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Golpe de vista – por Orlando Fonseca

A Justiça (não houve pedaladas) e a revisita ao impeachment de Dilma

Os franceses usam a expressão trompe-l’oeil para indicar algo que é capaz de “enganar o olhar”. Trata-se, no uso popular, de um recurso técnico-artístico empregado com a finalidade de criar uma ilusão de ótica, como diríamos em português. Neste caso, usamos a expressão “golpe de vista”, ou seja, uma observação a partir do olhar rápido, que facilita a ilusão.

Daí estendemos o sentido para uma conclusão tirada de uma olhada por cima, superficial, pois, com atenção poderíamos chegar a uma reflexão acurada, o que permitiria desfazer a ilusão de ótica. Essa introdução metida a besta só para dizer que, de acordo com a decisão do TRF 1, semana passada, o impeachment de Dilma Rousseff foi realmente golpe – aliás, como já dizia desde 2016.

Derivando, portanto, da supracitada expressão francesa, usou-se no parlamento – com STF, com tudo – o mesmo recurso da técnica artística que, com truques de perspectiva, cria uma ilusão ótica que faz com que se deformem dimensões para enganar o olhar apressado (tromper, “enganar”, l’oeil, “o olho”).

No caso das pinturas murais realistas, os truques são criados, deliberadamente, para oferecer uma perspectiva falsa, ilusória da realidade. Assim como aludiu-se a “pedaladas fiscais” para criar uma base jurídica, inexistente segundo a atual decisão do TRF 1, invocando um artigo da Constituição Federal para empurrar goela abaixo o impedimento da Presidente.

Assim como decisão do próprio STF, agora, em segunda instância, o processo que julgava as tais pedaladas também chegou ao que era nítido em 2017: foi golpe. Um golpe de ponto de vista: através da técnica retórica, criou-se uma narrativa para iludir a opinião pública e esconder os reais motivos do impeachment. Dilma foi inocentada pela decisão do TRF 1, que sepultou apelação da PGR sobre decisão já tomada em primeira instância sobre arquivamento.

A grande mídia, que referendou o golpe de 2016, produziu pequenas notas a respeito desta decisão. E continua a criar outro “trompe-l’oeil”, afirmando que Dilma caiu pelo fracasso na economia. Trata-se de uma meia-verdade, porque não há base legal para isso. A menos que se considere o presidencialismo atual como algo híbrido, um parlamentarismo disfarçado, com a possibilidade de derrubar o Primeiro Mandatário com um voto de desconfiança do Congresso. Não sendo isso, pois não é constitucional, é golpe.

Não podemos esquecer as chamadas “pautas bombas” na Câmara e no Senado (Eduardo Cunha foi preso na sequência e Aécio Neves teria um longo julgamento por corrupção, algo que só foi, por coincidência, arquivado recentemente). Ambos se propuseram a impedir que a presidente eleita não governasse, criando todo o tipo de percalço para que as propostas políticas e econômicas avançassem. Com isso, permitiram um outro “trompe-l’oeil”: o que dizia ter a presidente “quebrado o Brasil”.

Relembrando, no site do Senado se pode ler a explicação de que “pedalada fiscal” é o apelido de um tipo de manobra contábil feita pelo Poder Executivo para cumprir as metas fiscais. A intenção é fazer parecer que haveria equilíbrio entre gastos e despesas nas contas públicas. No caso do governo Dilma Rousseff, o TCU entendeu que o Tesouro Nacional teria atrasado o repasse de recursos aos bancos estatais para o pagamento de programas sociais como Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.

Com um certo atraso, o TRF 1 entendeu o que já havia sido definido em primeira Instância: não houve pedalada nenhuma. Em um país em que a contabilidade criativa é praticada livremente (viva o livre mercado), em práticas contábeis pouco éticas (vide o caso das Americanas), é um desserviço ao país a criação de falsas narrativas que acabam minando o valor da democracia.

O imaginário cidadão da maioria é pouco atento, e muito apressando em observar o que se passa nas esferas políticas. O treino do olhar se dá pela leitura acurada e a interpretação adequada da conjuntura. A grande imprensa poderia fazer um bom serviço se não ajudasse a dar colorido às ilusões de ótica criadas nos gabinetes ou no parlamento. Porque a política pode (e deve ser) clara e nítida para formar uma cidadania consciente, base fundamental da democracia.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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5 Comentários

  1. Mimimi a parte, vão dar um jeito de dar mais dinheiro para Dilma, a humilde e capaz. Vão tentar emplacar mais uma narrativa. Mais uma cortina de fumaça. Assistindo a Bloomberg descobre-se que o Rato Rouco está debatendo ‘novas linhas de credito’ para Angola. E que o BNDES captou o equivalente a 500 milhões de dolares com o banco de desenvolvimento chines (ou seja, divida que iremos pagar). Resumo da opera: há maneiras melhores de jogar tempo fora do que prestar atenção no que os vermelhos dizem, tentam chamar atenção para ou ficam repetindo. Simples assim.

  2. ‘[…] Dilma caiu pelo fracasso na economia. Trata-se de uma meia-verdade, porque não há base legal para isso.’ Qual parte de julgamento POLITICO-administrativo não ficou clara?

  3. Pedaladas ocorreram, esta documentado. CEF pagava o seguro-desemprego. O Tesouro atrasou os repasses do programa e o saldo ficou negativo. O que a justiça decidiu (ambito juridico) é que não teria havido improbidade administrativa.

  4. Conversa mole. Principalmente porque nada muda. Alas, Collor foi inocentado no STF também. Impeachment ocorre no ambito politico-administrativo. É um juri, presidido por um ministro (no caso Venaldowsky) do STF que só dirige os trabalhos. Os jurados são os senadores (admissibilidade na Camara).

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