E agora José; José para onde? – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
O inigualável Poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu lindíssimo Poema “JOSÉ” versificou: E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e, agora, José (…) José, para onde?. Este poema de Drummond materializa, sem sombra de dúvidas, uma questão que têm instigado o ser humano, desde que deu o salto dialético de uma vida com necessidades biológicas para um ser dotado de Razão e, consequentemente, com necessidades sociais e culturais, a fazer as ontológicas questões: quem sou?, de onde vim? E, para onde vou?.
A consciência das incertezas que configuram a vida humana e o desejo e necessidade de querer se localizar no mundo têm mobilizado filósofos, cientistas e artistas a se debruçarem sobre seus campos para tentar produzir possíveis respostas para essas singulares questões.
O ser humano, o mundo e o conhecimento se desenvolveram, felizmente, e devido a essa nossa capacidade de nos interrogarmos e, nosso histórico não contentamento com as condições biológicas e culturais que vivemos no e com o mundo.
Do machado primitivo, feito de pedra, ao raio lêiser, como instrumentos de trabalho que modificaram e modificam o mundo representam formas de vida, absurdamente, distintas.
Ao investigar e refletir sobre esse perene vir-a-ser outro, do humano e do mundo, a Arte, a Ciência e a Filosofia têm apontado, de forma uníssona, que somos, inexoravelmente, provisórios e repleto de incompletudes. No âmbito da Filosofia, com Hegel(sec. XVIII),o trabalho, nas suas diferentes dimensões, tem se instituído como um elemento que faz a mediação entre o ser humano singular, suas relações sociais e com o mundo da natureza. No mesmo contexto filosófico, o ser social ao trabalhar muda a natureza exterior e, ao mesmo tempo, transforma a sua própria natureza.
Isto quer dizer que com o avanço da Ciência e a Arte, como formas de trabalho, o ser humano vai evoluindo seu conhecimento e, ao mesmo tempo, desenvolvendo seu pensamento e suas formas de pensar. A Filosofia, a Arte e a Ciência são mediações que vêm, historicamente, fazendo com que a humanidade desenvolva suas condições objetivas e subjetivas.
George Lucks afirmou que a transformação da pedra em um instrumento de trabalho foi uma das maiores abstrações que o ser humano já produziu em seu devir histórico. Do tempo do machado primitivo, em nosso longínquo passado, a criação do Raio lêiser existe uma diferença cognitiva ou abissal. Aí é que entra a nossa questão inicial, na contemporaneidade, José, para onde?
Nas últimas décadas, com o advento das novas tecnologias, as relações sociais vem sofrendo transformações profundíssimas. O desenvolvimento da informática e, consequentemente, o aprimoramento das chamadas redes sociais têm nos colocado em sui generis formas de nos relacionarmos.
É inquestionável que a revolução que foi produzida em nosso dar-se conta de quem somos e como acessamos os bens culturais produzido no mundo é assustadoramente diferente do tempo que vivíamos na dependência do telégrafo, do telefone e do correio. Na contemporaneidade acessamos, instantaneamente, o que as diferentes ciências e as diferentes linguagens das artes estão produzindo no mundo todo.
A questão que nos angustia é a seguinte: como estamos lidando com essas novas formas de nos relacionarmos e como isso vai influenciar em nossas novas formas de ser nesse vir-a-ser outro através dessas novas mediações?
Obviamente que darmos respostas simplistas não nos ajuda a pensar sobre nós e sobre nosso mundo. O futuro, na prática, não existe. Pensar em futuro é uma forma metafísica de, racionalmente, escamotearmos as possibilidades de entendermos nosso estado social e físico-químico.
Sem sonegar esses avanços, teóricos e práticos, do desenvolvimento do nosso acesso ao mundo da cultura e suas consequências nas metamorfoses que vem ocorrendo no processo do trabalho, já podemos sentir algumas consequências na vida social. Se as mediações das diferentes formas de trabalho são essenciais para a transformação da humanidade e do mundo, as novas tecnologias têm produzido o aprofundamento no processo de individualização, da grande maioria, dos seres humanos.
As pessoas estão estabelecendo relações virtuais umas com as outras e, consequentemente, perdendo o fabuloso prazer que é a vivência real, efetiva e afetiva com os outros. O mundo das trocas e das mercadorias, e sua ideologia liberal, em sua essência, é totalmente individualista e egoísta. Imaginemos quão nefasto pode se tornar ferramentas que, cada vez mais, vai levando as pessoas ao seu fechamento em seus escafandros ou em seu ostracismo?
Quando nós andamos por todos os possíveis espaços urbanos visualizamos, a maioria dos cidadãos, apaixonadamente apegados aos deus celulares e computadores e indiferentes ao mundo que os circunscrevem. Se é positivo ou não essas práticas é que vem nos preocupando.
Ao pensar nas crianças e jovens podemos constatar que as brincadeiras e o convívio a céu aberto está sumindo de nossa urbanidade. Campinhos de futebol, ou qualquer jogo e brincadeiras coletivas estão sumindo de nosso campo de visão.
Como pessoas que pensam sobre a vida e narramos nossas reflexões, ficcionais ou não, ficamos, deveras assustados, com a falta de convívio com os outros e com todos os elementos pictóricos que a natureza pode nos oferecer. Qual será o campo de narrativa de crianças e jovens que, em função dessas novas tecnologias, não desfrutam mais do brinquedo coletivo e da riqueza que a urbanidade nos propicia?
A Neurociência, a Filosofia e a Psicologia vem, historicamente, afirmando que o que somos, assim somos em função de nosso convívio social. Ou seja, o ser do outro é fundamental para a definição e a nossa constituição como ser. Voltando a Hegel, ele afirmava que somente sou e dou-me conta de meu ser quando me reconheço e dou-me conta do ser do outro. Na esteira da Filosofia e da Arte, a Psicanálise vai afirmar que o nosso psiquismo é extremamente constituído e caracterizado pela história de nosso convívio com os demais.
Para os dois maiores psicanalistas da História da Psicanálise, Freud e Lacan, a dinâmica psíquica de um indivíduo é absurdamente influenciada pelas relações e a história das relações que esse estabelece com os outros. A uma relação dialética entre as diferentes instâncias psíquicas no ser humano. Para esses psicanalistas, Ego, Eu e supereu são interdependentes. O surgimento de traumas ou para a evolução psíquica de um indivíduo, os registros psicológicos que nosso Supereu absorve socialmente é determinante para nossa vida e para a história de nossa forma de vida.
Nesse mesmo contexto, o pensamento filosófico dialético vai afirmar que o ser humano singular é um produto histórico de suas relações sociais com os outros e com a natureza e, ao mesmo tempo um produto da história dessas relações.
Para o pensamento elegante e generoso sobre a vida, podemos dizer que, os outros são nossa nau de evolução, porto seguro e aconchego na vida. Na vida desumanizada e egoísta que caracteriza o pragmatismo liberal, a norma de conduta, é nos escondermos e nos abrigarmos dos outros.
Um ditado de senso comum, altamente usado em nosso cotidiano é: a minha liberdade vai até onde começa a do outro. Não existe uma síntese ideológica do liberalismo que esse pensamento. O ser do outro é um obstáculo e empecilho do nosso ser.
Todo esse aparato ideológico que, queiramos ou não, circunscrevem a nossa vida em sociedade são instrumentos teóricos e práticos que convergem para uma filosofia de vida individualista e, portanto, egoísta. Ao acrescentamos as novas tecnologias e as redes sociais que parecem indispensáveis para crianças, jovens e adultos tocarem suas vidas é que nos causam a seguinte preocupação: será que não estamos formando seres humanos cada vez mais individualistas e isolados num mundo virtual e, altamente favorável ao liberalismo, ao capital e para seus ideólogos?
Assistimos cotidianamente que as pessoas estão num restaurante e não largam seus celulares, fazem uma festa e, em vez de curtirem seus amigos presentes estão trocando mensagens com seus amigos virtuais. Quando fazem um passeio por lugares com natureza exuberante, suas preocupações é produzir o maior número possível de self para posteriormente curtirem no Facebook.
Para encerrarmos essas nossas primeiras aproximações e reflexões sobre o tema voltamos ao grande Drummond quando coloca no último verso: sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde?
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