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O nó górdio da educação – por Jorge Luiz da Cunha

Consta que, no século VIII antes do início da era cristã, um rei da Frígia, uma região na atual Turquia, na Ásia Menor, morreu sem deixar herdeiro para sucedê-lo no trono. O oráculo do templo dedicado a Zeus foi consultado e profetizou que o próximo rei chegaria à capital Hierápolis com sua família numa carroça puxada por duas parelhas de bois. A profecia foi cumprida por um camponês chamado Górdio.

Coroado rei, Górdio, para não esquecer sua origem humilde, mandou que amarrassem a carroça que o trouxe à capital, às colunas do templo de Zeus. Isto foi feito com um nó impossível de desatar. Quando o rei camponês morreu, seu filho Midas assumiu o trono. Expandiu o império da Frígia como resultado de uma espantosa sucessão de vitórias.

Talvez por isso se associe seu nome à lenda do rei que transformava em ouro tudo o que tocava. Midas reinou por muito tempo e morreu sem deixar herdeiro. O oráculo do templo de Zeus novamente foi consultado e profetizou que quem desatasse o nó feito por Górdio, para amarrar a carroça as colunas do templo, seria o novo rei e conquistaria imensos e ricos territórios a começar por toda a Ásia Menor. 

Passaram-se quase cinco séculos sem que ninguém conseguisse desatar o nó. O rei da Macedônia, Alexandre (o Grande) em viagem de conquista pela Frígia soube da história e, intrigado pelo feito de Górdio, foi até o templo de Zeus. Contam que observou introspecto durante algum tempo o nó e então, subitamente, desembainhou sua espada e o cortou. Depois disso, Alexandre, em menos de dez anos, conquistou um imenso império, tornando-se senhor não somente de toda a Ásia Menor, mas de vastos territórios que se estenderam até a Índia.

É desta história da mitologia grega que nos vem a expressão “cortar o nó Górdio”, ou seja, resolver um problema complexo e aparentemente insolúvel de forma simples e eficiente. O relato sobre Górdio, que pode ser associado como arquétipo a vários aspectos de nossas vidas cotidianas, serve muito bem para refletir sobre o problema aparentemente crônico da educação brasileira. Um dos mais graves problemas da educação no Brasil é sem dúvida a baixa correspondência entre os resultados esperados pela sociedade e os recursos aplicados.

Desde a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, os orçamentos dos governos federal, estaduais e municipais têm destinado volumes crescentes de recursos financeiros para a educação. Isto coloca o Brasil bem próximo das metas fixadas pela UNESCO como adequadas para investimentos neste campo. Contudo, por outro lado, continuamos com os índices associados à qualidade da educação muito próximos aos piores alcançados pelos países mais pobres do mundo.

Qual é o Nó Górdio da educação brasileira? Como será possível desatá-lo? Que políticas de Estado e que ações de governo poderão cortar este nó? – São perguntas que necessariamente se apresentam quando se toca na questão problemática da educação em nosso país. Com certeza o problema é bem mais complexo do que as poucas reflexões que podem caber numa página escrita. Caso contrário, o volume de pesquisas, publicações, relatórios, experiências e os profusos (… e não raros confusos!) discursos já teriam produzido resultados mais visíveis.

Há problemas relacionados à base social que a educação deve atender. Há problemas de concepção e de metodologia na execução das políticas educacionais no Brasil. Há problemas na formação de professores e na relação entre os diferentes níveis da rede escolar brasileira, principalmente entre a universidade (lugar por excelência de formação e de pesquisa) e a educação básica. Paulo Freire, o internacionalmente reconhecido pedagogo brasileiro, afirmava que “Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo, educo e me educo.”

Sem dúvida, enquanto a educação brasileira reproduzir o modelo ultrapassado que reduz as práticas escolares (em todos os níveis) a mera transmissão de informações, o Nó Górdio vai continuar esperando que o desatem. Ninguém educa, mesmo que o faça na melhor das intenções, quando somente passa a matéria ou transmite o conteúdo. As informações, associadas ao campo próprio do conhecimento de cada disciplina, devem ser a matéria-prima com a qual o educador e os educandos trabalham nos espaços escolares e fora deles. Uma prática que, considerando os bons e longos anos que passamos na escola (ou que deveríamos passar!), poderia nos ajudar a contribuir de forma mais criativa e produtiva para a solução dos problemas coletivos que temos e que, com certeza, teremos no futuro.

É bem provável que a solução socialmente necessária para a questão da educação no Brasil não advenha de uma nova e complexa teoria, ou da aplicação de novidades metodológicas, mas da valorização dos sujeitos envolvidos nos processos educacionais, especialmente nos espaços escolares. A nação (leia-se, nós os brasileiros!) precisa reconhecer que não há futuro sem infância e juventude protegida (alimentada e saudável), educada (informada e formada) e amada (reconhecida em valor e dignidade). Precisa reconhecer também, que a ocupação profissional com a educação não se faz com improvisos. Professores educadores devem ser preparados por instituições universitárias sérias e responsáveis, estimulados por perspectivas de realização profissional e pessoal que passam necessariamente por retribuição financeira digna.

Não creio que nenhum herói sozinho, como Alexandre o Grande, possa resolver o problema da educação no Brasil. Deposito minha fé na reflexão, discussão e ação coletivas. Em cidadãos que reconhecem que somente sujeitos educados são verdadeiramente livres. Capazes de reconhecer a si próprios em valor e dignidade, e, em o fazendo, reconhecer valor e dignidade em todos os demais seres humanos. Há garantia maior de futuro do que esta? Há possibilidade maior de felicidade individual e coletiva do que esta?

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