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A covardia medíocre dos golpistas – por Leonardo da Rocha Botega

Uma comparação entre o nazista Eichmann e os golpistas Washington e Cid

Em abril de 1961, a filósofa Hannah Arendt foi enviada a Jerusalém, como correspondente da revista estadunidense The New Yorker, para acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann. Considerado um dos arquitetos do projeto de extermínio dos judeus posto em prática pelos nazistas, Eichmann foi capturado em maio de 1960, no subúrbio de Buenos Aires, pelo Serviço Secreto Israelense, em uma operação que gerou muitas controvérsias internacionais.

À medida que o julgamento foi transcorrendo, diferentemente da imagem do “monstro” estrategista que era veiculada pela opinião pública, Hannah Arendt descobriu uma outra personalidade. Aquele sujeito que respondia aos questionamentos a partir de uma série de clichês e eufemismos burocráticos, estava longe de se mostrar como alguém capaz de grandes articulações político-militares. Eichmann era na verdade “um arrivista de pouca inteligência, uma nulidade pronta para obedecer a qualquer voz imperativa”. Em síntese, um homem medíocre.

A imagem de Eichmann me foi trazida assistindo aos depoimentos na CPI do 8 de janeiro de duas figuras consideradas centrais para a ocorrência dos atos golpistas: o empresário George Washington de Oliveira Sousa e o tenente-coronel Mauro Cid. O primeiro foi responsável por armar uma bomba, junto a um caminhão de querosene, na entrada do Aeroporto de Brasília no dia 24 de dezembro de 2022.

Já o segundo, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, preso no último mês de maio por participação em esquema de adulteração de cadernetas de vacinação, teve uma série de conversas que visavam a organização de um golpe de Estado reveladas após a quebra do sigilo de seu telefone.

Diferentemente de Eichmann, que em sua defesa utilizou recorrentemente a frase “eu apenas cumpria ordens”, George Washington e Mauro Cid preferiram o silêncio como forma de resposta. Um acusado ficar em silêncio em uma CPI não é nenhum crime, muito pelo contrário, é algo previsto constitucionalmente. Um acusado ou um réu tem o direito de não produzir provas contra si mesmo. Porém, o que chama a atenção, é que tal atitude contrastou com outras posturas adotadas pelos acusados nas próprias sessões da CPI.

Enquanto o militar se apresentou de uniforme, expondo adereços, em uma tentativa de intimidação simbólica, George Washington rompeu o silêncio uma única vez tentando sensibilizar os parlamentares com o fato de ser pai de uma criança com necessidades especiais. Como disse o deputado Duarte Junior, que também é pai de uma criança com necessidade especiais, deveria ter pensado nisso antes de tentar explodir um aeroporto cheio de pessoas inocentes. Deveria, mas não o fez. Não o fez, pois a mediocridade dos fanáticos, como bem alertou Hannah Arendt, bloqueia sua discriminação moral.

Apesar da semelhança de seus fanatismos, as posturas de George Washington de Oliveira Sousa e de Mauro Cid revelaram uma mediocridade diferente daquela apresentada por Adolf Eichmann. O agente da máquina de extermínio nazista enfrentou seus algozes olho no olho. Nesse enfrentamento demonstrou o que de fato era, um burocrata da maldade banalizada. Eichmann não foi um covarde, assumiu suas responsabilidades como parafuso de uma engrenagem maior. Um medíocre sim, mas não um medíocre covarde. O mesmo não se pode dizer de George Washington, Mauro Cid e de tantos outros golpistas.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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11 Comentários

  1. Brando,
    O chapéu serve em você também. Afinal só um covarde se esconde em um pseudônimo para destilar besteiras achando que é grande coisa em termos intelectuais. Sai do anonimato e vem para o debate público. Abandona a covardia!

  2. No que se chega na mediocridade e no fanatismo. Comparação das figuras com nazistas é para quem tem um oitavo de neuronio. Não convence ninguém além dos que já estão convencidos. Para estes chegarem na mediocridade ainda teriam que melhorar muito.

  3. No que se chega no Circo Parlamentar de Inquerito. STF criou um monstrengo juridico, um direito a ficar em silencio parcial. Depoente teria que responder as perguntas que não o incriminassem. Obvio que o advogado aconselhou um ‘não responda nada’. Quem sabe o que incrimina ou não é o causidico, não as cavalgaduras parlamentares. Obvio, o questionamento tornar-se-ia uma ‘fishing expedition’, perguntas tentando incriminar o depoente de multiplas formas. Primeira questão da relatora (uma topeiraça) foi sobre as visitas que Mauro Cid recebia na prisão, sem estabelecer nenhuma relação com o objeto do Circo. O presidente do picadeiro (os clips que circulam são exclarecedores), um inepto, largou um ‘seu advogado fez voce cometer um crime’. Violação de prerrogativa. Simples assim.

  4. Mauro Cid teve a carreira destruida. Não chegara ao generalato como o pai. Esta preso numa unidade militar, saiu de lá fardado, conclui-se que era direito dele se apresentar fardado na CPI. As circunstancias mostram que o objetivo era ele declarar algo politicamente prejudicial ao Cavalão. A ‘narrativa’ da prisão até ‘confissão/delação premiada’ ao contrário. Alas, delações premiadas agora ‘valem’ novamente. Vide RJ.

  5. Se existisse alguma prova séria contra o Cavalão confirmando as ‘narrativas’ ele já estaria preso. ‘[…] adulteração de cadernetas de vacinação […]’ que normalmente dariam cestas básicas. Basico se o crime não resulta em pena de prisão o réu não deveria estar preso. ‘[…] conversas que visavam a organização de um golpe de Estado […]’, pelo que foi divulgado seriam mais mensagens incitando algo anormal, não havia ‘organização’ aparentemente. Alas, como afirmou um delegado por aí ‘teriamos que manter presos só os 20% mais perigosos, ‘chipar’ (sic) os demais e mandar para casa’. Faltou o policial exclarecer o que se faria com os 4 do caso Kiss.

  6. George Washington de Oliveira Sousa, ‘empresário’ (qualquer dono de buteco é desta profissão hoje em dia; nada contra donos de buteco). Que sofra o devido processo legal e sofra as consequencias. Simples assim.

  7. Alas, direito e os doutorados marca diabo. Decadas atrás virou moda um curso de doutorado na UMSA, Universidad del Museo Social Argentino. Um monte de gente aproveitou a ‘barbada’. Há um detalhe importante, antes de fazer um curso destes no exterior é bom saber se ele pode ser revalidado numa instituição tupiniquim. Caso contrario não tem validade no sistema de ensino da Terra Brasilis. Pois bem, as criaturas foram e viraram ‘doutores’. Na hora de revalidar o diploma não rolou. Faltava carga horária, corpo docente qualificado, etc. Uma ou duas criaturas pegaram o tratado do Mercosur e anexaram num Mandato de Segurança (foi assim que ficou famoso o caso). E levaram ‘pau’ com banda de musica. O curso não era reconhecido nem pelo CONEAU, a Capes argentina. Depois disso um show de horrores. Uns conseguiram repetir a experiencia, fizeram outro curso não reconhecido em outra instituição. Outros conseguiram uns docs mandrakes, se encontrar um causidico doutor em veterinaria por aí não é de se assustar. Divago.

  8. Vermelhos gostam de desqualificar. Faltam argumentos. A militancia ignara também pode ‘participar’. É ‘inclusivo’. ‘Covardia’ é questão de observar atitudes. Uma criatura é muito ‘valente’ no microfone. Chamada para o estacionamento ‘mija para trás’, é ‘contra a violencia’. Alas, Vermelhos(as) são conhecidos(as) por buscar o caminho de menor esforço e maior recompensa. Cheiro do côcô da vaca está ruim? Melhor trabalhar com ‘educação’, Gramsci tinha razão. Enfermagem tem muito contato com as misérias e excreções da humanidade. Melhor ir para ‘saude publica’. Relatorios e pesquisas cheiram melhor. Pós strictu sensu em letras é melhor em SP, mas POA é bem mais perto. Conseguir aceite num doc em direito está dificil? Tem um interdisciplinar Wallita ali em Floripa. Com 42 praias do lado. Coisa fina.

  9. Eichmann, segundo Arendt, era um burocrata que tinha abdicado de raciocinar. O que tem muitas implicações, inclusive no serviço publico de certos paises.

  10. Eichmann em Jerusalem. Pouco mais de um cento de paginas. Não ocorreram ‘muitas controvérsias internacionais’. O Mossad, serviço de inteligencia israelense, entrou na Argentina e sequestrou Eichmann. Olhando do ponto de vista do direito é um festival de absurdos. Do ponto de vista israelense uma operação bem sucedida. Arendt ‘levou pau’ de gregos e baianos diga-se de passagem. Criticou até a defesa que o nazista teve. Porém o relatorio abrange mais que o julgamento.

  11. Kuakuakuakuakua! Provocações! Que levam a debates estereis e fáceis que saem do nada e levam a lugar nenhum! Kuakuakuakuakua! Quem tem um minimo de capacidade cognitiva sabe que as coisas têm o valor e a importancia que nelas se coloca. Se um cachorro acoa detrás da grade de um portão e assusta fazer o quê, é só um cachorro. Não pode renegar a propria natureza.

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