Um romance e um país – por Bianca Zasso
Ser pioneiro muitas vezes exige mais que coragem. Numa cultura onde coisas aparentemente banais exigem uma atenção extra, mais ainda. Uma das melhores coisas que o cinema proporciona é a possibilidade de conhecer outros mundos, captar um pouco de como é a vida em um lugar bem longe das nossas casas, apesar de parecerem outros planetas. Diante de um filme árabe, nós ocidentais sentimos certo desconforto e até algumas dúvidas. O que poderia ser resolvido com um simples telefonema leva dias para acontecer, isso se acontecer. Apesar das diferenças, humanos são iguais nos desejos. E foi com base nos sentimentos comuns a ocidentais e orientais que o documentarista Mahmoud Sabbagh fez sua estreia na ficção.
Barakah com Barakah não é apenas a primeira comédia romântica realizada na Arábia Saudita, mas também a um dos poucos filmes do país a rodar festivais bem longe de sua terra natal. Exibido nos festivais de Berlim e do Rio de Janeiro, o filme tem uma premissa simples, mas que ganha novo significado pelo local onde ocorre. A blogueira Bibi é rica e leva uma vida que flerta o tempo todo com valores ocidentais. Sua mãe é dona de uma marca de roupas da qual ela é a garota-propaganda e Bibi aproveita sua fama para questionar, de maneira discreta, algumas tradições de seu país, em especial as que limitam a vida das mulheres ao ambiente doméstico. Do outro lado da história, temos Barakah, interpretado pelo comediante Hisham Fageeh, um funcionário da prefeitura que fiscaliza o uso dos locais públicos, apesar de ter suas dúvidas sobre o real valor de seu trabalho. E é fiscalizando uma sessão de fotos ousada demais para os padrões árabes que ele conhece Bibi. Num romance hollywoodiano ou brasileiro, estaria formado o casal. Mas para ostentarem este título, Bibi e Barakah terão um caminho tortuoso.
Além de uma fotografia inteligente e que brinca com as formas arquitetônicas para traçar um comparativo entre tradição e modernidade, Barakah com Barakah possui um bom ritmo e, assim como outros filmes orientais, utiliza um roteiro aparentemente bobo para realizar uma crítica social. Bibi e Barakah são personagens carismáticos, assim como os coadjuvantes que os cercam. Mas o que prende o espectador é a forma criativa como Sabbagh questiona a atual sociedade árabe. As fotos das década de 70 mostradas no filme são surpreendentes: as roupas, o movimento das ruas e o comportamento social é muito semelhante ao de qualquer país ocidental daquela época. Barakah se pergunta como seu país regrediu tanto. Se a juventude e o primeiro amor já são complicados de serem vividos deste lado do mundo, imagine em um lugar onde tudo é proibido, inclusive a demonstração de carinho. O aviso antes dos créditos informa que as imagens pixelizadas que irão surgir em algumas cenas não é censura. Sabbagh deixa claro: em seu mundo, não mostrar é rotina.
Um simples encontro é uma odisseia em Barakah com Barakah e isso faz com que a torcida de quem o assiste seja mais intensa. Ocidentais já viram todos os tipos de comédias românticas. Bibi e Barakah possuem um amor como outro qualquer. Concretizá-lo é o seu conflito. Sem brigas, sem ciúme, sem terceiro elemento. É a falta de ingredientes certeiros de um romance que torna a produção um exemplar divertido. Não uma diversão passageira, mas questionadora e inteligente. A sede por liberdade é demonstrada pelos personagens por meio de olhares, suspiros longos e uma que outra frase curta. A ideia de colocar Barakah interpretando Ofélia em uma montagem amadora de Hamlet é genial. Na pele de um personagem feminino, o jovem consegue viver, mesmo que de mentirinha, um pouco do romance do qual desfrutam os Ocidentais desde antes de Shakespeare. Aos dramáticos de plantão, que ficam em prantos ao tomar um fora, Barakah com Barakah é uma lição. Relacionamentos são complicados em todas as partes do mundo, mas não poder amar do jeito que se deseja é uma dor bem mais complicada.
Barakah com Barakah (Barakah yoqabil Barakah)
Ano: 2016
Direção: Mahmoud Sabbagh
Disponível na plataforma Netflix
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