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ARTIGO. Ricardo Ritzel e um pouco da história do herói de guerra de SM: Fernando Pereyron Mocellin

Mocellin era piloto do Thunderbolt A-6 da Esquadrilha Vermelha, a Jambock Red. Sua primeira missão foi em 12 de novembro de 1944, e a última em 1º de maio de 1945. Pela participação na guerra, foi condecorado no Brasil e nos EUA. Morreu em 2002, após longa enfermidade

O avestruz de bombacha 

Por RICARDO RITZEL (*)

Sacrifício (do Latim: Sacrificium; literalmente: “ofício sagrado”), também conhecido como imolação,  oferenda ou oferta, é a prática de oferecer …

Todo mundo sabe que um dos capítulos mais heroicos da Segunda Guerra Mundial foi escrito por soldados brasileiros durante a Campanha da Itália.

Um verdadeiro sacrifício. Tanto pelas condições apresentadas para o combate, como pelo objetivo a ser conquistado: desalojar o poderoso exército alemão das fortalezas construídas nos Montes Apeninos que defendiam os caminhos para chegar à Alemanha de Adolf Hitler.

E eles conseguiram. Tanto que o mundo celebra neste abril de 2020 os 75 anos da derrota do nazifascismo na grande “Bota Mediterrânica”.

O que poucos conhecem é que a história de uma destas batalhas italianas, a da guerra aérea, foi construída com a participação de um gaúcho de Santa Maria, Fernando Pereyron Mocellin, piloto do então incipiente 1º Grupo de Aviação de Caça da FAB, conhecido em todo o mundo como Esquadrão “Senta a Púa”. Grupo que superou em números absolutos de eficiência em combate, grande parte das melhores e mais preparadas esquadrilhas do segundo conflito mundial.

A história começa em 1943, quando o Brasil declara guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e Mocellin se apresenta como voluntário ao Ministério da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, para lutar como piloto de caça na Europa.

Ele tinha somente 21 anos, a paixão pela aviação herdada do pai e um brevê de piloto civil conquistado durante suas horas vagas no Curso de Odontologia que realizava naquela época em Curitiba.

Mocellin participou de 59 missões de guerra, onde foi por duas vezes ferido, além de seu avião ser atingido, com gravidade, em 11 oportunidades pela artilharia antiaérea inimiga. Na foto, uma das avarias do Thunderbolt A-6 de Mocellin

Depois de uma rigorosa triagem, ele foi aceito para o posto e partiu para os Estados Unidos, onde cursou em regime intensivo, as melhores escolas de aviação de caça da força aérea norte-americana.

Novamente foi aprovado e ganhou a permissão para pilotar os famosos aviões Thunderbolt P-47 em uma seleção que, de cada 10 candidatos, oito eram reprovados. Santa Maria perdeu um dentista, mas o Brasil ganhou um soldado digno da melhor tradição de combate do Rio Grande do Sul.

Em outubro de 1944, o Esquadrão “Senta a Púa” chegou ao teatro de operações, na Itália, e se incorporou ao exército aliado como 1º Brazilian Figher Squadrom, participando ativamente da campanha militar aliada até a vitória militar em solo italiano, declarada no dia 1º de maio com a rendição do que sobrou das forças nazistas.

Neste espaço de tempo, o então aspirante Pereyron participou de 59 missões de guerra, onde foi ferido, teve severa queimadura no pescoço, além de seu avião ser atingido, com gravidade, 11 vezes pela artilharia antiaérea inimiga.

Como reconhecimento de sua participação na guerra, foi agraciado pelo Brasil com as medalhas “Cruz de Sangue”, “Cruz de Aviação”, “Campanha da Itália” e “Medalha de Ouro Santos Dumont 2000”; e pelos Estados Unidos com a “Distinguish Flying Cross”, “Air Medal” e “Presidential Unit Citation”.

A última missão do santa-mariense, e segundo ele mesmo, a mais difícil, foi escrever o livro “Missão 60”, onde descreve de maneira magnética a participação dele e de seus colegas pilotos brasileiros na II Guerra.

Nessas memórias, o piloto gaúcho também faz um dos mais emocionantes libelos pacifistas realizados por um guerreiro de 23 anos que abraçou a morte montado em um cavalo alado e voltou para seus entes queridos para contar o que viu.

“Missão 60” é antes de tudo, um livro sobre paz e sobre uma geração de patriotas que dedicaram a própria vida para lutar contra o autoritarismo.

Pereyron Mocellin nasceu em junho de 1922 na cidade de Santa Maria, fruto da união entre João Pereyro Mocellin e Nidia Soares Mocellin. Seu pai foi proprietário da tradicional Joalheria Pereyron e também sócio do Aeroclube de Santa Maria, onde o jovem Fernando despertou sua paixão pelas maquinas voadoras.

Ele lutou na II Guerra Mundial como aspirante aviador, sendo promovido a 2º tenente depois do armistício, em 25 de maio de 1945. Era piloto do Thunderbolt A-6 da Esquadrilha Vermelha, a Jambock Red. Sua primeira missão foi em 12 de novembro de 1944, e a última, em 1º de maio de 1945, onde relata os lençóis brancos estendidos nas cidades italianas, já sinalizando a rendição nazista.

Distintivo da Esquadrilha Brasileira na II Grande Guerra Mundial

Com o final das hostilidades, deixou a FAB e decidiu voltar a sua cidade natal, onde reencontrou a família e, junto com o irmão, assumiu os negócios da família.

O aviador santa-mariense casou com Mafalda Mocellin e durante toda sua vida jamais deixou de participar das reuniões anuais da “Senta a Púa”, sempre realizadas no dia 22 de abril, Dia da Aviação de Caça do Brasil. Ele faleceu em 2002, depois de longa enfermidade.

Atualmente, o 1º GAC está sediado na Base Aérea de Santa Cruz (RJ), continua usando o nome batizado na luta contra Hitler, o avestruz segue sendo o símbolo do grupo e as memórias do “ás” santa-mariense tornaram-se livro de cabeceira dos melhores pilotos de caça brasileiros.

Confira abaixo, dois trechos do livro “Missão 60” (**), de Fernando Pereyron Mocellin:

Missão de vida e morte no Vale do Rio Pó

Furamos um colchão de nuvens e avistamos a estrada de ferro passando por Piacenza. Era o alvo. Mas a concentração da artilharia antiaérea alemã também era grande. Tínhamos que fazer o bombardeio picado duma altura mínima e mergulhamos entre as bolas dos canhões oitenta e oito e quarenta milímetros, recebendo balas de todos os calibres e de todos os lados. Mas também atirávamos com nossas metralhadoras, enquanto explodiam a nossa frente, os pompons brancos dos canhões 20 milímetros.

Era o fogo no céu, a raiva em nossas mãos e a terra em chamas. Nossas bombas de quinhentas libras acertavam o alvo e abriam crateras de oito metros de diâmetro por quatro de profundidade. E gente morria…

Vi enormes crateras se abrindo, como uma rosa de sangue em terra italiana. Eu era o número quatro, o quarto a largar bombas. Endureci o maxilar inferior, retesei-me no manche e, por entre meus dentes cerrados, a expressão saiu entrecortada de sensação:

-“Senta a púa!”

Capa do livro “Missão 60” e Fernando Pereyron Mocellin, o autor

Larguei as bombas, liquidando com o alvo. Eu era o número quarto, o quarto a largar bombas.

E retornando para a base, saímos a cata de alvos de oportunidade, tais como caminhões, locomotivas, depósitos de munição e tropas em movimento para atacarmos com nossas oito metralhadoras ponto cinquenta.

A Lei dos farrapos no céu da Itália

Avistei um navio, um lindo alvo em um lago azul. O meu leão rugia. A sede de destruição me afogava. Baixei. Olhei de novo. Mas encolhi-me. O leão deixou de rugir. Cresceu dentro de mim o sentimento. No manche de meu A-6, em vez de um leão, ia uma vaca. E arrefeci, ternamente, passionalmente. É que sobre o navio se estendia, imensa e grandiosa, a acolhedora bandeira da Cruz Vermelha Internacional. A guerra também tinha suas leis. Aquele alvo não me servia.

E imaginei-me dentro do navio, mutilado ou doente, findado para o mundo. Alcei voo. Na minha terra, há uma lei que desde menino, nos incutem: “Em mulher, criança, velho e doente não se bate nem com uma flor”.

Era a Lei dos Pampas que eu obdecia. A Lei dos Farrapos. A norma dos homens do Rio Grande, que estavam sempre prontos para dar uma flor para uma moça, uma esmola para um pobre e uma bofetada num atrevido.

A lei da guerra era pinto, em lhaneza e respeito, comparada a lei dos meus pagos. E fugi do navio, feliz da vida.

(*) RICARDO RITZEL é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 –Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerrra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.

Nota do Editor. As fotos que ilustram esse artigo são uma reprodução do Museu Nero Moura.

(**) Missão 60, de Fernando Pereyron Mocellin, escrito em 1963 na Santa Maria da Boca do Monte e publicado pela Livraria Sulina, de Porto Alegre

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