Visibilidade – por Orlando Fonseca
Ao longo dos anos em que atuei, como professor e gestor, na UFSM, estive à frente dos debates sobre adoção de Ações Afirmativas na Instituição. Sempre me chamou atenção, nos Cursos nos quais ministrei aulas, a quase total ausência de alunos negros – pretos ou pardos. Em 27 anos de aulas para a Comunicação Social – depois faculdades de Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas, poderia contar nos dedos da mão o número de alunos afro-brasileiros. Esse quadro de invisibilidade só foi mudando, com a adoção de efetivas políticas de inclusão social e étnica. Agora, leio as manchetes a respeito de uma outra invisibilidade: a dificuldade em localizar e punir os protagonistas de atos racistas na Universidade.
Ainda quando debatíamos sobre a promulgação de uma Resolução, nas assembleias docentes do sindicato – Sedufsm, eu me sentia constrangido em ouvir a argumentação daqueles que eram contra. Na sala, em algumas ocasiões, havia apenas um professor negro e, em toda a UFSM, haveria apenas mais um.
Lembro do professor Joel Abílio – que sempre se posicionou favorável à adoção das Ações Afirmativas – comentando as estatísticas do vestibular, no qual eram aprovados em torno de 2% autodeclarados pretos ou pardos. Mesmo atuando junto à Coperves, em muitas reuniões ou palestras sobre os sistemas de ingresso, eu me deparei com a contrariedade a um modelo inclusivo, com o argumento do mérito.
No ano que vem, comemoram-se os 130 anos da Abolição da Escravatura. O Brasil foi um dos últimos países a eliminar de seu quadro social essa chaga e, pelo jeito, ainda tem dificuldade em apagar suas cicatrizes. Não são raras as notícias sobre atos racistas em nosso cotidiano, reflexo do nosso passado escravista e a pretensão ideológica de supremacistas brancos. Nos Estados Unidos, a questão racial é mais complexa, e o fim da escravidão foi traumático, mas a luta pelos direitos civis e adoção de Ações afirmativas, entre os anos 1950 – 1970, produziu os seus efeitos que nos serviram de exemplo.
A Europa adotou a mesma política, chamando-a de Discriminação Positiva, aquela feita em favor de uma minoria, em detrimento da maioria. A duras penas, no Brasil, cuja população de afrodescendentes – autodeclarados pretos ou pardos – é a maior, os programas e a legislação inclusivos estão dando resultados, tornando a presença dos negros mais visível em todas esferas da vida pública.
Semana passada, quando um grupo de alunos ocupou a Reitoria da UFSM, exigindo mais celeridade nas investigações sobre os responsáveis pelos atos racistas na Instituição, tornou-se lugar comum alegar uma dificuldade em localizar os autores das frases ofensivas e suásticas.
Quero crer que, na sociedade, fora do âmbito da Universidade, seja mesmo difícil identificar quem cometa tais atos. Mas dentro de uma instituição compartimentada, com a formação de grupos – alunos, servidores – centros, salas de aula, diretórios acadêmicos, não é difícil traçar o perfil de pessoas com pendores para este ou aquele ato. Em qualquer um desses lugares, ou momentos, pode-se destacar um ou dois capazes de agir de determinada maneira.
Por isso a manifestação radical dos alunos: há ocasiões em que é preciso se fazer visível para que a instituição – comunidade acadêmica em geral – se dê conta de seu papel na formação humanística. De todas as instituições que posso lembrar – associações, clubes, igrejas – a universidade é aquela que tem as melhores condições para tratar a respeito de ética sem ideias preconcebidas, preconceitos ou preceitos moralizantes. E, depois de ter avançado tanto – pioneira no país na adoção de Ações Afirmativas – não pode deixar invisível a ação dos que querem o retrocesso.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma foto da ocupação, feita pela assessoria do vereador Valdir Oliveira e publicada originalmente no Feicebuqui.
Em todo o texto eu não mudaria uma vírgula, mas tem um problema neste ponto: “não é difícil traçar o perfil de pessoas com pendores para este ou aquele ato. Em qualquer um desses lugares, ou momentos, pode-se destacar um ou dois capazes de agir de determinada maneira.”
Pois bem, eu acho que os investigadores devem investigar toda e qualquer hipótese, inclusive a possibilidade de que os “racistas” não tenham “perfil de racista”. O caso recente no Brasil, envolvendo famosos, mostra que a pessoa que praticou a injúria racial não tem o “perfil” . O ato na UFSM pode ter sido praticado em dois tempos: alguém coloca a suástica, e outra pessoa, ao descobrir o fato, coloca os nomes ou vice-versa. Ou ainda, que se trata de um auto-racismo, com fins escusos.
O simples fato de aparecerem nomes, já demonstra que o problema é “interno” (do diretório). Uma pessoa que não é das turmas em questão não teria acesso ao diretório, nem saberia nome dos alvos. É muito perigoso tentar achar “grupos”, com “perfis”, pois isto é exatamente o mais nefasto no racismo, que discrimina ou incrimina pessoas pelo seu “perfil” (roupas que usa, raça, orientação ideológica ou sexual, grupos que frequenta, etc.).
A dificuldade dos investigadores em achar os racistas já mostra que possivelmente não é alguém com “perfil” de racista.