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CRÔNICA. Orlando Fonseca em dia de “terra plana”

Platitudes

Por ORLANDO FONSECA (*)

Os terraplanistas estão redondamente enganados. Eles é que são quadrados, porque é impossível que alguém, nestas alturas do mundo civilizado, não aceite a esfera científica. Ou por outra, por que motivo se chamaria “globalização” uma economia planetária? O que será que entendem ser a sigla GPS (Global Positioning System)?

A Terra não é plana, pode ser chata por causa de gente chata. Terráqueo, realmente, é um nome um tanto esquisito para denominarmos nós, os habitantes deste planeta. Há, certamente, os que habitam o mundo da Lua, e mesmo assim, não conseguem perceber que o nosso satélite natural não gira em torno de um disco, mas de algo esférico. E isso não é uma coisa que aconteça apenas entre jovens com cabeça de vento, ou adultos sem noção.

Semana passada, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que já deu demonstrações evidentes de estultice, em entrevista a uma grande revista, disse “para mim, a Terra é redonda”. Podemos perguntar, abestalhados, em pleno século XXI, o que faz um questionamento destes em um grande órgão da imprensa – e não em uma revista de fofoca ou jornal de humor -, e qual o problema de alguém admitir, honestamente, esta obviedade?

Não estivéssemos no Brasil, não tivéssemos em Brasília o governo que temos – democraticamente eleito, diga-se de passagem -, e sua família, nada haveria para duvidar da normalidade. No entanto, o que percebemos, nós que nos atemos a prestar atenção às coisas ao redor, é que estamos cada vez mais submetidos ao senso comum. Estamos sendo governados pelo senso comum.

Depois de uma temporada razoável de manifestações de gente sem noção – a conjuntura pode ter resultado disso -, o senso comum foi elevado à categoria de autoridade. Não adianta querer colocar no debate o argumento científico, ou no mínimo produto de alguma elaboração do raciocínio. O que fala mais alto é o senso comum. Por isso o ministro das relações exteriores deu a sua resposta cheio de dedos, para não melindrar o astrólogo, incensado à condição de guru da família imperial que governa o Brasil, na atualidade.

Sim, o autoproclamado filósofo, Olavo de Carvalho, já manifestou acordo com as bizarrices dos terraplanistas. O guru declarou: “Não estudei o assunto da terra plana. Só assisti a uns vídeos de experimentos que mostram a planicidade das superfícies aquáticas, e não consegui encontrar, até agora, nada que os refute”.

Não vou julgar o caráter da declaração – ou a falta dele -, porém, em sã consciência, ou na posse de um juízo perfeito, nenhum “filósofo” – mesmo que entre aspas – ousaria produzir tal pérola. No entanto, o que para mim resulta líquido e certo – na planicidade das águas – é que o tal guru dá foros de cientificidade ao senso comum.

Os terraplanistas acreditam que o firmamento é um domo que cobre a Terra. O sol e a lua fariam suas órbitas neste espaço, mas não teriam a grandeza que os demais mortais, desde as evidências trazidas por Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton – gente sem noção, para os terraplanistas – pensam que têm.

Fechando esta noção interessantíssima: a Antártida ocuparia as bordas da Terra. Pasmem, o movimento dos crentes da Terra Plana está preparando uma excursão náutica para 2020, a fim de conhecer in loco as bordas do planeta. Na certa não vão despencar no além. Vão cair, mas é na real. Na certa vão pensar, ao darem a volta na Terra, que não conseguiram sair do mesmo lugar.

É o que normalmente acontece com quem se satisfaz com o senso comum: não é capaz de formar um argumento sólido, não consegue entender pensamentos complexos. Vive de ser enganado – feliz da vida – com fake news. Agora, isso é um perigo para a democracia – o poder que vem do povo carece de um mínimo de inteligência.

(*) ORLANDO FONSECA é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

OBSERVAÇÃO: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet (Pixabay.com)

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