Um domingo para esperançar! – por Valdeci Oliveira
Sim, “é preciso ter esperança que será normal ter a vida acima de tudo...”
Muitos acreditam que ao lado do alimento, da água e do oxigênio está a esperança como um dos elementos fundamentais, essenciais à vida. Sempre atenta e posta, a esperança – a partir do conhecimento e comungada com a luta e consciência sociais – nos leva a querer e buscar por dias melhores. Num descuido podemos até confundi-la com utopia. A minha personalidade, este complexo somatório moldado pela vida e pela minha genética, me inclui entre esses muitos.
Em tempos de exploração política da religião, em que alguns buscam transformar templos e igrejas em mercados ideológicos, difusores de discursos de ódio, preconceito e intolerância – direcionada, principalmente, contra as manifestações de matriz afrodescendente – é bom sempre lembrar que, ao lado da fé e do amor (que também pode ser lido como caridade), a esperança é a outra das virtudes que compõe o trio teológico do catolicismo, está presente entre evangélicos, budistas, cristãs ortodoxos, protestantes, judeus, islâmicos e até mesmo ateus. A esperança tem muitas facetas, cores. Na prática, por mais subjetiva que possa ser, a esperança ainda pode ser sinônimo de resistência, de não abdicar do direito de tê-la, professá-la, comungá-la.
O momento Histórico que estamos vivendo no país nos mostra, em variadas linhas de avaliação, que, na carência do primeiro elemento, a comida, temos a esperança em relativa quantidade. Quantidade esta que é capaz de mudar os rumos do Brasil e sua errática forma dele se relacionar, enquanto estado, com sua própria população.
Com altos e baixos, a partir da redemocratização, mesmo não encarando de frente todo um horror de um passado sombrio como fizeram vários de nossos vizinhos latino-americanos, a esperança e a organização da sociedade civil por dias melhores nos possibilitou atravessarmos as últimas décadas com relativos ganhos sociais e políticos.
A Constituição Cidadã, a volta das eleições diretas, a criação do SUS, a ampliação de direitos sociais e trabalhistas, a estabilização econômica, a criação de universidades com o estímulo para que fossem buscadas e o reconhecimento de que todas as pessoas – brancas ou pretas, com ou sem religião – têm os mesmos direitos são alguns exemplos de que ter esperança tanto vale a pena como é fundamental.
E buscar ter isso de volta é renovar e colocar em prática o verbo “esperançar”, ter no horizonte a esperança de que nossa Carta Maior continuará sendo respeitada, que o SUS voltará a ser reconhecido, que a educação e o conhecimento serão novamente venerados, que o trabalho e a renda se tornarão mais uma vez uma realidade concreta, palpável, e que a fome fique, como já ficou em passado recente, para trás como uma chaga a ser sempre combatida.
Buscar ter isso de volta é acreditar que é possível tratar como delírio a afirmação de que as minorias devem se curvar à vontade da maioria, que o oponente político deva ser exterminado, que o diferente deva ser ignorado, que a democracia pode ser colocada em dúvida.
É preciso que tenhamos a esperança de mais chances à juventude pobre e preta e que as agressões, fatais ou não, às mulheres terão uma resposta dura da mão pesada do estado. É preciso ter esperança que será normal ter a vida acima de tudo e que a economia deve ser pensada para que todos dela usufruam, para que quem produz tenha também o direito de consumir.
É preciso ter esperança de que nunca mais iremos nos deparar com um estudo tipo o apresentado recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o qual concluiu que, em 2021, a quantidade de bebês internados por conta da desnutrição no Brasil foi a maior dos últimos 14 anos; que oito crianças de até um ano de idade foram levadas a algum hospital, TODOS OS DIAS, por falta de ter o que comer e que mais de 700 mil pequenos com menos de 5 anos tiveram algum problema de desnutrição.
É preciso ter esperança – e lutar por isso – para que não tenhamos mais seres humanos, nossos irmãos e irmãs, revirando caçambas atrás de osso de boi ou pés de galinha para transformar em algo que, para quem tem fome, é chamado de alimento.
Esperancemos e esperancemos muito para que não tenhamos mais que conviver com uma realidade em que 33 milhões de brasileiros e brasileiras tentam subsistir sem ter acesso sequer a um prato de arroz e feijão decente para comer. Esperancemos para que o nosso país venha a se tornar o país dos livros, da educação e da cultura para todos e todas.
Eu, no próximo domingo, sem medo algum de ser feliz, vou pegar todas essas minhas esperanças, canalizá-las para a urna eletrônica e desejar, do fundo do meu coração, que o Brasil volte a ser um país governado pelo caminho da razão e da humanização.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.
Um domingo para jogar o pais na privada.