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Amanheceu – por Alice Elaine Teixeira de Oliveira

aliceEra manhã, pelo menos deveria ser, pois seus olhos ainda pesavam e o corpo implorava por mais tempo na cama, um pouco mais de preguiça, mas o dia já estabelecido a empurrava pra fora do leito.

Costumava dormir tarde, pois a noite lhe fazia bem. O problema sempre foi levantar na manhã seguinte. Dores de cabeça, antes mesmo do café. E seu ritual era sempre o mesmo, dois comprimidos, um copo de água e mais 15 minutos debaixo de um travesseiro.

Porém, nem sempre foi assim. Ela costumava acordar ao cantar dos canários, o alvoroçar dos pássaros já era o suficiente para despertar, espreguiçar e começar sua rotina matinal, mas agora, a noite se estendia até a madrugada e as suas manhãs duravam apenas umas duas horas antes do almoço.

Mas, não importava a hora na qual acordasse ela precisava tomar um café! Preto. Com pão, bolacha ou qualquer outra coisa não funcionava. A despensa sempre muito bem abastecida, muitas coisas que não consumia, e que acabava por juntar tudo e fazer doações para escolas, creches e lares de idosos. Todo mês, no mesmo dia e horário, os responsáveis pelo recebimento das doações recolhiam as caixas etiquetadas e devidamente deixadas na frente da casa.

Poderia até almoçar logo em seguida, mas o café nunca foi dispensado.

Era uma mulher que não usava chinelos regularmente, na verdade era muito difícil coloca algo nos pés, costume que lhe acompanhava desde criança.

– Põe um calçado, Ella. – pedia sua mãe ao vê-la correr pelos jardins como o vento, sumindo rapidamente da vista e do alcance da voz.

A menina cresceu, mas a criança não. Ainda brinca de esconde-esconde por entre as paredes e labirintos de seus pensamentos.

Como todos os dias, ela inspira o ar profundamente, mas logo espirra. Este é outro ritual da manhã! O espirro é um dos  reflexos mais antigos que lhe acompanha, acontece todos os dias, várias vezes e por vários motivos. É irritante, mas tão costumeiro que já desistiu de reclamar por causa deles. Outro dia comum, é o que pensa, no qual findará na madrugada do dia seguinte…

Após a habitual higiene matinal, caminha por entre o corredor pensando nos passos seguintes a serem dados neste novo dia: encher a chaleira com água, acender a chama do fogão e esperar…

Enquanto a água ferve, arruma a mesa para si e serve a tigela para sua gata, que roça em suas pernas ao ponto de desequilibrá-la. Quase a derruba e esparrama toda aquela ração fedorenta no chão. Valeria uma repreensão para a bichana, mas ela sabe que logo perderia a vontade de fazê-la, pois o desejo de afagar os pelos macios e ouvir o ronronar de satisfação era mais forte que a disciplina.

Serviu a xícara até o meio com água quente, usava uma colher pequena de café puro e instantâneo, pois costuma beber muitas xícaras durante todo seu dia. Um café passado, geralmente, é mais forte, mais encorpado e mais saboroso, porém dá mais trabalho para aprontar e este deve ser o real motivo pelo qual ela não o prepara tão seguidamente.

Sentou-se à mesa e tirou um pão da embalagem. Café preto e pão puro, um pão francês dormido e macio, não suporta o pão seco e crocante, pois machuca o céu da boca e ela já está cansada de sofrer.

Mordia o pão e bebia um gole de seu café fraco, numa sincronia constante até o fim do dejejum. Sem pronunciar uma palavra sequer. Seu olhar era distante como se pensasse em algo importante, mas não, ela não pensava em nada.

Ao terminar a refeição levantou-se e foi abrir as cortinas da grande janela de vidro, pois seu dia só começa verdadeiramente quando termina o café, antes disso é noite ainda, mesmo que o sol esteja à pino. Apertava os olhos, num reflexo de proteção contra a luz do sol, puxava a báscula e antes que visse a paisagem do seu jardim, aos fundos da casa, voltava a fechar a cortina, só então abria seus olhos claros, verdes como a relva, pois a grande luminosidade do dia lhe dava enxaqueca. Sensibilidade à luz era uma herança de família.

O telefone toca!

Ele nunca toca! Ninguém liga!

Quem será? Sobre o quê será?

Campainha insistente. É a segunda vez que toca o telefone, nesta manhã.  Não atendeu da primeira vez que tocou, mas ficou preocupada, muitas dúvidas, receio de saber as respostas. Seria apenas engano? Morte, nascimento, prêmio da TV ou algum vendedor de cartões de crédito?

Mas, ele insiste, terceira série de toques. Deve ser algo sério, quase ninguém tem este número e ninguém liga. Todos que a conhecem sabem que não gosta de telefones, detesta este som agudo e irritante nos ouvidos. Tem um telefone porque em algumas raras ocasiões ele parece útil. Porém, deveria ter comprado aquele equipamento com secretária eletrônica e que identificasse o número, mas, pensou no pouco uso do aparelho e deixou a oportunidade passar.

Sentou na poltrona ao lado da mesinha do telefone e ficou ali parada, olhando fixamente, mas com a mente divagando sobre tantas possibilidades e decidiu atender apenas se tocasse pela quinta vez, assim, descartaria os vendedores, trotes e programas de TV.

E, pela quarta vez, recomeçam os toques.

Olhou pelas frestas da veneziana da janela, na sala sempre fechada, procurando por alguém com algum telefone móvel em frente a sua casa, às vezes é assim que lhe chamavam a atenção pra abrir a porta, já que a primeira coisa que ela fazia ao mudar para uma casa nova era desconectar os fios da campainha, e seu portão, que sempre ficava chaveado, ficava a alguns metros da casa.

Teve alguma dificuldade para ver, pois a vegetação do jardim cobria grande parte da vista, apenas uma parte das grades do portão poderiam ser vistas, mas não há ninguém lá fora…

O barulho cessa. Os minutos passam, e o silêncio da solidão é retomado. Tornou a sentar-se na poltrona e relaxar, afinal, não devia ser tão importante o assunto, pois não insistiu o suficiente. Mas este episódio a fez lembrar-se do trauma que tem com telefonemas.

De súbito, novamente, aquele som volta a ecoar pela casa. Ela reage com um sobressalto, como se ouvisse um tiro rompendo o ar. O coração agita-se como há muito não ocorria.

Agora não há desculpa, é a quinta chamada do telefone desta manhã, já não é uma manhã tão comum como estava acostumada…

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