Qual é a origem da birra de Bolsonaro com o horário de verão? – por Carlos Wagner
E ainda há o recuo do vírus, viabilizando reabertura de restaurantes e botecos
Nos primeiros meses do seu mandato, em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou um decreto presidencial colocando fim ao horário de verão que vinha sendo adotado no Brasil desde 1985. De outubro a fevereiro, 11 estados, entre eles Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, adiantavam o relógio em uma hora.
Esse horário nasceu no país em 1931, com o então presidente da República Getúlio Vargas, com o objetivo de poupar energia elétrica. Com interrupções desde então, ele tem funcionado. Não é invenção dos brasileiros. Existe em outros países, como Estados Unidos, Chile e na União Europeia.
Ao assinar o decreto que colocou fim ao mais longo período consecutivo de funcionamento do horário de verão, entre 1985 a 2019, Bolsonaro alegou que a energia poupada era insignificante e que uma pesquisa feita pelo seu governo revelara que 70% da população era contra a existência do horário.
E acrescentou um motivo novo que na época passou batido pela imprensa. Mas ficou registrado, como foi publicado no site G1: “Se não alterar o relógio biológico, com toda a certeza, a produtividade do trabalhador aumentará”.
Na ocasião, a imprensa embarcou no bonde de Bolsonaro e não fez estardalhaço sobre a decisão dele a respeito do horário de verão. Por quê? O governo estava começando e os jornalistas ainda estavam tateando para saber como funcionava a administração Bolsonaro.
O estilo do novo presidente era uma novidade para nós. Lembro que todas as manhãs ele disparava desaforos contra alguém, ou uma instituição, que virava manchete nos noticiários. Também há o fato de que o horário de verão nunca foi uma unanimidade no Brasil, especialmente em Porto Alegre e várias cidades do Rio Grande do Sul, porque em outubro, às 7h, o sol recém está nascendo.
Mas também nunca foi detestado porque, a exemplo do que acontecia em outros grandes centros urbanos do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, o horário de verão ajudava a engordar o número de frequentadores nos happy hour de restaurantes e botecos, o que fazia a economia girar e criava centenas de empregos.
Portanto, o horário de verão não era pela poupança da energia, mas pelo happy hour. No ano passado, o assunto ficou esquecido porque instalou-se a pandemia causada pela Covid e foi o caos que registramos nos noticiários e que foi documentado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid.
Dois fatos ressuscitaram a discussão sobre a volta do horário de verão no segundo semestre de 2021: o avanço da vacinação e o consequente recuo do vírus, o que possibilitou o estabelecimento de protocolos que viabilizaram a abertura dos restaurantes e botecos. E a real possibilidade de acontecer um racionamento de energia elétrica devido os baixos níveis das barragens das usinas hidrelétricas causado pela crise hídrica.
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), lembrou o governo que o setor tinha sido seriamente atingido pela pandemia e que a volta do horário de verão seria uma oportunidade de turbinar os negócios.
A resposta do governo foi burocrática. O ministro das Minas e Energia, almirante de esquadra Bento Albuquerque, pediu à Operadora Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que fizesse um estudo para saber qual o impacto que o horário de verão traria no consumo de energia. O resultado foi o que todos já sabiam. A diminuição no consumo é insignificante. Com isso o governo deu o assunto por encerrado.
A imprensa publicou algumas matérias no pé da página e deixou para lá. Uma explicação para quem não é jornalista. No jargão das redações “pé de página” significa que o assunto não tem muito interesse. Mas é noticiado para que, caso haja reclamação dos leitores, o jornal tenha registrado a informação e não seja acusado de omisso.
Vamos refletir sobre o assunto. Em 2019, não conhecíamos a maneira de agir de Bolsonaro e das pessoas que gravitam ao redor dele. Os ataques contra a imprensa eram intensos e nos surpreendiam, a exemplo do que tinha acontecido com os colegas americanos durante o governo do presidente Donald Trump (republicano), que era publicamente idolatrado pelo seu colega brasileiro.
Hoje (2021) nós conhecemos a maneira de operar do governo, das pessoas ao redor do presidente, os generais e outros 6 mil militares que fazem parte da máquina administrativa federal. Um dos motivos do governo estar em um atoleiro político, econômico e ético é a fidelidade do presidente a pautas exóticas de grupos que o apoiam, como os pastores das igrejas neopentecostais que disputam os seus seguidores com as religiões afro-brasileiras, como a umbanda, e os donos dos botecos nos bairros e trabalhadores de baixa renda.
Sei disso porque fiz dezenas de matérias a respeito do assunto. O grande apoiador do presidente é o pastor Edir Macedo, uma figura polêmica que ergueu um império de jornais, TVs e rádios ao redor da Igreja Universal. Lembro os meus colegas a frase dita pelo presidente em 2019, que mencionei na abertura da matéria: “se não alterar o relógio biológico, com toda a certeza, a produtividade do trabalhador aumentará”.
Pergunta que temos responder ao nosso leitor. Essa frase tem alguma coisa a ver com o compromisso do presidente com a “pauta de costumes” defendida pelos pastores Edir Macedo, Silas Malafaia, Marcelo Crivella (ex-prefeito do Rio de Janeiro) e outros?
Uma explicação para quem não é jornalista. As redações usam a expressão “pauta de costumes” para explicar a luta de setores reacionários da sociedade contra os avanços sociais já conseguidos contra o racismo, a homofobia e outros preconceitos enraizados na sociedade.
Até as pedras das ruas do Brasil sabem que o horário de verão não tem a ver com poupar energia. Mas com o happy hour, que graças ao avanço da vacinação e aos protocolos estabelecidos pelas autoridades sanitárias, está de volta.
O rolo nos dias atuais atingiu tamanha grandiosidade que assuntos como a “pauta de costumes” foram varridos para o pé da página dos jornais. Mas pessoas como Macedo, Malafaia e Crivella estão agindo e nós jornalistas não podemos perdê-los de vista.
A preocupação desses três senhores e dos que gravitam ao redor deles não tem a ver com religião. Tem a ver com dinheiro. Há livros, processos e documentos que mostram isso. Digo mais. Sempre que nós jornalistas perdemos de vista aqueles que trabalham pelo retrocesso dos avanços sociais e políticos do país instala-se o caos, como aconteceu na Alemanha nos anos 30.
Pode parecer que o presidente Bolsonaro atira palavras ao vento. Aprendemos nesses quase três anos de mandato que não é assim que as coisas funcionam. Tudo que ele diz, por mais absurdo que possa ser, tem um sentido.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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