Poder Moderador no Brasil tem nome: Golpe! – por Leonardo da Rocha Botega
Não se trata de invenção. O país já teve. E o que significou? Autoritarismo!
Tem sido comum nos momentos de crises institucionais em nossa frágil experiência democrática a reivindicação de um Poder Moderador. Um poder que estaria acima dos demais e seria capaz de equilibrar as relações entre os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário. Tal ideia não corresponde a uma novidade na História do Brasil, uma vez que já esteve presente em nossa forma de Estado ao longo do Período Imperial (1822-1889).
A Teoria do Poder Moderador surgiu na França após a queda de Napoleão. Naquele contexto, o Congresso de Viena e a “Santa Aliança”, órgãos criados para a reconstrução da ordem mundial, se debatiam em torno de um único objetivo: o reordenamento da Europa Pós-Napoleónica.
Os ideários da Revolução Francesa haviam transformado profundamente as estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, não apenas da Europa, mas também das Américas. Nesse sentido, o retorno à “velha ordem” não teria a forma anterior.
Foi em meio a esse debate que os intelectuais franceses Benjamin Constant e Clermont Tornnerre propuseram a ideia de um Poder Moderador, um “poder neutro” que atuasse acima dos três poderes propostos por Montesquieu.
Tal ideia influenciou profundamente José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos principais responsáveis não somente pela Independência do Brasil, mas também pela construção da ordem Monárquica brasileira. Foi José Bonifácio que propôs a inserção do Poder Moderador na Constituição do Império, outorgada por D. Pedro em 1924 após embates com as forças políticas que queriam uma forma de Estado menos centralizadora.
O Poder Moderador brasileiro se materializava na figura do próprio Imperador. Cabia a esse não apenas o direito de interferir “pontualmente” nos outros poderes como também nomear e demitir livremente os Ministros do Executivo, nomear e demitir os juízes e escolher senadores vitalícios a partir de uma lista tríplice encaminhada pelas províncias, bem como, decretar a dissolução da Assembleia Geral do Império quando assim entendesse como necessário. Tais atribuições nada mais eram do que uma forma de Absolutismo Tardio.
O Poder Moderador foi extinto, juntamente com a Monarquia, após o golpe militar que pôs fim ao reinado de D. Pedro II em 1889. Pela nova forma republicana de governo, o Estado brasileiro seria organizado a partir de três poderes autônomos e independentes, livres de qualquer interferência externa. Na prática, a harmonia não aconteceu. O primeiro presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca, acabou deposto em 1891, após intensos embates com as oligarquias que dominavam o poder legislativo. Seu sucessor, o também Marechal Floriano Peixoto, governou impondo um poder centralizador sobre os seus opositores, tanto nos Estados, como nos demais poderes do Estado.
Apesar de os primeiros governos republicanos terem sido responsáveis pelo fim do poder moderador, foi justamente a partir desses governos (e da assunção do positivismo como ideologia militar) que setores da sociedade brasileira passaram a assumir o discurso das Forças Armadas como uma espécie de Novo Poder Moderador, garantidor da “ordem nacional”.
Foi com esse discurso que as revoltas populares de Canudos e do Contestado foram sufocadas. Esse discurso também esteve presente nas Revoltas Tenentistas da década de 1920 e foi fundamental para a deflagração dos golpes de 1930, 1937 e 1964.
Tal discurso tem sido o principal responsável pela instrumentalização política dos militares. Uma instrumentalização que historicamente distorce a função das Forças Armadas como órgãos do Estado responsável pela defesa da soberania nacional e da garantia do funcionamento dos poderes constitucionais. A ideia das Forças Armadas como Poder Moderador força a constante invenção de um inimigo interno que deve ser contido.
No passado, o inimigo interno inventado foi o sertanejo e o caboclo que lutavam para fugir dos desmandos dos coronéis. Hoje, os inimigos inventados podem ser aqueles (poderes ou grupos sociais) que resistem aos desmandos autoritários de um governo que a única coisa que faz é buscar aparelhar o Estado e atacar a democracia e as parcas conquistas sociais do trabalhador brasileiro. Seja no passado ou presente, a ideia das Forças Armadas como Poder Moderador no Brasil tem nome: Golpe!
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Unico golpe a vista é na cabeça da ‘esquerda’. Para ver se ‘pega no tranco’.