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E o carinho? – por Orlando Fonseca

Quando lançado em 1967, o filme “Ao mestre, com carinho” (To Sir, with love, no título em inglês), ao menos na realidade brasileira, ganhava conotações firmadas na experiência pessoal de milhares de adolescentes. Ao final daquela década, malgrado os acontecimentos históricos na vida nacional, a relação dos alunos com os professores era muito diferente da que percebemos hoje no país (aliás, coisa natural). Apesar de o filme mostrar uma realidade complicada na periferia de Londres, com alunos fazendo de tudo para que o novo professor fosse mandado embora, como os demais, não é esta a razão do sucesso que o filme ganhou. Justificava-se, ao final da trama, o “com carinho” do título, em face da transformação por que passaram os alunos. Pelo que me lembro, como estudante do ginásio, naquela época, a maioria dos alunos tinha um respeito pelos professores que, ao que tudo indica, foi-se perdendo. Contudo, e aí o motivo de eu estar lembrando do filme, nesta semana em que se comemora o Dia do Professor e da Professora: tanto no que concerne à conjuntura, quanto no que se refere aos hábitos e costumes juvenis, estariam os professores sendo alvos de “carinho”? Ou melhor, estariam as administrações e a comunidade escolar dispostas a reservar “carinho” aos mestres?

O filme teve como base a autobiografia de E. R. Braithwaite, e tanto no livro quanto na narrativa cinematográfica, o drama está na disposição do protagonista em ensinar, no sentido mais amplo e sublime que o conceito de educação possa comportar. E acima de tudo, fé na experiência humana de que ninguém nasce mau, e neste caso, é sempre possível retomar a essência de dignidade que nos coloca na vida e na realidade. Esse projeto, nem sempre conta com as melhores ferramentas e condições materiais, no entanto, se for conduzida pela disposição pedagógica de instruir e libertar, encontrando terreno fértil, dará bons frutos. Por inúmeras razões, sabemos que há uma avalanche de situações jogando contra o processo, e se não contarmos com espíritos abertos e esforçados, podemos perder mais uma geração para o atraso e a falência dos valores da dignidade cidadã.

Nos últimos anos, tanto a pandemia da Covid 19, quanto a má gestão da educação no Brasil constroem um quadro dramático, com o qual precisam tratar professores e professoras pelas salas de aula do país. Se por um lado temos uma realidade de condições materiais, em escolas da rede privada, por outro, temos pais e, por conseguinte, filhos, entendendo que “educação” é um produto (uma mercadoria) vendida pela escola, e que se tal produto não está sendo bem assimilado por quem o compra e paga, a culpa é de quem vende, ou de quem administra o produto nas aulas. Em outra realidade, as escolas públicas contam com escassos recursos técnicos, com professores mal remunerados, os quais, para ir além das condições a que são submetidos, acabam fazendo da sua profissão um sacerdócio, que chega às raias do martírio.

Temos uma crise, além de tudo isso, no processamento do ensino/aprendizagem. Durante séculos, na educação, o veículo mais utilizado foi o livro impresso. No entanto, já há duas décadas, crianças e jovens habituaram-se a um mundo conectado digitalmente; as escolas e as universidades ainda não estão técnica e didaticamente preparadas para a migração a esta nova plataforma. Portanto, a própria relação presencial entre alunos e professores está afetada. Ainda que esta e as próximas gerações se acostumem a uma relação mediada pela interface do mundo digital, sabemos todos que a humanidade se transmite pelo contato interpessoal, quanto mais próximo, mais profundo e duradouro. O que impõe para este tempo de transformações radicais uma atenção muito grande para com as condições psicológicas dos mestres. Se em meados do século passado levava os alunos a uma transformação que induzia, para além do aprendizado, o afeto para com o mestre, em pleno século XXI, ainda é preciso (e diria, urgente) que aos professores e professoras, no seu dia, alunos e seus pais, gestores e agentes públicos dediquem carinho, na forma de um gesto humano de valorização e reconhecimento.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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10 Comentários

  1. Resumo da opera: muitos falam no surgimento do Homo technologicus. Já existem quem estude a implantação de chips no cerebro das pessoas. A linha de montagem fordiana que é o sistema de ensino atual está com os dias contados. Futuro pertence aos jovens não aos ‘no meu tempo que era bom’.

  2. Reclamação mais frequente ouvida de professores durante a pandemia foi a perda de controle dos alunos. Não sabiam quem estava prestando atenção, muitos desligavam as cameras por diversos motivos. Nada a ver com ‘carinho’. Na sala de aula criatura que leciona pode olhar a cara das ‘vitimas’ e ter uma noção de quem/quantos entenderam o material discutido. Perdeu-se o feedback. Obviamente os relapsos continuaram fingindo que ensinam. E, maravilha, os pais em muitos casos conseguiram fiscalizar o trabalho das criaturas lecionadoras.

  3. ‘humanidade se transmite pelo contato interpessoal, quanto mais próximo, mais profundo e duradouro’. Esta afirmação não tem pé, nem cabeça? No sentido empregado no texto sim. Mas os 46 cromossomos, de fato, se transmitem pelo contato interpessoal ‘profundo’. Kuakuakuakua! Sociedade, fora dos bancos escolares, são as duas duzias (menos na maioria das vezes) com quem se convive no dia a dia. Mesmo na epoca de formação, os/as alunos(as) não saem das escolas e passam o resto do tempo encerrados(as) em quartos escuros. Vermelhinhos gostam de citar Foucault (que era posmodernista, ou seja, existem inconsistencias) e ele tinha opiniões sobre escolas e prisões.

  4. Coitadismo (o sistema de ensino visa os/as alunos(as), não os/as docentes). Generalizações sem base. “educação uma mercadoria”: o mundo ideologicamente adivinhado num gabinete. Como saber o que milhares de pais e alunos pensam? Educação, segundo pesquisa do datafeira, é um meio para atingir um fim. Adquirir conhecimento, capacidades e habilidades. Estuda-se para ‘ser alguém na vida’. Obvio que a grande maioria enxerga como a formação do individuo e a minoria como a preparação de um integrante de um coletivo (no futuro o Estado dará um jeito nos meios de vida; milagrosamente diga-se de passagem). Metade da conta é do(a) docente e metade dos(as) pupilos(as). Obvio.

  5. ‘ninguém nasce mau,’, o bom selvagem, Rousseau, filosofia do seculo XVIII. O que é o transtorno de personalidade antissocial? Nos seus diversos graus? Com fatores geneticos?

  6. PSOL. ‘O Partido SOCIALISMO E LIBERDADE desenvolverá ações com o objetivo de organizar e construir […] a clareza acerca da necessidade histórica da construção de uma sociedade socialista, com ampla democracia […]’. Era corrente petista, sem espanto.

  7. Estatuto do PC do B. Da mesma Federação. ‘Organização política de vanguarda consciente do proletariado, guia-se pela teoria científica e revolucionária elaborada por Marx e Engels, desenvolvida por Lênin e outros revolucionários marxistas.’ ‘Visa à conquista do poder político pelo proletariado e seus aliados, propugnando o socialismo científico. Tem como objetivo superior o comunismo’. O registrado no TSE não vale?

  8. Pontas que ficam soltas. Estatuto do PT. ‘ O Partido dos Trabalhadores (PT) é uma associação voluntária […] com o objetivo de construir o socialismo democrático’. Meios de produção são do Estado e a ‘democracia’ é dos ‘cidadãos conscientes’. Resolução de 17 de maio de 2016. ‘[…] a urgência da democratização do Estado e a remoção dos entulhos autoritários herdados da transição conservadora pós-ditadura’. ‘[…] desestabilização em processos progressistas de outros países – como Venezuela, Equador e Bolívia.’ ‘Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação.’ Ou seja, não é informação de Whatsapp.

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