ARTIGO. Ricardo Ritzel, superagitados anos 20, conturbação nacional e a batalha de Santa Maria
A Batalha de Santa Maria
Por RICARDO RITZEL (*)
Depois de mais de duas décadas de uma estranha paz entre maragatos e pica-paus, o ano de 1921 começa com sussurros, conspirações e ardis no Rio Grande do Sul.
E o primeiro movimento neste complexo tabuleiro das paixões políticas do início do século XX é o apoio do presidente do Estado, Antonio Augusto Borges de Medeiros, à jovem oficialidade do exército brasileiro que se opunha à candidatura da aliança Café com Leite do mineiro Artur Bernardes à presidência do Brasil.
Porém, Bernardes se elege, assume o poder e a resposta dos barões do café não tarda a chegar. Em 1923, paulistas e mineiros não tiveram dúvida alguma em apoiar os opositores do castilhismo gaúcho, liderados politicamente por Assis Brasil e, nas armas, por Honório Lemes, além de fornecer armamento e mantimentos para revolução.
Com o endurecimento dos combates entre chimangos e maragatos, o governo federal ameaça intervir no Estado, pressionando ainda mais o governo gaúcho. Com o fim da revolução, o Tratado de Paz de Pedras Altas retira os mecanismos de reeleição que, praticamente, garantiam o velho Borges na cadeira de presidente do Estado desde a morte de Julio de Castilhos. (*Carlos Barbosa governou o Estado entre 1908 e 1913)
Em junho de 1924, outra peça desse tabuleiro entra em ação e uma nova rebelião de tenentes comandada pelo marechal da reserva gaúcho, Isidoro Dias Lopes, reacende o fogo revolucionário no país, estabelecendo um reduto militar na fronteira paraguaia com o Estado do Paraná, de onde irradiava a conspiração contra o governo brasileiro.
Estranhamente, em um gesto até hoje não muito bem explicado, Borges resolve apoiar seus inimigos paulistas e mineiros e ordena a formação de uma tropa expedicionária gaúcha e seu rápido deslocamento até o teatro de operações da revolta no oeste paranaense para lutar contra os rebeldes do Marechal.
Foi como gasolina jogada ao fogo.
Como consequência, guarnições de Santo Ângelo e Cachoeira do Sul anunciaram revoltas armadas, sendo que a tropa missioneira acaba originando uma das mais famosas marchas militares do mundo: a Coluna Prestes.
Paixões políticas incendeiam o Brasil.
E, em Santa Maria, não foi diferente. Durante todo o ano de 1925 e 1926 a cidade foi sacudida por boatos de uma revolta iminente do movimento tenentista, quase todos ligados ao 5º Regimento de Artilharia Montada (5º RAM), ao 7º Regimento de Infantaria (7º RI) e ao Grupo de Esquadrilha de Aviação.
Em meados de 1926, cartas interceptadas pelo setor de inteligência da Brigada Militar anunciavam, para breve, uma ação conjunta das guarnições de Santa Maria, São Gabriel e Bagé. A conspiração contava ainda com o apoio de veteranos maragatos da revolução de 23, como Leonel Rocha e Zeca Netto.
A intenção era atrair a atenção das tropas da Brigada Militar, proporcionando assim, o tempo necessário para a invasão do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul pelas forças do Marechal Isidoro que estavam em terras paraguaias, a pouco mais de 200 quilômetros da fronteira.
Estava montado o teatro de operações da Batalha de Santa Maria.
No início de novembro de 1926, os fatos começaram a se desencadear como uma orquestra que afina os instrumentos antes do concerto. A cidade estava em uma ebulição política radicalizada, típica daqueles anos conturbados. Os boatos eram dos mais plausíveis aos mais impossíveis.
O ambiente na maioria dos quartéis da cidade era abertamente conspiratório contra a posse de Washington Luis na presidência brasileira, que dava continuidade ao revezamento no poder dos “Cafés com Leite”.
O historiador Romeu Beltrão relata em seus livros “Cronologia Histórica de Santa Maria” incidentes no Coliseu Santa-Mariense durante uma sessão de cinema, onde se ouviram discursos inflamados e movimentações suspeitas de quatro oficiais do Exército.
Outro estopim foi aceso com o anúncio de levantes nas guarnições de São Gabriel e Bagé na madrugada de 14 de novembro. Era a senha que anunciava a iminente invasão do Rio Grande pelas tropas do velho marechal Isidoro.
Não era. Isidoro se uniu à Coluna Prestes e entrou Brasil adentro.
E, devido ao precário sistema de comunicação da época, os líderes revolucionários santa-marienses não tomaram conhecimento da vitoriosa reação legalista e a rápida rendição dos militares rebeldes em São Gabriel e Bagé.
Porém, não havia mais o fator surpresa para as tropas leais ao governo. Tanto que neste mesmo dia, 15 de novembro, toda Santa Maria esperava o tão anunciado levante dos tenentes rebeldes.
Em uma atitude prudente, o major Aníbal Barão, então comandante interino da Brigada Militar de Santa Maria, determinou que um único pelotão, e somente esse, fosse ao tradicional desfile cívico e que os soldados estivessem fortemente armados e municiados. Enfim, prontos para o combate.
A ordem de Barão também se revelou uma ardilosa manobra militar, fazendo que o restante da tropa brigadiana já se posicionasse, fortemente armada, em pontos estratégicos da cidade.
Exatamente à meia-noite, enfim, começa a revolta no 5º Regimento de Artilharia Montada. Uma patrulha liderada pelos tenentes e irmãos Nelson e Alcides Etchegoyen, rendeu a sentinela e o corpo da guarda. Depois se apossaram dos armamentos e, logo em seguida, deram voz de prisão ao comandante do regimento, coronel Enéas Pompilío Pires, assim como a todos seus subordinados diretos.
Depois, rapidamente os rebeldes invadem a caserna e anunciam aos soldados que o quartel estava prestes a ser atacado pela Brigada Militar.
– “Todos em alerta de combate”, ordenou Alcides Etchegoyen, aclamado por unanimidade como comandante da rebelião pela soldadesca, mesmo sendo o oficial com menor tempo de serviço militar.
Quando o relógio marcou, pontualmente, 5h45 daquela manhã do dia 16 de novembro de 1926, Santa Maria foi acordada com toques estridentes de clarim. E os primeiros tiros de canhão foram disparados na frente do 7º Regimento de Infantaria, nos altos da Rua Doutor Bozzano. Os alvos eram posições legalistas no Centro da cidade.
(2º parte será publicada no dia 20 de junho)
(*) RICARDO RITZEL é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 –Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerrra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.
Nota do Editor. As fotos publicadas aqui são reproduções de internet (Alcides). da Casa Memória de Edmundo Cardoso (imagem da atual praça Saldanha Marinho) e de Wagner Serafini dos Santos – Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria (a capa do jornal Correio da Serra)
Muito bom como de costume.
Observações. Coluna Miguel Costa Prestes. O primeiro sumiu por conta dos comunistas e por ser oficial da Força Pública, atual PM. Alás, a coluna, que deu em nada, era composta majoritariamente de liberais.
Os oficiais do 7º RI também foram presos.
O general Sérgio Etchegoyen, filho de general, é neto de Alcides. Comandou a 3º DE por volta de 2012.