a cruzada, ao contrário do que prega a fé, não salva. Ela devasta. Não reconcilia. Ela separa. Quando a religião domina a política, nascem os radicais. Quando a política domina a religião, nasce a manipulação. Nos dois casos, a fé vira ferramenta – e a população vira alvo.
Religião sem escuta vira grito. Política sem dissenso vira tirania. Fé sem dúvida vira fanatismo. E democracia sem pluralidade vira… o que mesmo?
Por isso, que essa história nos sirva de espelho, não de espetáculo. Que não nos encantemos com quem transforma a fé em palanque, nem com quem faz do palanque um púlpito. Que não compremos a ilusão de que há salvação da política por decreto de fé. Que duvidemos – porque duvidar é também um jeito de amar a verdade.
Se porventura deixarmos que o delírio nos guie, por descuido ou cegueira, começarmos a dividir o mundo entre anjos e demônios, bons e maus, santos e pecadores – lembremo-nos: talvez estejamos apenas abrindo caminho para que tudo termine… debaixo das bombas.
Como em Gaza. Como no Irã. E em tantos outros lugares onde o culto virou comício, o altar virou palanque, e o púlpito, palco de slogans. Onde a fé, em vez de consolar, começa a ordenar. E onde o sagrado, tão íntimo e profundo, passa a servir ao espetáculo do poder.
Na hipótese trágica de nos entregarmos ao fanatismo travestido de virtude – que aqui também não nos falte memória. Porque o solo já está fértil: bancada religiosa, nós temos. Falta apenas a unção final – o “ungido”, como alguns já ousam proclamar.
E quando a política se ajoelha diante da fé – não por reverência, mas por cálculo – as bombas já não demoram. Primeiro, elas explodem lá fora. Depois, no coração das nossas cidades, das nossas casas, das nossas consciências.
E então, será tarde – o caldo terá sido entornado, e nenhum arrependimento saciará a sede de quem negou a escuta.
(*) Amarildo Luiz Trevisan é licenciado em Filosofia, mestre em Filosofia (UFSM), doutor em Educação (UFRGS) e pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Tem formação teológica pela Diocese de Goiás. É Professor Titular aposentado da UFSM e atua no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM). Publicou diversos trabalhos, entre eles o livro Terapia de Atlas: Filosofia da educação no contemporâneo (EDUCS, 2020). Ele escreve no site aos sábados.
Resumo da opera. Apostaria que esta baboseira foi provocada pelo fato dos evangelicos, ou neopentecostais, como queiram, apoiam Cavalão e não o Rato Rouco. Não é preciso ir longe, a Igreja Catolica tem suas atividades monitoradas pela Associação Catolica Patriotica Chinesa. Tudo no Estado, nada contra o Estado e nada fora do Estado. Inclusive a gastança.
‘Depois, no coração das nossas cidades, das nossas casas, das nossas consciências.’ Quem tem ‘consciencia’ são os vermelhos, Sindrome de Grilo Falante.
‘Mas a cruzada, ao contrário do que prega a fé, não salva. Ela devasta. Não reconcilia. Ela separa. Quando a religião domina a política, nascem os radicais.’ Não é tão simples. Vide Estado Islamico. Vacuo criado pela saida dos Ianques. Milhares de jovens, homens e mulheres, sairam da Europa e aderiram ao ‘Novo Califado’. Não via politica, via religiosa.
‘ Isso não é política – é cruzada.’ Melhor dizendo é uma Jihad. Cruzada é um termo que não se usa desde a idade média. Civilização ocidental, América do Norte e Europa Ocidental, são vistos como decadentes, uma ofensa aos olhos divinos para alguns. Independentemente da religião os muçulmanos também sofrem quando perdem seus parentes. Vamos combinar que os costumes ianques se expandiram pelo planeta, para algumas sociedades uma ameaça. Vide o que os governos democratas fizeram no Afeganistão. Universalismo ocidental gerando conflitos.
‘Sim. Porque quando um país chama o outro de Satã, não está apenas descrevendo o outro. Está revelando o modo como vê o mundo: como uma guerra entre luz e trevas, entre os puros e os impuros, entre os salvos e os condenados.’ Não existe guerra sem ‘desumanização’ por falta de palavra melhor. Guerras são dirigidas do ar condicionado, mas são combatidas no ‘chão de fabrica’. Taxa de suicidio entre os veteranos de guerra ianques é o dobro da população paisana.
‘Ao menos 260 jovens foram assassinados nesse massacre, o que desencadeou a ofensiva israelense contra Gaza.’ Não foram quaisquer jovens. Os kibbutzim e os jovens atacados faziam parte da população que apoiava a solução de dois Estados, muitos socialistas.
‘A Constituição de 1979, que governa o país até hoje, é um retrato dessa fusão: uma democracia controlada por uma teocracia.’ Conceito de ‘democracia’ dos vermelhos é diferente. Uma democracia onde as candidaturas podem ser vetadas pelos religiosos.
Revolução Francesa começou e ninguém sabia como iria terminar. Alas, Mao estava em baixa e resolveu emular, inventou a Revolução Cultural. Revolução Francesa resultou em Napoleão. Cultural em Deng Xiaoping. Grosso modo.
Bom lembrar que, apesar da fé de alguns, processos historicos não tem efeitos determinados previsiveis. Mao Tse Tung poderia ter perdido para Chiang Kay Shek. Cujo partido defendia democracia, mas também nacionalismo, Confuncionismo e elementos de fascismo e socialismo.
Existe um Partido Comunista iraniano hoje em dia. Mas fica na parte mais ou menos controlada pelos curdos.
Revolução Iraniana. Vide ‘A grande guerra pela civilização’. Robert Fisk. Jornalista. Muito do oriente médio, mas la pelas tantas começa a contar a historia do pai dele. Jornalistas são apaixonados pelo proprio umbigo. De qualquer maneira existiu (talvez ainda exista) um partido marxista-leninista chamado Tudeh no Irã. Apoiou a revolução. Participou de eleições. Rachou. Parte apoiou os religiosos. Que eventualmente ‘passou o rodo’ nos comunas.
Existe o ditado sobre as companhias, é certo. Mas, já que o assunto é também religião, J. Cristo andava com pessoas no minimo controversas na epoca. Mateus, o evangelista, era coletor de impostos, nada popular. Perdoou uma adultera. Cabem também digressões criminologicas, labeling approach e o escambau. Ou seja, muita calma nesta hora.