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De mulheres e bixos – por Orlando Fonseca

Passando pela Praça Saldanha Marinho, no dia 8 de março, semana passada, deparei-me com dois eventos que se cruzavam, produzindo, em minha mente, a sensação de um paradoxo. Estava ali de passagem, lidando com problemas do cotidiano, ao contrário dos dois grupos que ocupavam aquele lugar, naquela tarde. No entorno do Coreto, mulheres com cartazes, camisetas com palavras de ordem, participavam de um manifesto em referência ao Dia Internacional da Mulher.

Atravessando aquele logradouro, em uma fila, submetidas à brincadeira do “elefantinho” e açuladas pelo apito das veteranas, jovens que acabaram de ingressar em um Curso Superior. Rostos pintados, como convém ao ato, e passando o braço por entre as coxas, para dar a mão à parceira atrás, seguiam sorridentes gritando palavras de ordem. Dentre as quais destaco a mais repetida naquele instante: “Bixo não é nada!” Da Rita Lee lembro, agora, um verso: “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra!”.

Ao avistar um amigo fotógrafo, postado junto às pedras de um dos monumentos, fui até ele apontando a fila bizarra, comentando: e depois voltarão aqui para exigir igualdade de direitos. E nem me referia, de imediato, às assimetrias entre homens e mulheres no mundo do trabalho e do poder. Falava simplesmente das figuras daquele cortejo carnavalesco-universitário, cuja finalidade era comemorar o ingresso em uma Universidade. Instituição universalmente reconhecida como o centro de irradiação do humanismo, baseado na razão e na ética do conhecimento.

Neste ponto é que não consigo visualizar a distorção inicial que se projeta sobre a relação entre futuros colegas, ou, no mínimo, colegas que acabam de se conhecer e que conviverão por quatro ou cinco anos. No entanto, por um acordo tácito, aceito por ambos os grupos – os que entram e os que já estão lá – de que os veteranos têm o direito de submeter os calouros às mais degradantes humilhações.

Direito adquirido por um dos dois critérios envolvidos: a antiguidade na instituição ou a vingança, por terem passado pelos mesmos constrangimentos no ano anterior. Antiguidade e vingança, dois quesitos que são desprezíveis, quando se coloca em perspectiva a evolução, o crescimento, ao contrário do atraso, do retrocesso, da tolerância, do bem-comum. Numa sociedade evoluída, isso jamais seria tolerado, em nome daquilo que é mais caro para o ensino universitário: ética, democracia, progresso científico e social.

O fato de estarem, no mesmo ambiente, mulheres militantes e estudantes universitárias torna mais aguda a percepção de que os gestos simbólicos, se não pautados por um comportamento social digno, entram no imaginário para estabelecer raízes fundas na sociedade. Por isso é que o machismo é difícil de combater, pois os homens não veem problema em fazer piadas sexistas; por isso é que o racismo velado em nosso país não sai da ordem vigente, pois não se veem problemas em chamar o outro por um termo etnicamente pejorativo.

O que vai mudar, em 4 anos, na mente destas calouras que desfilam o seu circo de horrores na praça, em pleno dia internacional da mulher, para que no dia de sua formatura o seu caráter não seja apenas o conteúdo de sua maquiagem? Falo de mulheres apenas para aproveitar o mote da ocasião – a ocasião faz a crônica, também, deste ladrão da porção de fantasias do cotidiano, que é o cronista -, mas poderia falar da mesma forma dos rapazes. Aliás, poderia, pela experiência de docente e gestor da UFSM, elencar uma pletora de atos com requintes de crueldade entre esses, o que só reforça o estereótipo machista.

Não sei que fotos o meu amigo conseguiu coletar naquele ato, nem sei se deu tratos à bola sobre o que falei com relação ao desfile dos bixos (palavra de gênero sobrecomum). O certo é que em minha mente ficou registrado um quadro que gostaria de ver eliminado do cenário social.  A naturalização de certos gestos é o oposto do empoderamento.

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