CRÔNICA. Orlando Fonseca e a falta que nos faz o aperto de mão. E também a mão no ombro, o beijo…
Aperto de mão
Por ORLANDO FONSECA (*)
Qual o valor de um aperto de mãos? Temos uma medida para qualificar esse gesto social? Nem sempre os humanos o praticaram, mas desde que se conheceram por gente, pessoas, que entenderam o outro como igual e próximo, incluíram o gesto em suas relações interpessoais. Não importa o nível entre os praticantes, não importa se apertado ou frouxo, corajoso ou tímido, consciente ou desleixado, o aperto de mãos adquiriu uma importância simbólica que nos define.
Digo isso porque, assustados como estamos, corremos para longe ao ouvir a tosse de alguém, e também já vamos desconfiando de quem, inadvertidamente, nos estende a mão para um cumprimento. Esse ato está suspenso pela nova etiqueta, nesses tenebrosos dias de mascarados e de isolados em razão da pandemia global. Na cotação dos atos humanos, será que vai manter o valor que lhe concedemos por séculos e séculos?
Quando dois seres, obedecendo a uma volição própria, cientes de seu ato, levam as mãos a se tocarem, se juntarem e se unirem em um movimento harmônico, pode-se afirmar com certeza se tratar de humanos. Ao menos em nosso Planeta, são os seres providos de racionalidade, de consciência individual e espírito de coletividade os que são capazes de gestos simbólicos.
Há entre os animais o convívio coletivo, originado pela herança genética e pelo senso de sobrevivência; mas em grande medida essa aparente amizade ou fraternidade é produto dos instintos. Dar as mãos, com a significância afetiva ou compromissada, está entre os atos que a civilização – também essa – conformaram o ser humano que somos.
Existem pesquisas que apontam a beligerância que se naturalizou ao longo dos milênios entre nossos ancestrais como a origem do gesto. Quando dois desconhecidos se aproximavam, na época das cavernas ou na Idade Média, o protocolo recomendava que o forasteiro estendesse a mão para indicar que vinha em paz, ou seja, que não portava nenhuma arma.
Assim, podia saber que o hospedeiro, por não ter nas mãos uma arma, da mesma forma o recebia em paz. Isso foi transposto para os rituais de lutas. Poder-se-ia afirmar que o aperto de mão originava um contágio de fraternidade.
Agora que os protocolos antipandemia nos têm orientado a não estender a mão, para evitar contágios do coronavírus, sabemos que o gesto nos faz falta. Assim como o pacote de amistosidade inteiro: os beijos, os abraços, a mão no ombro. Uma estratégia recomendada é o uso do cotovelo para nos cumprimentarmos. E isso porque jamais poderemos tocar em nossa boca, nariz ou olhos – os mais suscetíveis como portas de entrada do vírus fatal – com o próprio cotovelo.
Na falta de abraços, estamos dando cotovelaços, que em outras circunstâncias significaria exatamente o oposto de uma ação amistosa. Herança de nossa paixão pelo futebol, em que é comum aos zagueiros, pela falta de habilidade com os pés e a bola, usarem o cotovelo como último recurso para parar um atacante hábil. Talvez, até porque o esporte resgata a beligerância arcaica do ser humano, o cotovelaço se torne simbólico para uma nova normalidade comunitária.
Em nosso aperto global, em vista da Covid-19, o aperto de mãos passou a risco de vida, deixou de significar o que vinha significando ao longo do tempo de nossa jornada civilizatória. Precisamos é não descuidar de que, com isso, também se percam outras virtudes, cujos símbolos se vão desmerecendo, como o urbanismo, o respeito, a tolerância e a solidariedade.
Acima de tudo precisamos assegurar que os seres providos de razão deste Planeta, mantenham a racionalidade e o sentido de fraternidade. Como é típico das relações familiares, motivo de proteção e afeto, precisamos manter o senso de uma única família, unidos pelo humanismo, tanto para cuidar de cada um de todos, quanto para cuidar da nossa Casa, única e pródiga a todos que a habitam com zelo.
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.
Observação do editor: a imagem (sem autoria determinada) que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
‘ Jornada civilizatória’ é uma afirmação ideológica. Com certeza não é ‘nossa’. Para quem não gosta de bancar o avestruz da piada, ‘civilização’ não é conceito pacífico nem na academia, o mundo esta meio de cabeça para baixo apoiado numa só mão e não existe exemplo histórico de ‘civilização’, e aqui não importa o conceito, que não tenha entrado em decadência. Alás, aperto de mão não é costume em boa parte do oriente.