Uma Geringonça Portuguesa, com certeza!
Por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA (*)
Geringonça é uma palavra que deriva do espanhol “jeringonza” ou “jerigonza”, que significa “uma linguagem difícil de entender”. Adaptada ao português, a palavra passou a ter diversos significados: uma construção pouco sólida que se “escangalha” facilmente (caranguejola); um aparelho ou máquina considerada complicada (engenhoca); uma coisa consertada que funciona a custo; ou, no sentido figurado, uma sociedade ou empresa de estrutura complexa e pouco credível ou qualquer coisa ou ideia engendrada de improviso e que funciona com dificuldade.
Foi com esse termo que o deputado do Partido Social Democrata (PSD), Vasco Pulido Valente, em novembro de 2015, caracterizou pejorativamente a aliança política que garantiu o governo português nascido naquele momento.
Mas afinal, o que é a Geringonça? Diferentemente do que vem sendo afirmado por alguns entusiastas a Geringonça não é um governo de uma coalizão de centro-esquerda, mas sim, um governo minoritário do Partido Socialista (PS), de centro-esquerda, com apoio crítico dos partidos de esquerda, Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português.
Portugal é um sistema semipresidencial, onde o presidente (atualmente, Marcelo Rebelo de Sousa, do Partido Social Democrata, PSD, de centro-direita) divide a estrutura do Estado com um primeiro-ministro (Chefe do Executivo) que lidera um governo derivado dos resultados das eleições parlamentares.
Foi essa forma de governo que permitiu a aliança política que garantiu no parlamento os votos necessários para a organização do novo governo português. Uma aliança que nasceu da assinatura de acordos programáticos entre o PS e o Bloco de Esquerda, entre o PS e o Partido Comunista, e entre o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista. Tais partidos, apesar de terem apoiado a formação do novo governo, optaram por não compor o governo, preferindo manter a autonomia naquilo que os diferem dos socialistas.
Naquele contexto, outubro-novembro de 2015, Portugal enfrentava os efeitos das medidas de austeridade impostas pela Troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia) como condição para o resgate financeiro pedido pelo então governo socialista, liderado por José Sócrates, em 2011.
Tais medidas foram aprofundadas pela coalizão formada pelo Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, e o seu parceiro mais à direita, o CDS – Partido Popular (CDS-PP), que governou o país entre 2011 e 2015.
Os resultados eram devastadores. A economia portuguesa, que sentia fortemente a crise econômica mundial, vivenciou uma recessão profunda nos anos de 2011, 2012 e 2013. O desemprego chegou a 17%, o dobro do início da crise mundial em 2008. Os serviços sociais prestados pelo Estado foram removidos e os salários dos funcionários públicos e dos trabalhadores do setor privado, juntamente com as pensões, sofreram profundos cortes. Tudo conforme orientam os manuais de austeridade econômica. A emigração atingiu patamares massivos que não eram verificados desde os anos 1960, entre 100 mil e 150 mil portugueses deixaram o país ao longo desses quatro anos.
No final de 2014, o Partido Socialista renovou sua liderança, substituindo o seu secretário-geral, António José Seguro, pelo então presidente da Câmara Municipal de Lisboa (prefeito de Lisboa) e atual primeiro-ministro, António Costa (na foto, lá no alto, à esquerda). Essa mudança representou uma autocritica dos socialistas em relação a muitas medidas de cunho neoliberal que os seus governos haviam adotado desde os anos 1990.
Uma autocritica que se evidenciou nos próprios acordos programáticos que garantiram que, mesmo minoritários, os socialistas formassem o novo governo. O PS teve 32,31% dos votos contra 36,86% da coligação PPD/PSD.CDS-PP, o Bloco de Esquerda teve 10,19% e a aliança PCP – Partido Verde, 8,25% dos votos.
Os resultados da Geringonça têm sido impressionantes e elogiados até mesmo por economistas liberais. O comissário europeu dos Assuntos Econômicos, Pierre Moscovici, considera o progresso feito por Portugal como “muito impressionante”. O desemprego recuou 10% desde 2016. O déficit orçamentário é de apenas 1,8%, seguindo uma queda constante apesar do aumento dos investimentos públicos, o que contradiz muitos dos ensinamentos da ortodoxia neoliberal.
Por fim, as diferentes previsões econômicas indicam que o país deverá fechar o ano de 2019 com um crescimento econômico acima de 2,5%, ou seja, dentro da média mundial (2,6%) e muito acima da previsão da zona do euro (1,2%) e do Brasil (1,5% em queda podendo fechar em 1,2%).
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site aos domingos, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esse artigo (fotografia do Primeiro Ministro António Costa) é uma reprodução da internet.
Sim, o que aconteceu na verdade? Assumiram o poder e reduziram a jornada de trabalho para o que era antes. Voltaram a reajustar as aposentadorias. O que não dizem? Reduziram o déficit de -7,2% do PIB em 2014 para -2% em 2016. Voltou a subir para -3% depois. Além disto tem o euro, tem o banco central europeu.
Por estas e por outras já não paro para ouvir e nem para ler militantes de esquerda.