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Minha Pátria, Minha Língua – por Pylla Kroth

“Hoje vou enfiar o pé na porta.” A frase é de de Mick Jaegger do Rolling Stones. Aqui no Brasil “enfiar o pé na jaca” ficaria melhor traduzido. Por quê? Porque, creio eu, este é o verdadeiro sentido do Rock ‘n’ Roll, quando surgiu em nossas vidas: entrar na festa, por que ela não tem dono, ou pode até ter. É a oportunidade também de colocar pra fora tudo. Dar um banho de sol ao nosso lado animal, fazer uma faxina cerebral, dançar, pular, protestar, enfim, pra que tudo tenha caminhos retos. E de preferência saídas.

A cada novo trabalho rock que faço e lanço no mercado, alguém me pergunta: “e nada em Inglês, Pylla?” Respondo de boca cheia: “Minha pátria, minha língua.” Vem a minha mente o busto de Manoel Bandeira na entrada da minha escola primária. E me encho de orgulho.

O que eu vejo na reação da maioria das pessoas é que em português as letras são bem mais aceitas. E digo mais: existem vocábulos que só fazem sentido em português, da mesma forma que ocorre com certas expressões em outros idiomas. E como acontece cá pra nós gaúchos, existem ainda os regionalismos, ou seja modos de nos expressarmos específicos do território, que dicotomizam ainda mais a linguagem. E isso de certa forma até mesmo facilita as coisas que quero dizer na minha música. Coisas da minha terra, da minha gente, do nosso cotidiano e de nossas encrencas pessoais e políticas, ora amargas, ora doces.

Quando tive a oportunidade de visitar vários países europeus, logrei muitas entrevistas em FMS em horários nobres de audiência. Como foi o caso da rádio Cidade de Lisboa, Frankfurt na Alemanha. Levei comigo vários trabalhos locais e autorais de colegas músicos e integrantes de bandas entre os meus, pois acreditava e continuo acreditando na força da música nossa como num todo, e se não gostassem da minha, quem sabe gostariam de alguma outra talvez? E nessa penca de álbuns estava incluso um CD produzido na cidade e considerado um marco na época, no estado, o ELO I, com gravações apenas de bandas daqui. Aí os diretores das rádios que visitei, geralmente chamavam os comunicadores e as pessoas de “plantão” para ouvirem “o rock brasileiro, da cidade de Santa Maria, interior do estado do Rio Grande do Sul”. E eu bem garboso no meio dos gringos. Uma reação me chamou atenção durante estas ocasiões: eles se olhavam, falavam rápido para que eu não pudesse entender a língua deles. Até que não agüentei e perguntei: “Afinal, sejam sinceros comigo: o que vocês acharam do nosso rock?” E a resposta foi: “O inglês de um latino nunca vai ser perfeito.” Chega a ser gozado, diziam.

Isto levei ao pé da letra na minha vida, pois, engraçado mesmo, nunca vi ou ouvi um gringo pronunciando com perfeição o nosso rico português! Frank Sinatra cantando “Garota de Ipanema” é “de matar”. E quanto ao Inglês o mesmo acontece. Com raras exceções. Existem muito poucos falantes não-nativos que realmente dominam a pronúncia. Talvez daí minha escolha em compor e cantar em Português.

Agora quanto à “pegada”, o ritmo, isto sim, tem que ter sotaque gringo. O instrumento, a guitarra, o baixo e a bateria, são os mesmos para todos em nosso planeta, é uma linguagem universal. Foram eles que inventaram “esse tal de Rock ‘n’ Roll” mesmo. A cada vez que este assunto surge, chega até dar briga. Por isso resolvi pensar por mim e pelo meu grupo, deixando claro que isso é opcional, mas decidi que o meu rock é Gaúcho Santa-mariense, Brasileiro e em bom Português mesmo.

Há pouco tempo esse assunto passou a ser manchete na rede social com debates infindáveis e pasmem, lá no território gringo estão de certa forma reforçando tudo aquilo que já tinham me dito. E desta vez quem deu o ar da opinião, foi um dos mais importantes produtores musicais de nossa geração. A declaração foi de Jack Andino, produtor tarimbado por ter trabalhado com Nirvana e toda uma geração divisora de águas como o grunge de Seattle. Produzindo bandas como South Garden, Pearl Jam, Stone Temple Pilots, enfim. O cara desabafou sobre as bandas brasileiras: “Por que vocês cantam em inglês? Eu não consigo entender uma palavra!”

Este Andino não é nenhum extraterrestre para a música brasileira. Só do Titãs ele fez 4 discos. Trabalhou com Nando Reis em 3 discos, colocando até as guitarras no estúdio. Este é o gringo falando agora, não é o Pylla e devido às reações alteradas de alguns, ele disse: “desculpem, eu não queria deixar ninguém brabo. Não estou rindo de vocês. Obviamente não estou ouvindo as bandas certas e obviamente estou completamente errado. Mas escutem-me. Eu não entendi isso quando estava na Alemanha, Portugal, México ou na Itália. Parece estranho para  mim uma banda escrever letras de rock em uma língua que não é a sua nativa.”

E ele diz mais: “Eu sei que o rock’ n’ roll não tem regras e você é livre para cantar em uma língua que nem todos do seu país vão entender. Mas se você não é bom naquela língua, ninguém irá entendê-lo. Estará cantando para ninguém. Como isso pode ser inteligente para a carreira de uma banda? A maioria dos grupos têm problemas suficientes em ser  reconhecidos em suas próprias cidades. Se você está pensando que a sua cidade não importa e espera fazer sucesso fora do país, não esqueça que irá competir com um milhão de bandas cujo inglês é nativo, que vivem e tocam lá, enquanto você, não. Então, você não pode ser apenas ‘OK’, você precisar ser o melhor. Alguém precisava dizer isso, mas não o fiz muito bem. Agora estou dizendo”

Quanto a mim, o que mais posso dizer? Viva o Rock de Santa Maria, Viva o Rock Gaúcho, Viva o Rock Brasileiro. Que em tempos, está arrasando.

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