“Meu ódio será a tua herança”
Por LUCIANO DO MONTE RIBAS (*)
Peguei emprestado o título do velho faroeste dirigido por Sam Peckinpah por dois bons motivos.
Primeiro, porque quem o “batizou” no Brasil fez uma escolha muito melhor do que a do original americano (The Wild Bunch), incorporando as características essenciais desse gênero cinematográfico.
Segundo, o nome do filme cabe como uma luva na descrição do que será o legado mais duradouro, entre tantas heranças malditas, da aventura fascista na qual meteram o Brasil nos últimos anos. E é sobre isso que desejo falar hoje, cerca de uma hora após ouvir uns dois minutos de buzinas tocando ao longe, durante uma “carreata pela morte”.
Indo adiante, tal legado ficará marcado na vida do país porque o ódio está na essência política do bolsonarismo, tanto quanto o livre mercado está na do pensamento econômico liberal e a justiça social na do socialismo. Sem odiar algo e/ou alguém, a nossa patética versão do fascismo não consegue existir. Aliás, todos os fascismos são patéticos e nenhum consegue existir sem esse ato fundador, a bem da verdade.
Como agregador, o ódio catalisa o que existe de pior nos corações e nas mentes das pessoas, mobilizando seus preconceitos e frustrações mais profundos para “sentirem” e agirem coletivamente. Em conjunto, esses seres humanos brutalizados se retroalimentam, o que acaba por sedimentar na sociedade um espaço onde suas desumanidades se tornam aceitáveis, quando não naturais. É nesse momento que coisas como a morte de milhares de pessoas em nome da economia (colocada de forma vil em contradição com a saúde) se tornam “normais”.
Por tudo o que observo, temo que essa forma de se relacionar com o mundo tenha criado raízes profundas o suficiente para que não seja possível arrancá-las por décadas, nem mesmo quando se tornarem residuais e seus líderes sejam vistos apenas como o que são: fanáticos e imbecis. Isso é algo que nem os criminosos da ditadura conseguiram fazer, visto que precisou ressurgir o fascismo explícito para que alguém tivesse a coragem de “babar ovo” de torturadores sem temer ser chamado de demente.
Nessa semana, acuado e com sua incapacidade exposta até as entranhas, restou ao néscio apelar para o único terreno onde age com naturalidade. Contra os profissionais de saúde, as entidades nacionais e internacionais, o exemplo de outros países, o seu ministro e o próprio bom senso, apelou para o ódio mais uma vez, buscando criar um inimigo a ser abatido. Conseguiu um relativo sucesso, juntando, tal qual os nazistas nos últimos dias do Reich, milícias de fanáticos motivados, agressivos e delirantes.
Aonde isso o levará? Onde o Brasil parará? Quais as consequências de tanta inépcia e tão farta mesquinhez? Quantos morrerão para que o tenente “bunda suja” tenha uma sobrevida política?
Eu gostaria de ter essas respostas tanto quanto sinto orgulho de não estar ao lado de quem, mesmo após três décadas de reiteradas provas da má índole dessa criatura, ainda a aplaude e a defende.
Lutemos para que seus ódios não sejam maiores do que as nossas esperanças. Em casa e nas redes sociais, por enquanto. Nas ruas, assim que for seguro.
(*) Luciano do Monte Ribas é designer gráfico, graduado em Desenho Industrial / Programação Visual e mestre em Artes Visuais, ambos pela UFSM. É presidente do Conselho Municipal de Política Cultural e um dos coordenadores do Santa Maria Vídeo e Cinema, além de já ter exercido diversas funções na iniciativa privada e na gestão pública.
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Observação do autor, sobre a foto: em uma viela de Veneza, chamada Rio Terà dei Assassini, placas que se tornam premonitórias quando vistas em conjunto. A antiga denominação desta rua e do rio Terà, nas proximidades, se deve aos frequentes assassinatos ocorridos principalmente à noite, com o favor da escuridão, nesta área próxima ao Campo Sant’Angelo.
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