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Dom Ivo segue conosco – por Valdeci Oliveira

“Mais que humanista, foi, além de exemplo a ser seguido, um visionário”

O próximo domingo marcará os 16 anos da partida do Gigante da Esperança. Naquele 5 de março de 2007, entre despachos e reuniões na prefeitura de Santa Maria, onde cumpria um segundo mandato como chefe do executivo municipal, recebi a triste notícia de que aquele com quem muito aprendi em minha trajetória como ser político tinha nos deixado. José Ivo Lorscheiter, o Dom Ivo, partia, mas não estava indo embora de forma definitiva.

Se no campo físico não mais o veríamos, não mais ouviríamos sua pregação em defesa dos perseguidos, dos marginalizados, de todos e todas que tinham fome e sede de justiça, de alimento, de democracia e cidadania, o teríamos em nossas lembranças, como exemplo a ser seguido, sempre nos cutucando para que prestássemos e déssemos a devida atenção às vozes daqueles e daquelas que não tinham direito a falar, escolher, opinar. Dom Ivo tomou para si a causa dos pobres antes mesmo de levantar sua voz contra a Ditadura Civil-Militar que se apossou do país a partir de 1964.

E hoje, quando buscamos reconstruir o país, curar nossas fraturas enquanto sociedade, quando agimos contra os discursos de ódio, quando lutamos para colocar nos orçamentos públicos os desvalidos e ignorados, vemos o quanto a figura do bispo diocesano de Santa Maria tem nos feito falta.

Na imensa seara da insensatez que parece ter grudado em parte considerável da sociedade brasileira, estivesse vivo, Dom Ivo não pouparia esforços, se postaria na primeira fila ou dentro de alguma trincheira cavada para resistir aos males e às injustiças causadas pelo estado mínimo e à ignorância que torna seres humanos tão vis quanto o mais maléfico personagem de ficção.

Estivesse presencialmente ainda conosco, não tenho nenhuma dúvida de que ele que teria levantado sua voz contra os desatinos negacionistas durante a pandemia ou contra os desejos armamentistas e seus verdadeiros motivos que não são ditos. O mesmo faria em relação às posturas preconceituosas que matam mulheres ou buscam aniquilar oponentes políticos.

Ter conhecido pessoalmente Dom Ivo, e com ele ter estabelecido uma amizade fraterna e respeitosa, foi uma daquelas ‘sortes’ que vez ou outra a vida nos permite desfrutar. Além de compartilhar seu conhecimento sem distinção do interlocutor, dele ouvi palavras de conforto e incentivo quando a ele relatava opiniões que chegavam a mim, nunca diretamente, de que eu não falava bonito e não tinha estudo suficiente para seguir em frente nas disputas por cargos eletivos.

Com sua característica terna, utilizava palavras duras, mas nunca desrespeitosas, para qualificar os inimigos da vida, os opositores da inclusão, os profetas da indiferença e da falta de empatia. Como ninguém, ele entendia as agruras do povo e não baixava a cabeça para quem quer que fosse, independentemente do poder que este usufruísse. E foram muitos os momentos, os embates.

Em vários deles enfrentou o poder militar, nos anos de chumbo, e até mesmo parte da cúpula católica – e seus prepostos na sociedade organizados em grupos ultraconservadores -, que viam a Teologia da Libertação não como um movimento religioso cuja abordagem tinha como objetivo colocar a Igreja ao lado dos desvalidos e nela imprimir um caráter mais participativo, mas como um movimento de engajamento político que colocava a instituição em perigo e longe de sua verdadeira vocação.

Outra marca indelével de Dom Ivo foi a de nadar contra a corrente, mesmo que esta o ameaçasse jogá-lo contra as pedras. Num momento em que ditames neoliberais se mostravam (falsamente) como sendo as últimas receitas para o desenvolvimento, o religioso mostrou que um outro conceito, com padrão distinto e verdadeiramente inclusivo, era possível.

Com sua fiel escudeira, a Irmã Lourdes Dill, e demais companheiras e companheiros de luta, colocou Santa Maria e a Região Central no mapa da hoje reconhecida ‘economia solidária’. Dom Ivo mostrou a quem estivesse disposto a ver que a riqueza produzida pela sociedade pode e deve ser distribuída de forma justa, que podemos ter e consumir sem que haja exploração alheia, sem destruir a natureza e muito menos tirar vantagem sobre o suor de quem trabalha.

Mesmo não tendo convivido com um certo Jorge Mario Bergoglio, durante sua vida, Dom Ivo colocou em prática o que este argentino vem pregando desde que assumiu o papado, em 2013. Para o Papa Francisco, a igreja deve ser orientada por religiosos e religiosas que sejam “pastores com cheiro das ovelhas”. Dom Ivo, mais do que um humanista, foi, além de um exemplo a ser seguido, um visionário.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

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