É tempo de Copa – por Orlando Fonseca
Assunto das últimas semanas, o desânimo pré-Copa chamou atenção de jornalistas, comentaristas, blogueiros e torcedores em geral, em bate-papos televisivos ou informais. O que houve com o país do futebol? Mudou o país, mudou o futebol ou mudamos nós? Confesso que sou apreciador entusiasmado do esporte bretão, e tenho acompanhado com interesse os campeonatos, os amistosos, as notícias que envolvem jogadores, partidas e os negócios que o mobilizam.
Mas também não tenho uma resposta única para este estranho fato com a falta da euforia típica, de quatro em quatro anos, que colore de verde-amarelo o território tropical, do Oiapoque ao Chuí. Uma coisa é certa, nesta semana em que começam os jogos da Copa da Rússia, pouco se vê das manifestações daquele apoio histórico da população brasileira ao que o cronista Nelson Rodrigues chamou de Pátria de Chuteiras.
A memória mais antiga que tenho de uma Copa do Mundo, e de resto do próprio futebol, tem a ver com os meus tios ao redor de um rádio a válvulas – mistério para mim, aos sete anos – ouvindo as narrações das partidas e vibrando com os sucessos do nosso escrete canarinho. Logo em seguida, o espocar de foguetes – os primeiros de que tenho lembrança – com a vitória da Seleção, bicampeã (era o que se gritava com alegria), no ano de 1962.
Acompanhei ainda pelo rádio os insucessos de 1966, mas com uma atenção maior, já pela TV, os nossos feitos pelos gramados do México, em 1970. Não tinha a menor noção do que acontecia ao redor, na conjuntura política e social do nosso país. Do social, apenas as dificuldades pelas quais a minha família passava, no entanto, quando abria um parêntese para celebrar o nacionalismo dos pés ligeiros e as mentes geniais daquela seleção, brilhava com raios fúlgidos a majestade do nosso Rei. Não conseguia ligar algo negativo entre o que presenciei em 1964, nas ruas de nossa cidade, e as vitórias em busca da Taça Jules Rimet.
O que teria mudado para que arrefecesse o ânimo da galera no Brasil? É bem certo que o futebol passou por mudanças significativas, após os escândalos que vieram a público, nestes anos entre o último mundial e o atual. E os cartolas brasileiros estão no centro das maracutaias que movimentaram bilhões para as contas de dirigentes e empresários do setor das comunicações. Essas notícias somadas àqueles 7 a 1, com os quais a nossa seleção foi eliminada da Copa de 2014 – realizada em nossa casa -, deram o tom melancólico e desconfiado com que a torcida brasileira enxerga os jogos que se avizinham.
Mudou o futebol – o árbitro de vídeo vai-se tornando uma realidade; as transações miliardárias que mobilizam a imprensa mais do que as grandes jogadas em campo -; mas também mudou o país. Neste ano completam-se cinco das históricas jornadas de 2013, com seus slogans rebeldes: “Não é só por 0,20 centavos”, “Não vai ter copa”, “Vem pra rua”, “Impeachment já” (e até mesmo os anacrônicos saudosistas apelando por intervenção militar).
Entretanto, no momento atual, o que se vê na conjuntura política nacional não é nada animador. Além do mais, o verde-amarelo do uniforme da seleção foi apropriado por uma classe que, agora, envergonhada do que produziu nas ruas sem os efeitos práticos em melhorias para a população, não tem coragem de vestir e gritar, mesmo que seja o nome de seus craques preferidos. Mudamos nós também.
Segundo a crônica esportiva, falta identificação dos brasileiros com o time do Tite, formado por uma maioria de jogadores que não jogam mais no Brasil. Segundo a ótica sociológica, perdeu força semiótica a camiseta canarinho, ninguém quer ser confundido com os patos amarelos. Aquele resquício de nacionalismo tupiniquim se esvaiu nos descaminhos da conjuntura. Desbotou o verde da esperança. De minha parte, ainda reservei uma ingênua expectativa, e vou dedicar tempo para assistir como torcedor aos jogos da nossa seleção. Mas também aos jogos de um modo geral. Mesmo que não venha a gritar gol do Brasil, espero apreciar bons espetáculos do meu esporte favorito.
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é da Agência Brasil.
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