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HISTÓRIA RESGATADA. A morte do grande general maragato, Gumercindo Saraiva, nos campos do Carovi

Imagem histórica de batalha da Revolução Federalista, que teve Gumersindo Saraiva como o grande general do lado maragato

Por RICARDO RITZEL (com fotos de Reprodução e Divulgação), Especial para o Site (*)

Foi também a partir deste ponto do conflito (em que Gumersindo Saraiva recebeu por aclamação a patente de general do 1ª Exército Libertador, como você leu na madrugada passada, AQUI).

que o senador Pinheiro Machado, aliado de Castilhos, percebeu que estava lutando com homens que tinham nas agruras de uma campanha militar na pampa, o seu “habitat” natural, a sua zona de conforto.

O resultado foi a criação da Divisão do Norte. Uma força de combate ao Exército Libertador que reunia homens que nasciam e viviam no lombo de um cavalo e tinham a mesma maestria com lâminas aprendidas no dia a dia da lide campeira que seus opositores federalistas.

Conta a história que todos os “gaúchos errantes” do Planalto Central e Serra do Rio Grande do Sul foram recrutados a patacões e, outros, com uma “certa” resistência ao alistamento forçado, sob a ameaça de uma faca na garganta.

O grande general maragato Gumersindo Saraiva, em imagem histórica

A partir daí, a revolução federalista se torna uma perseguição implacável por mais de 2.000 quilômetros à coluna rebelde de Saraiva, que somente acabou em 10 de agosto de 1894, nos campos do Carovi, quando um tiro acertou o pulmão direito do general.

Degolas e outras atrocidades

Outra certeza também é que mesmo naquele tempo, a degola era considerada um ato cruel e quem a praticasse era bastante mal visto e até mesmo repreendido por seus companheiros de armas. Tanto de um lado como de outro do conflito. Infelizmente, com algumas exceções, também independente de serem maragatos ou pica-paus.

E, neste quesito de terror, os primeiros nomes que vem a mente são dos generais Joca Tavares e Firmino de Paula, que, de uma maneira ou outra, popularizaram está prática e deixaram para a história o nome de “Revolução da Degola”. Seja à moda uruguaia, com o corte de orelha a orelha; Seja à brasileira, quando somente a carótida era seccionada pelo fio da adaga.

Tanto historiadores legalistas como revolucionários são unânimes em registrar que o Gumersindo não praticava e nem promovia o corte de gargantas inimigas. Muito ao contrário, até mesmo reprimia este tipo de execução.

Por outro lado, certamente fazia olhos grossos para seu primo, Cezário Saraiva, um contumaz e famoso degolador de todo e qualquer prisioneiro pica-pau que lhe caísse nas mãos.

Dizem que era para vingar um irmão que fora trucidado vivo por um piquete legalista, em Bagé, ainda antes do início do conflito. Não eram, com certeza, tempos de gentilezas.

Aprendendo com quem sabe

Mas unanimidade completa mesmo, indiscutível, tanto de maragatos como pica-paus, é Gumercindo Saraiva ser o grande líder militar da Revolução de 1893.

Suas táticas de combate foram inspiradas nas guerrilhas “montoneras” charruas, caracterizadas pelos movimentos constantes e ligeiros da cavalaria, que dificultavam a sua localização e, mais ainda, o conhecimento do destino correto de sua coluna.

Ficaram célebres também as armadilhas que atraiam os inimigos para terrenos mais favoráveis a luta e, é claro, as violentas cargas de lanceiros que causavam um verdadeiro terror em seus adversários.

A história conta que somente de ouvir o nome de Saraiva, de saber que ele estava prestes a atacar um ou outro determinado alvo militar, o medo se espalhava entre as tropas legalistas e as execuções por deserção se tornaram um ato comum durante todo o conflito.

Quebrando estratégias milenares

Mas não somente por isto que o general maragato é considerado um gênio militar imbatível. Um exemplo de sua criatividade em combate é a solução de um problema tático considerado insolúvel até mesmo por Napoleão Bonaparte: o de como poderia a cavalaria romper os quadrados de infantaria, quando os infantes se mantém firmes, de baioneta calada e sempre preenchendo as lacunas que vão se abrindo durante a carga.

Quando as tropas legalistas de Julio de Castilhos começaram a utilizar este recurso contra as famosas investidas dos revolucionários, Saraiva surpreendeu seus inimigos colocando dois cavaleiros alguns metros à frente da carga de cavalaria, levando um laço de couro rente ao solo e, na hora certa, esticando-o até a altura da cintura dos integrantes do quadrado. O golpe levava literalmente de arrasto o quadrado militar, rompendo as defesas e deixando os infantes ao alcance das lanças e espadas do restante da tropa maragata.

Estas e outras táticas do general gaúcho são até hoje objetos de estudo nas mais famosas academias militares do mundo, inclusive na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (ECEME)

Me conta com quem andas…

Mas a mais surpreendente constatação no estudo desse período da história do Rio Grande do Sul é que, diferente de interpretações de historiadores e autores, a Revolução de 1893 não foi somente um conflito entre estancieiros do sul contra estancieiros do norte do Rio Grande do Sul.

Foi, antes de tudo, um conflito entre dois mundos distintos. Um monárquico, agropastoril e rural e, outro, republicano, industrial e urbano.

Foram as últimas peleias da tradição dos lendários cavalarianos gaúchos ainda com uma mínima chance de vitória frente a modernização da guerra com a entrada em cena de fuzis de grande alcance, metralhadoras, comunicação instantânea por telégrafo e rápidos deslocamentos de tropas descansadas por via ferroviária.

E, sim, a personalidade deste líder federalista trouxe para a revolução muito mais que a adesão de amigos fazendeiros, seus peões, funcionários e agregados, ao melhor estilo dos caudilhos platinos.

Trouxe espontaneamente a camada mais inferior da população gaúcha, os últimos “gauchos errantes” atraídos por “combate, ayre libre e carne gorda”

como também os sem-terras do século XIX: pequenos proprietários rurais engolidos pelas grandes estâncias em um tempo de crise na pecuária gaúcha.

Outros que por livre vontade entraram na luta foram os carreteiros e tropeiros que perderam o emprego para a recém construída malha ferroviária rio-grandense, assim como os peões desempregados pela modernização do campo gaúcho.

Estes mesmos ventos revolucionários também reuniram, ao natural, em torno de Saraiva, os monarquistas desalojados do poder pela republica, os intelectuais parlamentaristas sedentos há muito de uma descentralização do poder no Brasil e, ainda, tradicionais republicanos desiludidos com os rumos da nova ordem.

Havia também, e eram muitos, os que se alistavam nas fileiras maragatas simplesmente por vingança. Queriam apenas devolver na mesma moeda a tortura e morte de algum familiar que caíra nas mãos de agentes da repreensão castilhista.

Uma cena do documentário “Gumersindo Saraiva – A Última Batalha”, gravado em várias locações, inclusive na região das missões

O último combate do general

Para toda esta colcha de retalhos que formava o 1ª Exército Libertador, Gumersindo Saraiva era o líder incontestável, era o homem a ser seguido para derrubar a ditadura constitucional no Rio Grande do Sul. Era o único que podia depor Julio de Castilhos.

Não conseguiu. Duas balas de um moderno fuzil Comblaim, recém adquirido pelo governo brasileiro na Inglaterra e doado às forças de Julio de Castilhos, atingiram mortalmente o pulmão do lendário general, exatamente às 16h30, na tarde fria do dia 10 de agosto de 1894, no alto de uma coxilha na Estância do Carovi, de propriedade de Dona Anna Veríssimo do Nascimento e Silva.

A partir deste fato, a revolução é considerada por todos finalizada, mesmo tendo ainda algumas refregas posteriores. E o que se seguiu foi o último e mais dramático combate do general: não deixar seu corpo se transformar em um troféu de guerra nas mãos dos inimigos castilhistas e levar seus soldados para ultrapassar com segurança a fronteira argentina no Passo de Garruchos.

E são estes fatos e cenas que você irá acompanhar ao assistir no documentário curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A Última Batalha”, com estreia no próximo dia 10 de agosto na Região das Missões e, logo a seguir, aqui em Santa Maria. O curta também deve entrar no circuito de festivais do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina entre 2019 e 2020.

Afinal, quem valoriza a história, deixa legado!

LEIA TAMBÉM: O grande general maragato e a sua última batalha. Conheça Gumersindo Saraiva! (AQUI)

(*) RICARDO RITZEL é jornalista em Santa Maria, e também responsável pela direção e o roteiro do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A Última Batalha”. Ele também assina seu nome em outras duas obras audiovisuais históricas: “5665 –Destino Phillipson”, sobre os 100 anos da imigração judaica organizada para o Brasil na Fazenda Phillipson, em Itaara e “Bozzano – Tempos de Guerrra”, sobre a vida do jovem intendente de Santa Maria e sua morte durante a Revolução de 1926 no começo da Coluna Prestes na região das  Missões do Rio Grande do Sul.

Esta reportagem foi produzida a pedido do editor do site.

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3 Comentários

  1. Muito bom! Gostei mesmo do artigo, eu sou castelhano mais adoro ão Brasil e a sua gente, particularmente ão pessoal do Sul, gaúchos como eu. Dois contribuições, a primeira, o General Gumercindo não é castelhano, é filho de brasileiros que nasceu no Brasil, brasileiro 100%. Ainda ele é o irmão mais velho, todos os outros são castelhanos, nascidos no Uruguai fruto de país brasileiros, coisa muito natural na altura. A outra, nos vimos a conhecer este negócio do laço na nossa Guerra Grande, os correntinos carregavam com os seus laços, levavam ão pessoal embora é logo, degola para tudo mundo. Abraço.

  2. Prezado O Brando:

    Colaborando com seu comentário, lembro que escrevi no texto que ” todos os acontecimentos históricos da Revolução de 1893 possuem até hoje, no mínimo, duas versões distintas dos fatos”. E, sim, até hoje há muitas controvérsias sobre fatos e personagens deste conflito. Por isto, ao produzirmos o documentário e este texto, valorizamos relatos em primeira pessoas (livros e memórias) como também os mais prudentes e menos contaminados pelas paixões políticas da época.
    Um exemplo: Adão Latorre, era negro, humilde e também agregado desde jovem nas terras uruguaias do general Joca Tavares e, portanto, homem de sua inteira e total confiança. Porém, segundo estudos mais atuais, ele não degolou os 300 pica-paus em Rio Negro. Conta está versão que foram apenas 26 os degolados e 300 são o número total de baixas legalistas no combate que antecedeu a famosa chacina. E todos os mortos por degola eram homens que haviam participado, dias antes, da morte de dois sobrinhos de Tavares e da prisão de seu irmão em Porto Alegre, seguida de humilhação pública em ser amarrado e carregado semi-nu pelas ruas da capital.
    Já o posto de tenente-coronel (o mesmo de Gumersindo quando iniciou a revolução) só era dado naqueles tempos a quem tinha habilidades diferenciadas em combate, e não para quem era degolador. E isto é uma unanimidade entre historiadores.
    E você tem razão quando diz que o busílis também está na instrução. Praticamente todo Partido Republicano, ou pelo menos a alta cúpula pica-pau positivista, era formada em Direito, Medicina ou Engenharia, além de serem estancieiros. Tanto que a história oral gaúcha diz que a revolução federalista “foi os doutores contra os coronéis”.
    Lembro apenas que a incipiente industria gaúcha da época eram as serrarias, fábricas de móveis, artesanatos e até mesmo doces, quase todos gerados na zona colonial e urbana. Tanto que estas cidades começaram a atrair cada vez mais famílias em busca de emprego, fugindo da então crise econômica vivida pela produção pastoril (e rural) do interior rio-grandense. Ou seja, deixando o zona rural gaúcha mais despovoada e também com menos votos em tempos republicanos.
    Grande abraço!

  3. Há sérias controvérsias. Sérissimas. Primeira, quem escreveu a história obviamente era contra a degola. Segunda, Adão Latorre, que teria nascido no Uruguai, era negro de origem bastante humilde, teria degolado perto de 300 e chegou a tenente-coronel.
    Dois mundos distintos, como diria o outro, é um pouco mais complicado. O lado agropastoril era herdeiro dos particulares que estenderam a fronteira durante o império, governo distribuía títulos de nobreza e sesmarias do lado de lá da fronteira (mais ou menos isto).
    Júlio de Castilhos nasceu numa fazenda, era o herdeiro que teve estudo. Industria praticamente não existia (imigrações eram recentes). Porto Alegre tinha algo como 70 mil habitantes na época. O busílis está na instrução, Castilhos era positivista (como Borges seu sucessor), RS viveu sob ditadura desde a proclamação da República até 1928 com mandatos tampões de Carlos Barbosa.

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