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A máquina do tempo – por Pylla Kroth

A forma não-presencial mais antiga do homem se comunicar a distância é através da escrita. Isso é fato.

Inúmeras vezes comentei que aos 10 anos de idade fui assessor gráfico em um jornal,  composto por aquela gigantesca máquina de encher os olhos de qualquer menino curioso, a Linotipo. Antes, havia trabalhado na mesma gráfica, porém o jornal era feito tipograficamente, ou seja, pegava a régua, juntava letra por letra até compor o texto, depois era amarrado o texto com um cordão e assim íamos montando as páginas. Mas com a chegada da Linotipo a coisa ficou mais curiosa, pois esta fundia em bloco cada linha de caracteres tipográficos e com um teclado maravilhoso como o da maquina de escrever, todas unidas, fazia a composição e fundição numa mesma máquina.

Esta maravilha, que segundo  comentário feito em certa ocasião por Thomas Edison se trataria da “oitava maravilha do mundo”, foi inventada por um alemão que levava o primeiro nome de meu pai, e isso me enchia de orgulho, se chamava Ottmar Mergenthaler. O nome da geringonça tem origem inglesa: Linotype, “linha de tipos” e foi talvez a mais importante contribuição para o avanço das artes gráficas desde o surgimento dos tipos móveis desenvolvidos por  Gutenberg, há quase 600 anos.  Aquilo pesava quase uma tonelada. Quando desembarcou na minha cidade foi um evento!

Ponho-me a escrever à respeito porque, dias atrás, um menino entrou em minha casa e perguntou: “o que é aquele negócio ali, tio?”, olhando com olhos curiosos e brilhantes para a velha máquina de escrever de um jornalista da minha família, que não está mais entre nós, e que tenho como herança. Por segundos, me calei. Olhei bem nos olhos do menino e na minha cabeça o tempo parou, ou melhor, voltou, e voltou bem lá atrás. Naquele momento me senti velho mesmo. Me deu aquela dor no peito da saudade. “Isto é uma máquina de escrever textos, mas não se usa mais”. Ele pareceu espantado “Mas por que? é tão bonita!” . “Pois é”, respondi, “Hoje tem o computador e  bla-bla-bla…”. Mas assim que o menino saiu de minha casa com o pai dele, sentei no silêncio de mim mesmo e fiquei por mais de meia hora relembrando o passado e aqueles tempos que não voltarão jamais.

Agradeço à vida por estar com meu cérebro em dia. Depois de o menino sair, fiz uma viagem no tempo. E assim fiz uma destemida viagem na evolução gráfica , tipografia, linotipia, off set plana, rotativa, e por última com seleção de cores. Dentro de oficinas de jornais, atuei em todas áreas: composição, revisão, fotolitos , montagens, enfim. Por vezes até escrevi alguns pedaços de textos incompletos, de alguns jornalistas desatentos.

Conheci todos tipos de letras e, acima de tudo, todo tipo de jornalista. Não vou entrar no mérito, mas como aqueles jornalistas tenho a impressão que as academias jamais irão formar.  Ao menos, não daquela forma. Jornalista policial tinha um faro incrível, por vezes elucidava o caso antes do comissário de policia, e isso custou a vida de muitos deles. O do futebol, então, era melhor que o técnico do clube da cidade, sabia tudo, se deixassem escalar estava feita a seleção na ponta da língua. O fotógrafo era de arrasar no clic. O que fazia a social, este sabia da vida de toda comunidade, inclusive a privada. O cronista era o bala na escrita. O da geral, já tá no nome: “geral”.

E quem organizava toda aquela patota da redação? Ele. Ele mesmo: O editor chefe. Deste não passava nada, era uma soma de todos juntos. Por várias vezes tentei enganar o dito editor chefe, mas dava com os burros na água. Parecia que o cara tinha mais olhos do que apenas o par natural. Certa vez, tentei ludibriá-lo pelas costas com sinais pra o resto da redação, e ele, sem se virar, respondeu: “Estou te vendo, Edson, não tente me enganar”. E assim foram várias vezes, aquilo me intrigava. Até que um dia estava eu novamente em uma reunião de pauta da oficina com a redação e olhei para o fundo da sala, onde havia uma porta da sala do diretor e vi aquele vidro escuro que refletia muito bem a minha imagem. Pois o danado se posicionava estrategicamente onde enxergava o reflexo de tudo o que ocorria às suas costas. Matei a charada! Na próxima reunião, sentei em outro lugar, de frente pro dito cujo. Ele olhou bem pra mim e falou. “Oh, espertinho! Te quero sentado ali atrás, aqui você atrapalha minhas explanações”.

Eu morava a um quarteirão de distância do Jornal, e todo pessoal  da redação , oficina, e empregados em geral faziam as refeições em uma casa no meio do quarteirão, onde íamos em grupos: metade ia, e metade ficava, assim nos revezávamos. Isso despertou outra briga com minha pessoa, pois o grupo que saia comigo levava no mínimo 15 minutos a mais na referida saída. Foi aí que o editor chefe fez a campana e pegou todo grupo reunido em meu cafofo no intervalo da volta da janta, numa bela roda de fumaça.

Novamente não me perdoou. Não tinha jeito. O cara era esperto mesmo. Inúmeras vezes, talvez tentando me corrigir e me botar na linha, pediu que a direção me mandasse embora, e “mais tarde chamamos ele de volta”. Sabiam da minha importância na confecção do jornal que era diário. Certa vez, ganhei 15 dias combinado de férias , e me fui pra praia cantar meu Rock, mas ao invés de 15 fiquei 45 dias ausente. Ao voltar, parecia certo de que seria despedido, mas então ele me chamou: “Vamos acertar uma coisa, a partir de hoje você é o chefe das oficinas, toda página antes de entrar pro laboratório deve passar por tua aprovação.” Aquilo me espantou. Mas fez uma última ressalva: “ Se algo sair errado de agora em diante, será despedido por justa causa”.

E assim vivemos aqueles anos que hora me ponho a lembrar, pois foi ali que começou minha grande evolução como homem. Devo todo aprendizado da minha vida àquelas pessoas e aqueles profissionais inesquecíveis da Imprensa escrita.  De vez em quando nos comunicamos.

O dito editor chefe não mudou muito. Continua cuspindo fogo e na ativa, não sei se já não era hora de se aposentar, mas, pelo visto, ainda vai causar muita dor de cabeça, graças não mais pra mim, mas principalmente a essa geração de políticos incorretos que usam e abusam do cargo público que exercem.

Quantas boas lembranças! Dos tipos de letras e dos tipos de jornalistas. Como é bom voltar no tempo, ainda que isto só seja possível (ainda) na forma intangível das memórias! Vida longa a comunicação escrita! De preferência sem Emoticons. Mas com nosso rico e maravilhoso português e com nossa linha de tipos preservados.

OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra este texto é uma reprodução da internet.

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