Efeito das imagens do 8 de janeiro e dos yanomamis na eleição de Rodrigo Pacheco – por Carlos Wagner
Por muitos anos houve nas redações uma disputa por espaço nas páginas dos jornais entre os repórteres de texto, conhecidos como canetinhas, e os fotógrafos, apelidados de retratistas. Quando comecei na profissão, em 1979, esse embate já existia e era acirrado, resultado em frequentes bate-bocas. Nessas ocasiões, cansei de ouvir dos repórteres fotográficos a frase atribuída ao filósofo chinês Confúcio: “uma imagem vale mais que mil palavras”. As novas tecnologias colocaram um ponto final nessa briga: venceu o pessoal da imagem. Um vídeo, uma foto ou um gráfico falam por si. Em consequência, houve uma sensível diminuição do texto jornalístico. Ficou mais enxuto, objetivo e elegante, na opinião de especialistas. Contei essa historinha por julgar que ela facilita a nossa conversa sobre o efeito que tiveram nas eleições para presidente do Senado e da Câmara dos Deputados as imagens dos atos terroristas de 8 de janeiro em Brasília, quando bolsonaristas radicalizados quebraram e destruíram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF). E das mulheres, crianças e homens da tribo yanomami reduzidos a pele e ossos pela fome causada pela invasão de suas terras por garimpeiros.
Vamos enfileirar os fatos da nossa conversa. O que irá acontecer no país nos próximos dois anos vai passar pelas mãos dos presidentes da Câmara e do Senado. As eleições para presidente das duas casas ocorreram no dia 1º de fevereiro. Na Câmara, formada por 513 parlamentares, houve um consenso ao redor da reeleição do presidente Arthur Lira (PP-AL). Ele somou um recorde de 464 votos, derrotando os seus dois adversários: Chico Alencar (Psol-RJ) e Marcel Van Hattem (Novo-RS). A disputa entre a situação e a oposição aconteceu no Senado, onde Rodrigo Pacheco (PSD-MG) concorreu à reeleição, apoiado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), contra Rogério Marinho (PL-RN), candidato do ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem foi ministro. O Senado é formado por 81 senadores, Pacheco venceu por 49 a 32 votos. A vitória de Pacheco deveu-se a uma série de fatores, que estão expostos em dezenas de reportagens. Chamo a atenção dos meus colegas para um desses fatores. O desgaste político que vem causado à imagem de Bolsonaro os atos terroristas de 8 de janeiro e o genocídio dos yanomami. Como diz o dito popular: ele pode chorar e espernear, mas essas duas imagens estão se tornado símbolos da administração do ex-presidente e do seu círculo pessoal de líderes, formado pelos chamados Generais do Bolsonaro, como foram apelidados um grupo de militares (ativa, reserva e reformados) que faziam parte da administração federal, e os três filhos parlamentares do ex-presidente: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo.
Tudo que se escreveu sobre as ligações de Bolsonaro com grupos da extrema direita, a sua intenção de destruir a Floresta Amazônica e as tribos indígenas que vivem por lá e o seu projeto político de dar um golpe de estado estão sintetizados nas imagens dos atos terroristas de 8 de janeiro, em Brasília, e no genocídio dos yanomami pelos garimpeiros. Como falei no início da nossa conversa: “uma imagem vale mais que mil palavras”. Lembro que durante o governo Bolsonaro havia uma conversa entre nós jornalistas de que os rolos que aconteciam na administração federal não colavam na imagem do então presidente da República. Uma das explicação que se dava era que a velocidade com que os absurdos se repetiam era tão grande que um escândalo logo era substituído por outro. O que aconteceu de diferente dessa vez? Não foi só o fato de Bolsonaro não ser mais presidente da República. Aconteceu que ele e o seu círculo pessoal de líderes foram longe demais. Conversei com especialistas sobre o efeito que essa situação terá no futuro político do ex-presidente. Um deles me lembrou um fato que escrevemos em várias reportagens. Escrevemos que o bolsonarismo tinha crescido mais que Bolsonaro. A presença dele para os seus seguidores hoje é tóxica, porque lembra todas essas imagens. Não é por outro motivo que existe uma disputa pelo lugar dele, que envolve o seu ex-vice-presidente e atual senador do Rio Grande do Sul Hamilton Mourão, general da reserva do Exército. Uma história curiosa a respeito de Mourão. Durante o governo, Bolsonaro simplesmente empurrou o seu vice para um canto da administração, deixando-o fora dos holofotes da imprensa. De uma certa maneira isso preservou a imagem do vice. Agora, isso não significa que Mourão não possa ser responsabilizado pelo que aconteceu, em especial com os yanomami. O general presidiu o Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL) e usou o seu cargo para desmontar o aparato de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Esse desmonte facilitou a entrada dos garimpeiros nas reservas indígenas. Toda essa história deve vir à tona no decorrer da disputa entre o ex-presidente e seu vice pela liderança do bolsonarismo.
O ex-presidente está em Orlando, nos Estados Unidos. Foi para lá um dia antes de terminar o seu mandato, para não passar a faixa presidencial para Lula. A cada dia que fica por lá favorece o avanço de Mourão na tomada do comando do bolsonarismo. Como vai terminar essa disputa, ninguém sabe. Poderá até gerar uma imagem que sintetizará toda a história. Lembro o seguinte. Eu comecei na lida de repórter em 1979. Na época, fazer uma foto durante uma reportagem era uma lambança. Os fotógrafos andavam com várias máquinas fotográficas penduradas no pescoço. E carregavam umas pesadas bolsas, cheias de lentes e outros instrumentos. Só se sabia o resultado da foto depois de revelar o filme, que era outra grande trabalheira. Depois surgiram as máquinas digitais, que foram uma mão na roda. Eliminaram o filme e toda aquela loucura de laboratório. Hoje um celular pode fazer a grande imagem de uma reportagem. Claro que não tem a qualidade da foto feita por uma máquina fotográfica. Mas tem o essencial, o que interessa para a reportagem. Quando falamos que “uma imagem vale mais que mil palavras” não estamos nos referindo à qualidade da imagem. Mas ao seu conteúdo jornalístico.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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